Chamem a polícia… que eu não pago!

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Nós temos em Portugal um problema fiscal. Na CEE existe o mesmo problema e no mundo também. E o problema é muito simples de identificar e muito complicado de resolver. Começamos pelo princípio. 

É óbvio que nós, humanos, somos todos diferentes. Também é óbvio que não podemos ganhar todos o mesmo, como também é óbvio que o esforço e o risco têm de ser compensados e estimulados, tal como a preguiça e a inércia tem de ser combatidas e não premiadas. Também é óbvio que todos temos de pagar pelo Estado, que é de todos e a todos tem de acudir, sem deixar ninguém de fora. É uma lei natural e nas leis naturais convém não mexer. 

Mas o que não é óbvio nem justo, é que os que ganham muito, consigam pagar muito pouco e os que ganham muito pouco conseguem, por vezes, não pagar nada. Porque, tanto uns como os outros precisam dum Estado eficaz e eficiente e o Estado precisa de meios para poder exercer as suas funções. E isto aplica-se a todos, ricos, pobres e remediados, que é a grande maioria em Portugal.

Das cinco milhões de famílias referenciadas, 50% não declaram rendimentos, ficando assim automaticamente isentas de IRS, os outros são os tais remediados, uma palavrinha tipicamente portuguesa de difícil tradução. Tentem traduzir para inglês e vejam no que dá. Dá vontade de rir. 

A receita do estado proveniente do IRS distribui-se da seguinte forma e na seguinte proporção (AT/MF, Pordata, dados de 2017): 71% da receita advém de rendimentos até aos € 19.000/ano; 23% da receita advém de rendimentos até aos € 50.000/ano; 4% da receita advém de rendimentos até aos € 100.000/ano; 0,86 % da receita dos € 100.000 para a frente.

Existem em Portugal, neste momento, sete escalões (rendimentos anuais até
€ 7.112, até € 10.732, até € 20.322, até
€ 25.075, até € 36.967, até € 80.882, e finalmente rendimentos anuais acima dos € 80.882) com taxas progressivas dos 14% aos 48%. Muitos escalões, pouco claros, e com uma grande disparidade de taxas.

O resultado é uma receita fiscal reduzida face ao PIB, bem como uma gigantesca economia paralela com milhares de pequenos e minúsculos empresários que, com a nossa ajuda e complacência, escapam aos impostos. A acrescer, temos os eternos ziguezagues fiscais, cozinhados a preço de ouro por verdadeiros artistas que conseguem pôr rendimentos e património a salvo de tudo e todos. Como se viu agora recentemente com o Comendador Berardo, que declarando um rendimento mensal de € 2.780, consegue pagar uma caução de cinco milhões e pedir empréstimos de 360 milhões ao banco do Estado. E tantos e tantos figurões do nosso Portugalito, que diariamente aparecem nos jornais e telejornais, a contas com processos milionários, mas que quando inquiridos acerca dos seus rendimentos, apresentam declarações tributárias que mal chegam para pagar o estacionamento das limousines, como aconteceu há vários anos com o empresário Manuel Damásio, ex-presidente do Benfica que, coitado, em termos fiscais, vivia quase no limiar da pobreza. Todos eles com patrimónios muito invejáveis, mas invariavelmente em nome dos jardineiros, motoristas ou das amantes, como foi o caso de Isaltino Morais.

Aqui é tudo normal. O juiz Carlos Alexandre, depois de ouvir o comendador Berardo, quis mantê-lo preso preventivamente, evitando assim perigo de fuga para a África do Sul, donde seria impossível extraditá-lo. Mas o MP entendeu ser essa medida demasiado extrema. Ou seja, o MP investigou, entregou o arguido ao juiz de instrução, mas quando confrontado com a decisão do mesmo, recuou. Não entendeu que seria uma medida de coacção exemplar. É mais um que vai para casa com a “pulseira”. Por este andar, as pulseiras esgotam-se e vamos começar a encontrá-las no chinês.