As Forças Armadas devem ser extintas?

“Porque este mundo é tal que é milhor cá nos desertos sofrer e calar o mal, que descobrir os secretos deste nosso Portugal…” Sá de Miranda (Écloga Montado)

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Desde o início da Nacionalidade que se criaram e extinguiram, até hoje, numerosas organizações, estruturas, funções, etc., e muitas outras se foram renovando, ou criado, ao longo dos tempos, adaptando-se a novos conceitos, doutrinas e tecnologias, que melhor servissem os seus objectivos e princípios, esses sim, por norma, irrevogáveis.

Tirando a Armada e o Exército, cujas datas fundacionais, não são seguras (nem consensuais), mas cuja antiguidade de ambas se pode fazer recuar ao Rei fundador (a Força Aérea só foi criada, em 1 de Julho de 1952), as instituições portuguesas mais antigas ainda existentes, são a Universidade, criada em 1 de Março de 1290, com o nome de “Estudos Gerais”, em Lisboa, ao tempo do Rei D. Dinis e as Misericórdias, fundadas pela Rainha D. Leonor, em 15 de Agosto de 1498.

A diplomacia também existe desde D. Afonso Henriques, mas o seu estabelecimento em termos “organizados” data de 29 de Novembro de 1643, quando o Rei, Senhor D. João IV, instituiu a primeira Secretaria de Estado, dedicada aos assuntos de Estado, renovada por D. João V, em 28 de Julho de 1736, com a criação da Secretaria dos Negócios Estrangeiros e da Guerra, cuja separação (a guerra dos estrangeiros), ocorreu por Portaria de 27 de Setembro de 1820.

E, enfim, a Igreja, não sendo uma criação portuguesa, tornou-se portuguesa nas dioceses nacionais, incluindo as ultramarinas; foi estruturante da sociedade, mas nunca foi “nacionalizada” completamente.

Sendo a Igreja mais antiga que a Nação e o Estado Português é, porém, muito mais “moderna” do que o conceito e organização de “Força Armada” (Exército e Marinha)…

A Magistratura é mais complexa de analisar, pelo que nos dispensamos de a tratar. Mas não pararam até conseguiram acabar com os tribunais militares e com o Supremo Tribunal Militar, uma das instituições mais antigas do país, fundado em 15/12/1640 e extinto em 15/11/2003.

“Não é isto susceptível de gerar qualquer tipo de contestação, uma vez que o tema central de qualquer iniciação é a ‘palingénesis’, a morte e a ressurreição simbólicas, cuja ritualização impõe que o candidato seja vendado e atado, de modo a vivenciar as trevas e as restrições que antecedem cada (re)nascimento” (Manuel J. Gandra. “O Projecto Templário e o Evangelho Português”, pág. 94). Até ver a “Luz” ou ser “iluminado”, direi eu…

Vem tudo isto a propósito da discussão e mal-estar que por aí grassa (mas nada que umas boas futeboladas e umas sardinhas assadas não façam rapidamente esquecer) relativamente à enésima reestruturação – leia-se emagrecimento forçado, por vezes auto-estimulado – do aparelho militar da Nação, no caso a cúpula da sua macroestrutura. É uma infelicidade assistir a tudo isto, ao desnorte que por aí vai, às más intenções subjacentes e à falta do pesar de consequências. Não é de agora.

Algumas instituições têm-se preocupado com o devir da Instituição Militar (IM), como sejam a Revista Militar, o Clube Militar Naval, a Sociedade de Geografia (através da sua secção de Ciências Militares), a Academia de Marinha, algumas associações de combatentes, etc.. Até a “SEDES”, organização da “sociedade civil”, com créditos firmados, está preocupada com a Segurança e Defesa, estando a preparar trabalhos para apresentar no aniversário da sua fundação, no final do ano. Lamentavelmente, a nível institucional militar não existe coesão na discussão sobre estes assuntos. 

Mas todos, estou em crer, estão a leste da verdadeira discussão (e fulcral decisão) que vale a pena fazer neste momento e que é crucial para o país: trata-se de saber se devemos ou não acabar, não já agora com o Serviço Militar Obrigatório, mas com a própria Instituição Militar! Tudo o resto é perder tempo a discutir o sexo dos anjos ou ambições pessoais de pequenos Bonapartes.

No estado actual do País e com a evolução do modo como a IM tem sido encarada nos últimos 40 anos é esta a questão que se deve colocar, para acabar de vez com o actual preconceito, desconsideração, falta de meios e agonia em que as FA foram postas.

Nada é eterno e há que assumir as coisas. Agora ter um aparelho militar abaixo do limiar da sobrevivência e incapaz de cumprir praticamente a totalidade das suas missões, com um mínimo de sustentabilidade e que, ainda assim, consome cerca de 1% do PIB, é que nos parece perfeitamente irracional e patético. É uma fraude para quem está ao serviço e um engano para toda a Nação. Importa, porém, entender como se chegou a este ponto.

Com a entrada em vigor da Lei 29/82, Lei da Defesa Nacional e das FA, na sequência da extinção do “Conselho da Revolução”, a IM entrou numa fase de “normalização” da vida política nacional, depois do período anárquico vivido após o Golpe de Estado ocorrido a 25/4/74, e cujo 50º aniversário se pretende agora (três anos antes) começar a comemorar, com foros de escândalo.

Ora a IM saiu do chamado “processo revolucionário”, muito mal consigo própria e com a Nação – e esta com aquela –, por uma extensa ordem de razões, que já abordei várias vezes e não vou agora repetir. As forças políticas que emergiram entretanto, e capturaram o Estado, também tinham uma quantidade de queixas e preconceitos (mais ou menos verdadeiros) contra as FA e os militares, em função do seu passado, ideologia e, ou, experiências vividas antes e durante o período revolucionário, cuja parte mais gravosa teve a ver com a impropriamente chamada “Descolonização”. E algumas nunca perdoaram às FA aquilo que infundadamente acusam, de terem sido esteio do Estado Novo.

Nunca se julgou ninguém (nem em termos civis, nem militares) mas o que se passou deixou marcas para todo o sempre. Na grande maioria dos políticos que emergiram e nas forças sociais que os apoiavam e na generalidade das “elites” nacionais, criou-se a convicção de que sem “império” ou “colónias”, melhor dizendo, sem territórios ultramarinos, deixaria de haver necessidade de “tropa”; tinha-se inaugurado uma época de “paz” em que éramos amigos de todos e ninguém nos queria mal (estávamos até, “orgulhosamente acompanhados”), sensação que aumentou desde que o “Muro de Berlim” caiu, em 1989, e com ele a Guerra-Fria, e os países europeus começaram a enviar os soldados para casa. ■

[conclui na próxima edição]