A Cidade-Estado de Singapura cumpriu recentemente 50 anos de existência, durante os quais se tornou num país organizado, rico e de futuro. A comparação com o Portugal caótico de hoje é irresistível…
Já lá dizia a cançoneta dos tempos do PREC: “como a gaivota, somos livres”. Realmente, a liberdade é para os portugueses como a da gaivota: andamos à vontade do vento no ar, aos solavancos e encontrões, para ver se ocasionalmente roubamos aqui ou ali um carapau aos pescadores, sujamos tudo cá em baixo e esperamos que “alguém” limpe.
A comparação é irresistível. Singapura, enquanto Estado independente, apenas existe desde 1965, já Portugal era uma nação bem velha. Desde então, ultrapassou-nos em todos os índices sociais e de desenvolvimento. Enquanto o pequeno Estado asiático prospera e cria riqueza para os seus cidadãos, Portugal afunda-se na crise crónica e na incerteza, refém de mitos e mentiras “politicamente correctos”. Vale a pena estudar o contraste e conhecer um pouco mais desse encantador país onde Portugal chegou a ter, no século XIX, importantes estações missionárias.
A intelectualidade de esquerda costuma acusar Singapura de ser “uma ditadura”. Estranha ditadura esta, que conta com eleições periódicas e multipartidárias. Verdade seja dita: o poder executivo é ocupado pelo mesmo partido desde a independência. Mas esse partido tem competido livremente, e ganho sempre com mais de 60% dos votos, ou seja, o voto de confiança de mais de metade do povo. Mas não é uma “democracia” na acepção anárquica que os portugueses têm da palavra.
Sujar, partir, faltar ao respeito às autoridades (de professores a polícias) ou roubar é castigado de forma severa e expedita. Se em Portugal, desde 1974, pedir a alguém que deite a beata do cigarro no lixo é considerado “fascismo”, em Singapura é o contrário. Segundo a Reuters, um fumador singapurense foi recentemente multado em 15 mil euros por atirar beatas para a via pública, pena completada com a obrigação de prestar serviço cívico de limpeza. A multa costuma ser de “apenas” 600 euros, mas o fumador em causa era reincidente. A denúncia partiu de uma cidadã preocupada, que fotografou o homem em pleno acto com a câmara do “smartphone”, o que é um comportamento ético considerado comum na capital do país.
As medidas podem parecer duras, mas têm a sua razão. Segundo o governo, os varredores de rua não são escravos para andarem a limpar noite e dia a sujidade que os vândalos deixam.
A ética cívica foi uma das componentes centrais da ideologia do fundador deste país, que sempre defendeu que essa seria a única forma de uma nação tão minúscula sobreviver e prosperar. Nem sempre pareceu que iria consegui-lo.
Origens
Na génese de Singapura está o Império Britânico. Em 1819, Sir Thomas Stamford Raffles (cujo nome ainda adorna muitos dos edifícios do Estado) obteve a autonomia da parte sul do território, então sob regime de sultanato, transformando-o num importante entreposto da British East India Company. Em 1824, toda a ilha de Singapura se tornava possessão britânica, integrada no território da Malásia.
Desde então até à Segunda Guerra Mundial, Singapura foi um dos mais importantes pontos de apoio comerciais e militares do Reino Unido na Ásia. Sede da frota naval asiática da Marinha Real, a sua queda nas mãos dos japoneses, no ano de 1942, foi inesperada e chocante. Winston Churchill chamou-lhe “o pior desastre e a maior capitulação na história britânica”.
Um jovem Lee Kuan Yew, pai fundador de Singapura, aprendeu uma lição valiosa depois desta tragédia: as políticas fracas e derrotistas acabam em desastre.
Os governos britânicos do período entre as guerras tinham deixado de investir na máquina militar, vítimas de indecisão e do forte elemento pacifista do Partido Trabalhista britânico. Quando chegou a altura de defender a Malásia, os ingleses não tinham no terreno os meios militares mínimos, enquanto os japoneses avançavam calmamente usando simples bicicletas. A lição ficou: a Cidade-Estado de Singapura hoje gasta 5% do seu PIB em defesa e possui uma das máquinas de guerra mais modernizadas e sofisticadas da Ásia.
Durante a ocupação japonesa, o futuro líder do país colaborou com os nipónicos, para alimentar a família, mas escapou por pouco a ser morto. Como tinha tido uma educação ocidental chegou a estar na lista do “Sook Ching”, ou “purificação através da limpeza”. Cem mil pessoas, tanto chinesas como europeias, foram massacradas durante a ocupação.
Após a guerra, Lee Kuan Yew estudou em Cambridge, no Reino Unido, onde se formou como advogado. Presenciou durante este período a decadência lenta e agonizante da Grã-Bretanha, que contrastava com a glória imperial que ele tinha estudado e tanto admirara. A sua ilha natal tinha de ser totalmente independente, de forma a prosperar.
Em 1959, o Reino Unido concede a Singapura a autonomia política, e em Agosto de 1963 a independência. Um mês depois, Singapura foi integrada na Federação da Malásia, situação que se manteve durante dois anos. Finalmente, em 9 de Agosto de 1965, tornava-se independente.
A separação afigurava-se trágica, na altura, visto que a ilha poucos recursos naturais ou capacidades defensivas tinha. Os malaios, que não concordavam com as políticas pró-Ocidente de Yew, esperavam que Singapura definhasse e acabasse por se render incondicionalmente. Mas enganaram-se redondamente…
Ética da ordem
Na mesma altura em que o ex-primeiro-ministro português, José Sócrates, era detido por indícios de corrupção, Singapura foi aclamada como o Estado menos corrupto do mundo pela organização “Transparência Internacional”. Este é um desenvolvimento que nasceu de uma política de efeito duplo: por um lado, os polícias, juízes, ministros, professores e outros detentores de cargos públicos recebem ordenados muito generosos; por outro, são duramente castigados caso tentem ganhar dinheiro “por fora”.
Enquanto em Portugal os polícias recebem ordenados relativamente baixos, em Singapura um agente da lei aufere 2.000 euros por mês logo em inicio de carreira, mais um prémio de entrada na carreira de 20 mil euros. Um professor do Secundário ganha, em média, 3.000 euros. E tudo isto sem contar com os dois subsídios de férias, mais os prémios de mérito. A lógica subjacente é de que, se não tiver necessidade, o funcionário não será levado a usar a corrupção para se sustentar.
Mas existe uma contrapartida: as penas pelo delito de corrupção também são muito duras, estando fixado um mínimo de 5 anos de prisão e 80.000 euros de multa por qualquer delito de corrupção. Até mesmo a atribuição de um prémio de mérito sem uma justificação válida pode ser considerada razão para castigo.
O sistema é rápido a lidar com os corruptos: existe uma polícia própria só para crimes desta natureza, o “Escritório de Investigação às Práticas Corruptas”, que até tem poder para vigiar ministros. Ministros para quem as penas valem a dobrar caso sejam apanhados: o poder acarreta responsabilidades neste país.
Aliás, o sistema judicial é famoso pela sua celeridade. Um julgamento justo e rápido é considerado um direito humano em Singapura, bem como um direito democrático. Por contraste, todos os anos milhares de portugueses aceitam situações de arbitrariedade e injustiça nas suas vidas por não terem acesso aos tribunais.
Em Portugal, quando uma sentença demora anos, às vezes até quase uma década, a ser proferida, as pessoas sabem que não podem contar com a justiça. Existem casos de conflito de custódia de crianças, devido ao divórcio dos pais, em que um dos cônjuges apenas pode ver os filhos décadas após o pedido entrar no tribunal. Muitas vezes os jovens já nem reconhecem o seu progenitor, em muitos outros já são maiores de idade.
Em situações de conflito laboral, os anos que demora para chegar ou não chegar uma indemnização podem ser o suficiente para se passar fome e ficar desalojado. Mais uma situação em que a Constituição garante “amplas liberdades” que depois não existem na prática. Tal como na saúde, onde mais uma vez as diferenças entre os dois países são abissais.
Serviços sociais organizados
A empresa Bloomberg considerou, em 2014, o sistema de saúde de Singapura o mais eficiente do planeta, tanto em termos de serviço ao utente, como em dinheiro gasto por utente. Todos os hospitais no país são privados, ou agências independentes do poder político. O Estado fornece um sistema de saúde pública para o qual o cidadão desconta de forma obrigatória, e depois escolhe como e onde quer ser atendido em caso de necessidade. O Estado pouco mais faz no sector da saúde do que regular os preços dos serviços e dos medicamentos. O sistema não é gratuito, e é ponto de honra que todos os tratamentos devem ser pagos de forma a evitar o uso excessivo dos serviços, retirando dessa maneira espaço a quem precisa verdadeiramente de ajuda.
Graças a este sistema descentralizado, apenas 1,6% do PIB nacional é gasto em saúde, enquanto que em Portugal se gastam 9,5%. O resultado? Singapura tem a esperança média de vida mais elevada do planeta, segundo a Organização Mundial de Saúde, enquanto que Portugal tem vindo a cair nos ‘rankings’ desde que ficou sem dinheiro.
Mas os ocidentais de esquerda não perdem uma oportunidade para tentar encontrar “buracos” no sistema da pequena Cidade-Estado, e existe quem se queira aproveitar. Recentemente, jornalistas da BBC “descobriram”, com enorme choque, uma pessoa de meia-idade a vasculhar no lixo. Quando a entrevistaram, ela alegou que vivia na miséria e que queria um rendimento mínimo (na mesma lógica do que existe cá). Esta notícia foi para o ar, apenas para ser desmentida poucas horas depois, quando o governo colocou à frente do nariz dos repórteres que a “miserável” tinha um apartamento de qualidade: simplesmente não queria trabalhar.
O pequeno país sempre rejeitou o Estado-Providência, tal como está montado na Europa, alegando que incentiva a preguiça. Os trabalhadores beneficiam de protecções sociais e habitação subsidiada (não gratuita). O desemprego é nulo (e os subsídios, neste caso, são generosos), o desalojamento também. Ao contrário do sistema português, onde os cidadãos em muitos casos têm medo do poder do Estado, em Singapura o Estado é um parceiro do cidadão trabalhador.
As liberdades
Lee Kuan Yew morreu pouco antes da data dos 50 anos de independência. Na hora do adeus, milhares de singapurenses expressaram o seu pesar pela morte do fundador do país. O legado de Yew é um país organizado, justo e rico. O legado dos políticos portugueses é três bancarrotas no espaço de 40 anos, corrupção descontrolada, uma nação onde há mais pobres hoje do que em 1974.
Na enorme Constituição de 1976, de forte pendor ideológico de esquerda, está consignado todo um conjunto de “direitos”. Segundo essa lei fundamental, temos direito a tudo e a mais alguma coisa, prova de que na actual República reina a ilusão clássica: “se é lei, então acontece”. Na pequena Constituição que rege a Cidade-Estado de Singapura, apenas estão garantidos os direitos básicos de qualquer cidadão, as “liberdades fundamentais”. Não há qualquer menção a saúde, educação ou canais de televisão como no nosso texto fundamental, e no entanto têm direito a tudo isso e a muito mais, enquanto que grande parte da Constituição da República Portuguesa é letra morta na prática corrente.
Por essa razão, a gaivota do PREC continua a voar em Portugal. Até que um dia tenha de pousar as patas no chão da realidade…