“Orgulho” doentio em mortes e dívida pública

Marques Mendes e o ‘método’ de comparar pinhões com melancias…

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Aos Domingos, durante o mês de Agosto, Marques Mendes tem vindo a afirmar que devemos ter “orgulho” no número total de infectados e número total de mortes em Portugal por Covid-19.  No seu afã de provar que temos o melhor e mais capaz governo e classe política do mundo, Mendes congratulou-se por estarmos “muitíssimo longe” das mortes totais dos 10 países piores do mundo.  

Há os epidemiologistas internacionais a avisarem que não se deve comparar maçãs com laranjas ou alhos com bugalhos, mas depois há estes super-hiper-especialistas nacionais de tudo na Televisão doente que aconselham é a comparar diretamente um pequenino pinhão com uma enorme melancia! 

Inabalado por Portugal ter ido parado às listas negras de Covid-19 de vários países europeus, logo estar deserto quer de turistas quer de emigrantes em férias, o reputado comentador Marques Mendes, na reputada televisão SIC, contrariou essa ideia de os outros europeus e povos insistirem em contar novos casos de Covid-19 por 100.000 habitantes ou mortos por milhão de habitantes.  Para Mendes, só interessam números totais de casos e mortes. Deve-se comparar Portugal com países muito maiores em números absolutos para concluir, inevitavelmente, que temos os melhores governantes do mundo. 

Mendes mostrou-nos recentemente um quadro dos dez países piores no mundo no total de mortes, não vendo necessidade de explicar por que razão todos os países nesse quadro são múltiplas vezes maiores que Portugal ou fazer quaisquer cálculos de conversão per capita.  Para o singular especialista Mendes, morrerem mais pessoas no total em países com muita gente do que em países com pouca gente não é relevante.  Para ele, devemos ter muito orgulho de num país pequeno morrer menos gente que num país grande e não devemos sequer comparar as mortes em Portugal com países da mesma dimensão como a Grécia. Devemos é comparar os nossos números absolutos com os dos paí-
ses grandes. 

O factor dimensão ou os cálculos per capita (por número de habitantes) não são considerados importantes por Mendes, que até nos recorda que houve 730.000 mortos no mundo inteiro enquanto nós só temos cerca de 1.700 mortos. O facto de que em Portugal existem 800 vezes menos habitantes que no resto do mundo parece ser um detalhe insignificante para Mendes, que insiste em comparações por números absolutos.  

Por exemplo, no quadro de Mendes está incluída a Índia, que tem 1.400 milhões de habitantes versus os 10 milhões de habitantes de Portugal. Marques Mendes é de uma seriedade e objetividade tão únicas, que compara em números absolutos os dados de países com 140 vezes mais população que Portugal. Para o notável Mendes, é obvio que a Índia está muito pior que Portugal e devia ter vergonha de ter 46.000 mortos enquanto nós devemos ter orgulho de ter 1.700 mortos.  O facto de por milhão de habitantes terem morrido cerca de 170 portugueses versus apenas 30 indianos por milhão de habitantes é um factor irrelevante para o irreverente Mendes.  

Também não lhe parece valer a pena explicar, na sua tese do orgulho no nosso excelso governo, porque é que um país do mesmo tamanho populacional que Portugal, como a Grécia, tem 200 mortos enquanto nós temos 1.700. Não: o que interessa à soberba televisão SIC é comparar-nos com países com muita gente, logo onde morre muita gente, para dizer que há que ter orgulho no nosso governo. 

Se não disputarmos a lógica absoluta do enorme Mendes na relativista TV SIC, podemos usar essa mesma lógica na dívida pública portuguesa. Já que as dimensões dos países não contam para nada, segundo o maior perito da incrível SIC, falemos apenas em números absolutos em vez de per capita ou outras normalizações complicadas como dívida em percentagem do produto interno bruto.  

Afinal, com a ajuda do método único do excelso Mendes, descobrimos assim que Portugal não está no ‘Top 3’ dos paí-
ses mais endividados da Europa, como os países frugais nos têm andando a avisar! Segundo os cálculos mendesianos, a Europa está errada, quer nisso quer em ter-nos posto na lista negra do Covid-19.  

Os especialistas financeiros, tal como os epidemiologistas, são menos espertos que Mendes, para quem o tamanho de um país não deve contar para nada em comparações. Portugal nem sequer está na tabela dos 10 piores países mais endividados em valores absolutos de dívida. Que orgulho na nossa classe política, tão bem e verdadeiramente encarnada por Marques Mendes! Acima de Portugal, e muito pior e muito mais endividada que Portugal, está por exemplo a Alemanha. Os números, analisados segundo o método de Mendes, não mentem. 

A Alemanha deve para cima de 2.000.000.000.000, enquanto Portugal está muitíssimo longe dessa dívida, por um factor de 10 vezes, devendo apenas acima dos 200.000.000.000. Não interessa que Portugal tenha uma economia dezenas de vezes mais pequena que a alemã: o que interessa é que, segundo o racionalismo mendesiano, devemos menos dinheiro em valores absolutos que a Alemanha, logo devemos ter orgulho nisso! 

A dívida global mundial está a aproximar-se dos 60.000.000.000.000 euros. Ora, felizmente, segundo o método MM, Portugal só deve um pouco acima de 200.000.000.000 euros, um número muito mais pequeno e com muito menos zeros; logo, estamos muito melhor que a América, a Alemanha, o Reino Unido ou a França. Somos, afinal, dos países mais ricos e menos endividados do mundo, longe dos piores, e não sabíamos até a reputada SIC e o reputado Marques Mendes nos explicarem o seu método para comparar diretamente, e em números absolutos, pinhões com melancias!  

Segundo a SIC, somos mesmos os maiores e melhores do mundo na saúde e na economia, e temos um “ganda” governo e uma “ganda” classe política que merece povoar a TV doente a toda hora, a explicar-nos por que devemos estar orgulhosos e ter um grande apreço por quem nos endivida tão pouco e só deixa morrer mais mil e quinhentos que na Grécia do mesmo tamanho que o nosso! 

Os nossos governantes são os maiores! ■