Durante longos dias a Directora-Geral de Saúde aconselhava a que não se usasse máscara fora dos ambientes hospitalares. Explicava que a máscara dava uma falsa sensação de segurança, o que podia levar ao crescimento da pandemia.
Depois o discurso mudou 180 graus e Graça Freitas, a DGS e a Ministra da Saúde, Marta Temido, passaram a considerar que a máscara era uma boa medida. Justificaram esta alteração de discurso dizendo que Portugal seguia as boas práticas internacionais, designadamente o que era defendido pela Organização Mundial de Saúde.
Curiosamente, a mudança no discurso ocorreu quando muitas pequenas fábricas portuguesas começaram a produzir máscaras, suprindo a falta em que esse equipamento se encontrava. Foram os dias em que se faziam compras loucas à China, e em que se temia não ter equipamento para os profissionais de Saúde, entre médicos, enfermeiros e técnicos de diagnóstico. Boa parte da população ficou com a convicção de que o Ministério da Saúde “geriu” a altura em que se ia mudar o discurso para a obrigatoriedade das máscaras.
O regresso, esta semana, ao estado de calamidade trouxe como novidade a generalização do uso de máscara obrigatória para quase todos os ambientes, dos transportes públicos aos supermercados ou repartições estatais. Mesmo quem não simpatizava com as máscaras decidiu aderir ao seu uso em massa. Pudera: a multa pode ir a mais de 300 euros!
Mas as máscaras de protecção são caras. Em muitas farmácias chegam a custar um euro cada uma, e nas grandes superfícies comerciais não se encontram por menos de cerca de 50 cêntimos, preço unitário.
Basta fazer as contas: uma pessoa que tenha de deslocar-se em transportes públicos para o seu local de trabalho e, uma vez lá chegada, seja obrigada a continuar protegida com máscara, acabará por gastar um mínimo de três máscaras por dia, já que as versões descartáveis têm um curto “prazo de vida”. Assim, se contar com idas ao supermercado e a outros locais onde a máscara é igualmente obrigatória, aquela pessoa terá de despender um mínimo de 40 euros por mês só para não desrespeitar a lei.
Claro que pode optar por máscaras mais sofisticadas, com ou sem respiradouros com filtro, algumas das quais podem ser usadas várias vezes e até lavadas. Mas o preço também sobe exponencialmente, podendo chegar a dezenas de euros cada unidade. Estamos perante valores manifestamente excessivos para a bolsa da grande maioria dos portugueses, e incomportáveis para muitas famílias. São más notícias para os consumidores, que ficaram com um custo acrescido em Maio e sem fim à vista.
E se em alguns centros populacionais as Juntas de Freguesia e Câmaras têm podido distribuir ‘kits’ de máscaras de forma gratuita, na maior parte dos grandes aglomerados urbanos isso não se verifica – e até à hora de fecho desta edição o Estado não tinha planos para oferecer máscaras a nível nacional. É quase certo que, com o tempo, as máscaras protectoras terão o seu preço de comercialização reduzido. Mas até lá…
Parlamento a 100%
O Presidente da Assembleia da República, Ferro Rodrigues, que no 25 de Abril se tinha posicionado de forma algo desabrida contra o uso de máscaras, também mudou de opinião. Desde segunda-feira, por determinação sua, não é “permitida a entrada, circulação ou permanência nas instalações da Assembleia a quem não usar máscara social ou cirúrgica devidamente colocada (podendo esta ser substituída por viseira)”.
Ferro justifica a súbita mudança de opinião mencionando que “no âmbito das medidas excepcionais relativas à prevenção da pandemia da doença Covid-19, as autoridades de saúde nacionais e internacionais têm vindo a tornar obrigatório, em alguns casos, e a recomendar, noutros casos, a utilização de equipamento de protecção individual” e que “no quadro do diálogo produtivo que mantém com a DGS , a Assembleia tem acompanhado todas as recomendações e orientações relativas à utilização de equipamento de protecção individual”.
A obrigatoriedade aplica-se a deputados, membros do Governo, funcionários parlamentares, membros dos gabinetes, colaboradores dos Grupos Parlamentares, serviço de segurança e a todos os prestadores de serviços, mas também a todos os cidadãos que entrem e circulem na Assembleia.
Ordem dos Médicos
Mas agora a própria Ordem dos Médicos se atravessa na defesa desta medida. A Ordem defende mesmo uma campanha de comunicação massiva sobre o bom uso de máscaras, o reforço do rastreio do Covid-19 nos lares e a criação do “Passaporte Imunológico”, entre outras medidas.
Tendo em consideração “as mais recentes informações relacionadas com a pandemia provocada pelo SARS-COV-2, e no momento actual em que o país se prepara para, progressivamente, retomar várias actividades”, a Ordem dos Médicos recomenda também o rastreio regular voluntário dos profissionais de saúde. Em comunicado, manifesta disponibilidade para participar “de forma activa” no rastreio do Covid-19 nos lares.
Insiste na obrigatoriedade da utilização de máscaras comunitárias ou máscaras cirúrgicas pelos cidadãos, certificadas pelo Infarmed, em locais públicos, particularmente nos estabelecimentos de saúde, incluindo farmácias e lares, ou estabelecimentos comerciais, bem como em todos os locais onde não seja possível cumprir o desejável distanciamento social.
A Ordem dos Médicos defende ainda a importância do acesso a informação clínica e epidemiológica dos doentes Covid-19 por parte da comunidade médica e científica, considerando que o ‘site’ da DGS “disponibiliza apenas 16 itens que pouco acrescentam em relação ao Boletim Epidemiológico”.
A Ordem dos Médicos e as Escolas Médicas “continuarão a insistir nesta matéria, essencial para efeitos de estudo e investigação no sentido de entender melhor a doença e encontrar soluções mais eficazes para o seu tratamento”.
A Ordem dos Médicos defende igualmente “a necessidade imperiosa de se abrir concursos para a aquisição da vacina da gripe. A vacina da gripe não tem eficácia no SARS-COV-2, mas, caso ocorra uma 2.ª onda no Inverno, diminuir a incidência de gripe (que pode apresentar queixas similares) na população de risco facilita a identificação dos potenciais doentes Covid-19”.
“Muitos países estão já a comprar mais vacinas da gripe, pelo que nos arriscamos a ter maiores dificuldades de acesso”, alerta.
Coimas e apelos
O Ministro das Infraestruturas apelou ao uso de máscara, que passou a ser obrigatório nos transportes públicos, reconhecendo que nalguns casos é muito difícil cumprir a lotação definida para este período de desconfinamento. “É fundamental que todos usem máscaras e temos de ser todos responsáveis para connosco e com os outros”, disse Pedro Nuno Santos, que falava à saída de uma visita à Central de Segurança da Infraestruturas de Portugal, em Santa Apolónia .
Pedro Nuno Santos disse também que as forças segurança estão em várias estações para alertar e recomendar o uso de máscara e acrescentou que “nos próximos dias a pressão sobre os transportes públicos, e os comboios em particular, pode aumentar e as forças segurança farão cumprir a lei”, lembrando que “a não utilização de máscaras implica uma coima elevada”. A legislação aprovada pelo Governo prevê coimas entre 120 e 350 euros para quem não respeitar o uso de máscaras nos transportes públicos. ■