As banhadas do governo

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As cheias que (o)correram esta semana pelas ruas, ruelas e avenidas lisboetas e que “varreram” dos telejornais muitos dos acontecimentos concorrenciais que poderiam ombrear com esta tragédia, deixam à vista claramente, uma vez mais, a falta de capacidade de prever o óbvio, a que os diversos partidos, mas em especial o Partido Socialista em diversas áreas, quer geográficas, quer temáticas e sectoriais, sempre nos habituou durante todo o tempo da sua governação.

Aos dias de hoje, e fazendo um balanço de tudo aquilo que há a lamentar, essa, infelizmente, é já a sua imagem de marca – a inépcia total perante a adversidade aliada a uma total incapacidade patológica de previsão/mitigação dos riscos provocada, quiçá, pelo tal optimismo bacoco e irritante por parte do seu líder António Costa, que o Presidente Marcelo tão bem denúncia nas suas opiniões.

Mas nem só este traço de personalidade bem conhecido e irritante de António Costa poderá estar na base de uma tragédia com as proporções e magnitude com que nos temos deparado nestas últimas cheias, ainda que esteja a ser vista e entendida muito ainda ao de leve, não tendo tido uma adjectivação consentânea com a realidade. A verdade é que, em todo este processo existe muita responsabilidade repartida por diversos culpados, traduzidos em várias entidades e organismos nacionais, que falharam de forma gritante naquilo que lhes competia, em diversos campos e momentos desde a prevenção, passando pelas políticas desastrosas que têm sido feitas ao longo dos anos, à manutenção totalmente desadequada das zonas e terminando até na mitigação de danos que, claro está, não estando devidamente acauteladas a jusante todas as outras condições, tinham tudo (como aliás tiveram) para que corressem pessimamente.

Mas o que é ainda mais grave, poderá continuar a correr nos próximos dias, visto que a chuva forte e os aguaceiros imprevisíveis e continuados não têm dado sinais de abrandar e todos os problemas estruturais não parecem de todo passíveis de ser resolvidos, ou pelo menos aliviados, enquanto a chuva e a adversidade meteorológica não derem tréguas e, sobretudo, enquanto as piscinas que aqui e ali se foram formando não se comecem a esvaziar.

Assim, resta-nos apenas emitir alertas laranja e vermelhos, consoante o sítio onde os fenómenos ocorrem, enviar SMS, barricar estradas e alertar pessoas na esperança que estas não sofram com isto mais do que já sofreram e, para os mais crentes e religiosos, rezar à espera de um milagre, já que neste momento, e tendo em conta a qualidade dos decisores terrenos, já só nos resta esperar mesmo por uma intervenção divina hierofânica para que esta situação possa ser resolvida sem que não se lamente mais nada, muito menos vidas humanas.

O que é sempre incompreensível no meio de tudo isto e digno de nota é que estas cheias não são só um “déjà vu” de si próprias ocorridas em anos anteriores e já amplamente documentadas, como são também extremamente similares a todos os processos trágicos que ocorrem em todo o território português ao longo de décadas, onde frequentemente, se colocam à frente “rótulos” de inevitabilidade, que nada mais são, do que uma tentativa ridícula e porque não dizer mesmo, cobarde que os políticos criam para passar nos pingos da chuva, salvo a comparação, às suas verdadeiras responsabilidades.

É preciso entender de uma vez por todas que esta atitude é inconcebível, já que a posição que um autarca, ministro, secretário de Estado ou outro decisor político ocupam no meio social é diferente do cidadão comum, logo o grau de responsabilidade e as ilações que deverão ser tomadas tanto por estes, como pelos seus munícipes, cidadãos ou outros, face a um desfecho deste tipo, devem ser também elas bem diferentes daquelas que os segundos fazem para si. Dito de outro modo, a responsabilidade que os falinhas mansas têm é mil vezes superior aos restantes, para o bem e para o mal.

A razão é simples, são as decisões, ou muitas vezes a falta delas, emanadas por estes organismos e pessoas diferenciadas e supostamente capacitadas para a função que ocupam que culmina naquilo que se vê – num contínuo e incessante disparate vivido há décadas por todo o país, sem que sobre eles recaia uma verdadeira penalização, ou sequer se apure o grau da sua responsabilidade, ou a sua culpa consciente ou inconsciente no processo e no desfecho sempre trágico, que redunda na contabilização de inúmeros prejuízos, quer humanos, quer materiais, quer ainda (e pouco falados, mas igualmente devastadores) os anímicos que se faz destes momentos, basta ver os estudos que mostram que as pessoas atingidas globalmente por este tipo de fenómenos fixam com quadros de “stress” pós-traumático, depressão ou outras, sendo assim a factura social paga, bem mais elevada do que as restantes.

O que aconteceu na cidade de Lisboa ao longo desta semana é de tal modo grave que exige este mesmo exame de consciência colectiva, não devendo ser imputado apenas a um só factor ou agente, muito menos às famigeradas alterações climáticas que frequentemente são esgrimidas para justificar o injustificável, deve ser, sim, entendido como provocado, ou pelo menos ampliado, por falhas constantes e sucessivas que encontram paralelo no flagelo dos incêndios em diversas zonas do país, ou em outros processos idênticos, são eles o desleixo, a incúria, aliada a uma incompetência mascarada de vaidade e arrogância, quer nos discursos e nos actos de muitos destes decisores que ao longo da cadeia de comando têm mostrado.

É certo que a força da natureza e que os factores exógenos estão cá e cada vez serão uma realidade com que teremos de lidar, negá-los ou subestimá-los é em si mesmo uma profunda irresponsabilidade, mas fazer deles os únicos responsáveis de tudo o que temos vivido nos últimos dias é demasiado infantil e não resolve nenhum dos problema de fundo, a ausência na qualidade da decisão e planeamento e na capacidade da resposta por parte de governos, autarquias e demais entidades, tudo somado, temos a verdadeira receita para a desgraça que se replica vezes e vezes sem conta, sem que dela tiramos também nós as nossas próprias conclusões enquanto cidadãos.

Só quando, finalmente, deixarmos de nos desculpar e vermos realmente como cidadãos aquilo que tem funcionado versus o que não está poderemos verdadeiramente prevenir para não ter que remediar. Até lá estaremos sempre à mercê de situações destas, apontando e disparando para todo o lado, enquanto vemos aquilo que com tanto sacrifício colectivo e pessoal criámos ser-nos retirado sem que possamos fazer muito, e este alerta serve para esta tragédia ou qualquer outra que se venha a abater sobre nós, fruto de todos os factores já aqui identificados e para alguns por demais evidentes.