Afinal quem governa Lisboa

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A pergunta é hoje pertinente em face do resultado autárquico de Setembro do ano passado, das deliberações que têm sido aprovadas em reunião de Câmara e daquilo que é o modelo autárquico vigente.

Nestes poucos meses de mandato já deu para perceber que, face à distribuição de vereadores, o executivo de Carlos Moedas não terá uma vida fácil. Recordo que a coligação Novos Tempos, que ganhou as eleições, tem apenas sete vereadores em 17, sendo os restantes eleitos pertencentes aos diversos partidos de esquerda: sete eleitos pela coligação PS/Livre, dois pelo PCP e um pelo Bloco de Esquerda. O resultado desta aritmética pode significar a ingovernabilidade da cidade, com um executivo impedido de implementar as suas políticas e, no limite, a ter de aplicar decisões que não são suas e contra as quais aliás se manifestou. Dou apenas três exemplos nestes curtos cinco meses de mandato que já levamos.

Uma proposta dos Novos Tempos (NT) que visava dar prioridade aos que vivem, ou que já viveram em Lisboa nos últimos 10 anos, nos concursos de renda acessível, foi chumbada. Em matéria de Alojamento Local, uma actividade importante para a Cidade, que passou por tempos muito difíceis, temos neste momento a atribuição de novas licenças suspensas, por proposta das esquerdas. Não houve revisão do respectivo regulamento e não há qualquer estudo que sustente esta decisão, tratando-se apenas de uma agenda ideológica dos proponentes contra o AL em Lisboa. Último exemplo, e se calhar o mais paradigmático de todos. Uma proposta levada à reunião de Câmara pelo PCP, e aprovada pelas esquerdas, impede a CML de vender fogos de habitação municipal aos seus actuais inquilinos que cumpram os respectivos requisitos. O mais extraordinário é que esta proposta também suspende os processos de alienação em curso e que vêm do anterior mandato, quando a CML era governada por PS, BE e Livre. Ou seja, proíbem hoje aquilo que fizeram no mandato passado. Não podia existir melhor exemplo de irresponsabilidade política.

Estes três exemplos, e haveria ainda outros, demonstram que Lisboa tem hoje um problema de governação, com um executivo que não consegue fazer passar as suas propostas e que por vezes é obrigado a implementar decisões das quais discorda profundamente. Como é que se governa uma cidade nestas circunstâncias?

Também já foram dados avisos para os próximos tempos, com os vários partidos de esquerda, na Assembleia Municipal e na Câmara, a deixar claro que a designada ZER da Baixa-Chiado é para avançar, mesmo que Moedas já tenha dito que não quer este projecto tal como ele foi desenhado por Fernando Medina. Mas isso para alguns é um pormenor sem importância.

Esta problemática da governação da cidade já não era vista há muitos anos. Desde 1985 que quem ganhou as eleições dispôs sempre de uma maioria de vereadores (Abecassis, Jorge Sampaio e João Soares). Quando assim não aconteceu o vencedor teve sempre no seu campo político mais próximo a possibilidade de completar essa maioria. Foi assim com Santana Lopes e depois com Carmona Rodrigues que, com oito vereadores eleitos cada um, conseguiram formar maioria juntando o vereador do CDS, ficando com nove em 17. Foi também assim nos primeiros tempos de António Costa que, tendo apenas seis vereadores eleitos em 2007, conseguiu fechar um acordo com o movimento de Helena Roseta (dois vereadores) e com o eleito do Bloco, garantindo assim os nove vereadores necessários para a maioria.

Desta vez tal não é possível. Carlos Moedas não tem quem lhe componha a maioria de que necessita. Pelo contrário, tem várias forças radicais de esquerda a fazer-lhe oposição sistemática e tem um PS aziado, que não lhe perdoa a derrota do dia 26 de Setembro de 2021.

No meio desta confusão e destes jogos políticos, veremos como vai ficar Lisboa. ■