Encostado ao canto das evidências, António Costa só tinha duas saídas: ou reconhecia as críticas que chovem de todos os sectores à desastrada actua-
ção da sua Ministra do Trabalho, Solidariedade e Segurança Social, e demitia Ana Mendes Godinho; ou fazia o que a generalidade dos observadores esperava – fingindo que a crise não existia e empurrando o problema com a barriga, na esperança de poder resolvê-lo mais tarde, em ambiente mais calmo. Costa escolheu, obviamente, a segunda via.
“Não vale a pena pedirem a demissão de um membro do Governo”, acabou António Costa por dizer, a meio da semana, numa tentativa para dar o assunto por “encerrado”. Mas, em vez de defender a actuação concreta da Ministra no triste caso do lar de Reguengos de Monsaraz onde morreram 18 pessoas, Costa preferiu justificar “toda a confiança” que mantém na Ministra com “o trabalho excepcional que tem vindo a fazer, a enfrentar as situa-
ções de protecção do emprego, de criação de prestações sociais”.
A verdade é que o Primeiro-Ministro não podia defender a insensibilidade demonstrada por Ana Mendes Godinho no caso de Reguengos, optando antes por elogiar o seu trabalho noutras áreas de actuação do Ministério e desvalorizar o significado político do escândalo. “Não nos devemos distrair do essencial e estar com polémicas que são artificiais”, disse ele. Mas logo acrescentou, para bom entendedor e para memória futura: “Quando não tiver confiança [num ministro], resolvo o problema”.
“Dê lugar a outro”
Na origem deste caso, que interrompeu a ‘silly season’ política, motivou pedidos de demissão e perturbou a “paz celestial” em que António Costa tem vivido, esteve uma desajeitada entrevista de Ana Mendes Godinho ao semanário ‘Expresso’. Nela, a Ministra da Segurança Social desvalorizava de forma chocante a gravidade da situação num lar de idosos de Reguengos de Monsaraz onde se registaram dezenas de casos de Covid-19 e onde faleceram, em consequência, 18 residentes.
Na mesma entrevista, a ministra da Segurança Social admitiu que faltam funcionários nos lares mas considerou que a dimensão dos surtos de Covid-19 “não é demasiado grande em termos de proporção”.
Com uma inabilidade digna de nota, Ana Mendes Godinho afirmava ainda nessa entrevista que nem sequer se dera ao trabalho de ler o relatório oficial da Ordem dos Médicos sobre o caso. As reacções não se fizeram esperar.
O PSD imediatamente anunciou que vai chamar as ministras da Segurança Social e da Saúde ao Parlamento para apresentarem explicações sobre o lar de Reguengos de Monsaraz. Em comunicado, o partido de Rui Rio afirmava ainda que a “desvalorização dos acontecimentos” por Ana Mendes Godinho é “inadmissível”.
Já os líderes do CDS-PP e do Chega pediram a demissão da Ministra da Segurança Social. O dirigente democrata-cristão, Francisco Rodrigues dos Santos, declarou que “a continuidade em funções” daquela governante “é uma questão de saúde pública – que se mantenha em férias e dê lugar a outro”. O deputado único do Chega, André Ventura, entregou no Parlamento um requerimento para que Ana Mendes Godinho dê explicações.
Por seu turno, o bastonário da Ordem dos Médicos, Miguel Guimarães, disse em entrevista à TSF que “é no mínimo estranho, e de uma enorme insensibilidade, a ministra não ter perdido 15 ou 20 minutos para ler a auditoria que a Ordem dos Médicos fez. Competia-lhe ler o documento”.
Marcelo ao ataque
No seu habitual espaço dominical de comentário na SIC, o conselheiro Luís Marques Mendes afirmou que as declarações da ministra revelam uma “insensibilidade enorme”. “É lamentável uma ministra com a responsabilidade da área da terceira idade dizer que não leu este relatório».
Atacada de todos os lados, Ana Mendes Godinho refugiou-se no argumento dos fracos: segundo ela, o jornal ‘Expresso’ procedera a uma “descontextualização grave” ao puxar para título apenas uma parte das declarações da Ministra…
Mas a reacção que mais doeu ao Executivo socialista veio de onde menos se esperava: do sempre “compreensivo” Presidente da República, Marcelo Rebelo de Sousa, que desta vez não esteve pelos ajustes. Numa declaração feita à beira-mar, Marcelo sublinhou o desacerto das declarações da Ministra sem nunca proferir o seu nome. O PR disse que não há um, mas quatro relatórios, indicou o número de páginas de cada um deles e acrescentou que já os lera todos. “É preciso lê-los todos”, reforçou Marcelo.
Na comunicação, o coro de críticas foi aumentando de volume e intensidade à medida que os dias passavam. “Ana Mendes Godinho desvalorizou as vítimas e menorizou o sofrimento de uma região”, comentava um dos mais brandos críticos da governante, o articulista José Pinto, do jornal ‘Observador’. E concluía, ironicamente: “Centena e meia de alentejanos não valem uma leitura”.
No seu referido espaço de comentário, Marques Mendes considerou já que Ana Mendes Godinho “parece um caso de inadaptação ao posto de trabalho. Tudo lhe corre mal”. Por isso, “corre o risco de, não já, mas numa próxima remodelação, sair do Governo”. Na opinião do conselheiro de Estado, o Primeiro-Ministro não a substituirá agora, mas sim na primeira remodelação governamental que Costa realizar, o que, devido às eleições presidenciais, só deverá acontecer no próximo ano. Para já, a Ministra “vai ficar, mas vai ficar mais frágil e com menos autoridade e menos respeito”.
Teia socialista
Entretanto, o PSD denunciou uma “teia de relações partidárias” entre a Administração de Saúde e Segurança Social no Alentejo e exigiu o apuramento de responsabilidades pela morte de 18 doentes com Covid-19 em Reguengos de Monsaraz.
Em comunicado, o Partido Social-Democrata afirma: “A ocupação generalizada das estruturas da administração local e regional por parte do Partido Socialista é uma prática que atinge no Alentejo uma dimensão insuportável”. Também o facto de a presidência da Fundação Maria Inácia Vogado Perdigão da Silva (proprietária do lar de Reguengos) coincidir com a presidência da Câmara Municipal de Reguengos revela, segundo o partido “a promiscuidade política que domina as relações institucionais naquele município do Alentejo”.
Reiterando ser “inadmissível” a tentativa de “desvalorização dos acontecimentos verificados em Reguengos de Monsaraz por parte da Ministra Ana Mendes Godinho”, o PSD reclama “o apuramento das responsabilidades políticas que os diferentes actores em presença terão que assumir”, nomeadamente o Governo. ■