Promessas leva-as o vírus

Banalidades, frases de ocasião e promessas ocas marcaram as intervenções dos responsáveis políticos na semana de reabertura das aulas. A verdade é que as escolas portuguesas precisam de 5 mil novos assistentes operacionais – e vão ter de contentar-se com 500…

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A semana começou com António Costa a agradecer a professores e funcionários o esforço na preparação do novo ano lectivo, sob circunstâncias especiais devido à pandemia. Costa visitou a Escola Secundária de Benavente, distrito de Santarém, na qual esteve acompanhado pelo Ministro da Educação, Tiago Brandão Rodrigues, para assinalar o primeiro dia da semana de recomeço das aulas em todo o país. 

Não se pode dizer que tenha ido muito além da banalidade. “A precaução é fundamental porque nenhum de nós pode relaxar”, disse, repetindo os ‘slogans’ correntes. “O vírus está mesmo entre nós e é cada um de nós que transmite o vírus. A escola, em si, não transmite o vírus a ninguém. Precaução significa usar a máscara, na escola sempre, desinfectar e lavar as mãos, o maior número de vezes possível, manter o distanciamento físico, cumprir regras dos circuitos definidos…”, aconselhou.

O PM referiu ainda o anúncio iminente da contratação de mais assistentes operacionais para as escolas, sem especificar um número concreto, e elogiou a “organização especial, criando como que caixas estanques entre cada turma, cada sala só para uma turma, cada carteira só para um aluno”. “Só a precaução pode diminuir a ansiedade. A direcção da escola e os professores, assistentes e técnicos podem fazer o melhor trabalho possível, mas se cada aluno ou família não fizerem o melhor possível, não funciona”, vincou.

Para Costa, “é tão necessária precaução dentro da escola como fora da escola”. “Não vale de nada não haver contacto físico dentro da escola se, depois, saindo da escola, toda a gente se for abraçar ou fazer festas para os jardins à volta”, exemplificou.

Segunda vaga?

Já o ministro da Educação, Tiago Brandão Rodrigues, declarou – sem qualquer originalidade, diga-se – que “este ano lectivo é diferente, mas sabemos, acima de tudo, que toda a gente entende a importância do ensino presencial para a nossa literacia comunitária, das crianças e dos jovens, mas também para a nossa saúde mental e física”.

Também no início desta semana, a directora-geral da Saúde pautou as suas intervenções pela banalidade repetitiva ao considerar que é “muito difícil” saber se Portugal está neste momento a enfrentar uma segunda vaga de covid-19.

“Relativamente à segunda vaga, é notório que estamos a ter um aumento do número casos, sendo que em Portugal, no intervalo entre os primeiros meses e agora, nunca estivemos num patamar com praticamente ausência de casos”, disse aos jornalistas.

Graça Freitas sustentou que “é muito difícil” responder se Portugal está ou não a enfrentar uma segunda vaga de covid-19, uma vez que estamos a lidar com um vírus novo. “Não temos um histórico sobre o seu comportamento ao longo do tempo. O que sabemos é que na curva epidémica estamos a apresentar uma subida que é notória e que se prevê que vá continuar. Se constitui ou não uma segunda vaga, só daqui a umas semanas é que perceberemos se essa tendência se mantém e vai ficar”, frisou Freitas.

Assistentes, precisam-se

Entretanto, um levantamento feito pela Federação Nacional de Professores (Fenprof) indica que mais de metade das escolas não consegue assegurar o necessário e recomendado distanciamento físico, com o ano lectivo a arrancar com falta de funcionários e docentes na maioria das escolas portuguesas.

Mário Nogueira, secretário-geral da Fenprof, frisa que 91% dos 321 agrupamentos e escolas não agrupadas inquiridos na semana passada revelaram ter falta de assistentes operacionais, um problema que, lembra Mário Nogueira, é antigo. Em cerca de 20% das escolas, os directores revelaram ter uma carência superior a 10 trabalhadores e em 42,8% o número de assistentes operacionais em falta é de entre cinco a uma dezena.

“São problemas estruturais que as escolas já tinham e a que este governo e governos anteriores não deram resposta, mas que agora, na fase em que vivemos de pandemia e de cuidados acrescidos, ganhou ainda maior importância”, referiu o dirigente sindical.

Segundo Nogueira, que falava aos jornalistas junta à entrada da Escola EB 2,3 Marquesa de Alorna, em Lisboa, no total, as escolas públicas precisam de ser reforçadas com mais cerca de 5 mil assistentes operacionais e o reforço do Governo de 500 trabalhadores é insuficiente.

O problema, acrescenta, é ainda mais preocupante tendo em conta as exigências acrescidas de higiene impostas à escola para o próximo ano, devido à pandemia. O secretário-geral da Federação Nacional de Professores alertou, ainda, que as escolas vão voltar a encerrar se as medidas não forem mais exigentes, sublinhando que a maioria dos estabelecimentos ainda não tem as condições necessárias.

Distanciamento
impossível

“Nós achamos que nada substitui o ensino presencial, mas se as medidas não forem exigentes, rigorosas, se não forem aquelas que se recomenda para a comunidade, o que vamos ter é rapidamente escolas a fecharem”, sublinhou Mário Nogueira.

O secretário-geral da Fenprof apresentou os resultados de um inquérito a 321 agrupamentos escolares, que revela que a maioria das escolas reabre com falta de funcionários e docentes e não conseguiu implementar algumas das orientações do Ministério da Educação para minimizar o risco de contágio do novo coronavírus.

“As direcções das escolas, os professores e quem preparou este ano lectivo fizeram o que era possível e até o quase impossível”, sublinhou, explicando que, no entanto, as escolas não tiveram condições para implementar muitas das medidas necessárias. O dirigente sindical referia-se, em particular, ao distanciamento físico de, no mínimo, um metro entre alunos, medida que, segundo o levantamento feito pela Fenprof, não foi possível assegurar pela maioria das escolas (52,5%).

O secretário-geral referiu ainda que, da mesma forma que a decisão de encerrar uma escola em caso de surto cabe às autoridades de saúde locais, as condições na abertura também deveriam ter sido avaliadas por estas, defendendo, por outro lado, a realização de testes antes do regresso às aulas, uma reivindicação da estrutura sindical desde que as escolas secundárias reabriram em Maio. ■