Dessas “dificuldades consideráveis”, sempre Marinho deu assaz expressivo testemunho – daí, a título de exemplo, estas passagens: “Enquanto homem, que ele só foi num já ter sido e num ainda para ser, Pascoaes confundiu-me e intimidou-me sempre”; “Teixeira de Pascoaes intimida-me, como nenhum outro poeta de Portugal. Intimida-me o homem que desceu aos Infernos e fala com as sombras fantasmáticas e me forçou, com seu poder, a abandonar muitas das minhas humanas ilusões”; “Pascoaes é um ser terrível e a sua poesia, uma coisa imensa e prestigiosa, tornou-se-me fonte de tormento. Quando penso nas dificuldades extraordinárias a vencer para dar dela uma ideia digna, interpretar qualquer outro poeta de Portugal torna-se uma brincadeira.”; “Tremo, ao tentar dizer alguma coisa sobre a sua poesia. Sofri nisto, sucessivamente, abertas derrotas. Teixeira de Pascoaes é, para mim, o poeta invencível.”.
Mas – perguntamos enfim – a que se deve esta tão “funda impressão”, em Marinho, desde logo da pessoa de Pascoaes – ainda nas suas palavras, “ele nunca foi para mim um homem, mas humano portador de alguma coisa a saber e a dizer” – e, sobretudo, da sua poesia?
Não apenas, decerto, ao facto de ser, como reiteradamente defendeu, uma poesia “autenticamente original” – como ressalvou, “no sentido mais puro, como Leonardo Coimbra assinalou: original porque vem da origem”. Não apenas, igualmente, decerto, por ser “a poesia menos ‘artista’, a menos latina e ladina, a menos francesa”. Também Guerra Junqueiro foi por Marinho considerado como “original” e “pouco, ou nada, artista”, e nem por isso, não obstante a sua assumida “junqueirianite aguda”, o poeta das Orações causou, em Marinho, tão “funda impressão”.
Tal tão “funda impressão” deveu-se antes, na nossa perspectiva, a uma série de intuições de Pascoaes – veremos já de seguida quais – que foram, para Marinho, motivo de meditação e consequente desenvolvimento filosófico. Para Marinho, aliás, a poesia, o “pensamento poético”, é essencialmente isso: intuição. Intuição, essa, que o filósofo, ou o próprio poeta já enquanto filósofo, irá depois desenvolver…
A esse respeito, foi Pascoaes um poeta particularmente fecundo, facto que o próprio Marinho fez questão de frisar em diversas passagens da sua obra – a título de exemplo, atentemos nestas: “É verdadeiramente extraordinário notar como o que em filosofia é, em geral, tão difícil de alcançar, se encontre no nosso Poeta gratuitamente dado e se apresente desde início. Pascoaes não tem de esperar a visão amadurecida.”; “Nele, como nos visionários e subtis pensadores da sua estirpe, o mais distante torna-se o mais próximo, o mais oculto é o mais patente…”. ■