O Bloco vai a votos.
Num exercício de aparente democracia, Mariana Mortágua, previamente escolhida por quem verdadeiramente manda, será a próxima líder bloquista, sucedendo à actriz e empresária Catarina Martins. A amálgama de facções de esquerda que resultou da união, em 1999, do Partido Socialista Revolucionário (sim, um quarto de século depois da revolução de Abril ainda existiam partidos revolucionários), da Política XXI e da União Democrática Popular, sob o lema “juntos seremos mais fortes”, a terceira em 24 anos, o que muito diz sobre o conceito de alternância democrática e liberdade de expressão daquela força política.
Mariana não concorrerá, à partida, sozinha. Haverá, pelo menos, uma moção, subscrita por (ex)deputados e pelo, agora inócuo e quase redundante, Major Tomé, que pouco mais servirá do que um número circense no congresso, alertando para a radicalização do partido e pugnando por uma visão mais realista da política e da sociedade. Julgo que pouca ou nenhuma expressão terá e o destino dos subscritores será o mesmo de tantos outros dissidentes (à força) passados.
Ao perder Fernando Rosas, ainda que lírico, João Semedo e Miguel Portas (estes menos, mas ainda assim mais conscientes, moderados e quase democratas), o Bloco esvaziou-se de ideias, de ideais e de pensamento estratégico, entregando-se a causas pontuais que navega ao sabor das manchetes dos jornais e que hoje são ocupadas por um espectro mais radical do Partido Socialista. Ou seja, o Bloco perdeu identidade e espaço político, que dificilmente recuperará. É que, ao contrário do Partido Comunista (sim, também ele existe em pleno século XXI), o eleitorado do Bloco é mais jovem e urbano, pelo que procura a novidade e o sangue da luta, volatizando agora entre o Livre, o PAN e tantas outras derivas, chegando até a perder votos para o CHEGA. Se o PCP continua, apesar de tudo, um partido de causas, de ideias e valores, o Bloco é, há muito, um partido de protesto. Tão só e apenas! E esse eleitorado urbano, alternativo, mas, profundamente, subsídio-dependente, professa fidelidade a quem o alimenta a migalhas e não a quem pretensamente lhe quer matar a fome com promessas. A acrescer, o Bloco não controla qualquer sindicato que mova massas ou possa condicionar opções estratégicas. Até os militantes (assumidos ou escondidos no conforto do anonimato político) que tem nas redacções da generalidade da comunicação social foram obrigados a vergar-se perante a ditadura dos números, quando estes puseram em causa a sua própria sobrevivência, estando hoje condicionados aos ditames socialistas, que controlam o espaço noticioso em troca de receitas publicitárias, subsídios, acessos e credenciações que usam a seu bel-prazer…
Mariana Mortágua será mais eficaz na mensagem, mais contundente na oposição, mais informada e preparada no contraditório do que Catarina, pouco dada a tais palcos e cujo baço dos olhos claros há muito deixou de encantar. Ainda assim, será sempre um restauro, um “face lifting” e pouco mais. A mais velha das gémeas gozará do período de graça que gozam todos os líderes recém-eleitos, que se esboroará quando se perceber que a mensagem é a mesma, apenas com capa renovada…
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