Ministros a prazo

Um Ministro das Infraestruturas desautorizado em público pelo chefe do Governo. Uma Ministra da Saúde que o Presidente da República acusa de ter “enganado os portugueses”. Um Ministro da Administração Interna que sacode as culpas de um escândalo num serviço dependente de si. Uma Ministra da Justiça que acha normal ludibriar-se a União Europeia. E um Primeiro-Ministro que “mantém a confiança” em toda esta trupe. Eis o Portugal socialista de António Costa.

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Sempre que há tempestade, Costa tem a receita na ponta da língua: mantém invariavelmente “a confiança política” nos Ministros que, por uma razão ou por outra, deviam pagar com a demissão as burradas que fazem. O ar sério com que o diz só dá ainda mais vontade de rir. 

Os casos sucedem-se e é rara a semana em que não há um membro do Executivo socialista a meter a pata na poça. Nenhum deles tira consequências da asneira, nenhum se explica lealmente perante o País, nenhum apresenta desculpas, nenhum abandona o cadeirão quente e fofinho do poder. E António Costa, o chefe da banda, faz seguir a marcha. Nada tem importância, nada aconteceu, tudo está resolvido.

Atentemos só nas broncas mais recentes. Francisca Van Dunem, por exemplo. Até à hora de fecho desta edição continuava de pedra e cal no Ministério da Justiça, mesmo depois de ter sido publicamente desmascarada no infame caso da indigitação do magistrado José Guerra como representante de Portugal na Procuradoria da União Europeia, um órgão comunitário independente de combate à fraude e fiscalização do fluxo de verbas.

O caso remonta a Julho, mas só agora estalou na opinião pública ao saber-se que a Ministra da Justiça não só preterira uma candidata que o Conselho da União Europeia preferia (a procuradora Ana Carla Almeida) como enviara às instâncias europeias competentes um currículo de José Guerra que é, no mínimo, um exercício de imaginação, atribuindo-lhe cargos e funções que ele nunca teve.

Chamada à pedra pela imprensa, Francisca Van Dunem meteu os pés pelas mãos e acabou por ser formalmente convocada a prestar explicações na Assembleia da República. Esta edição fecha quando decorre ainda a audição parlamentar, mas na praça pública têm surgido pormenores escabrosos. Miguel Romão, o responsável oficial pelo envio do currículo de Guerra para Bruxelas, demitiu-se com estrondo, desmentindo a Ministra ao garantir que ela acompanhou todo o processo no Ministério (algo que ela negara antes). Rui Rio, líder do PSD, tirou a conclusão: “É absolutamente inequívoco que a Ministra da Justiça mentiu claramente”. A procuradora Ana Carla Almeida considera que a forma como decorreu o processo de selecção põe em causa o regular funcionamento do Estado de Direito. E um outro magistrado português preterido na indigitação (o juiz José Rodrigues da Cunha) pediu em tribunal a anulação de todo o processo.

Nas redes sociais, entretanto, correm denúncias várias. Uma delas indica que José Guerra é irmão de João Guerra (procurador do processo do socialista Paulo Pedroso no caso Casa Pia, a quem António Costa aconselhou a “falar” quando a detenção de Pedroso estava iminente) e também irmão de Carlos Guerra, “ex-presidente do Instituto de Conservação da Natureza que viabilizou o Freeport” ao tempo de José Sócrates na pasta do Ambiente. Segundo as mesmas denúncias, José Guerra, o procurador nomeado por Van Dunem para o cargo europeu, terá sido “subalterno de José Lopes da Mota no Eurojust”, Lopes da Mota este que se “demitiu na sequência de ter sido acusado e condenado a 30 dias de suspensão por pressionar magistrados no âmbito do mesmo processo Freeport” e que foi recentemente nomeado adjunto do gabinete da Ministra da Justiça.

Seja qual for a solidez ou operacionalidade desta alegada rede de influências, de todos os lados chovem críticas indignadas. No insuspeito jornal de esquerda ‘Público’, Manuel Carvalho escreveu em editorial: “O Governo cometeu um erro grave. Mas como esses erros serviram para o Governo impor ao Conselho o nome de José Guerra em detrimento de Ana Mendes de Almeida, a escolhida por um painel de especialistas independentes, os erros legitimam uma suspeita de manipulação”. 

O certo é que António Costa não se mostrava, até à hora de esta edição seguir para a rotativa, disposto a dispensar Van Dunem. Como há escassas semanas fugiu a dispensar Pedro Nuno Santos, o ‘boy’ que chegou a Ministro para se embrulhar na trapalhada da TAP e que o próprio Costa desautorizou em público. Como depois fingiu não ter ouvido o Presidente da República dizer em público que a Ministra da Saúde “enganou os portugueses” ao afirmar que haveria vacinas da gripe para todos. Como se recusou a demitir o Ministro Eduardo Cabrita, que 65% dos portugueses consideram (numa mega-sondagem realizada para o DN, JN e TSF) que não tem condições para se manter no cargo depois do trágico desmoronamento do SEF.

António Costa, que tem da política uma concepção meramente tacticista aprendida na juventude partidária e nos corredores e conspiratas do Largo do Rato, encara todos estes escândalos como meras contrariedades de percurso que é necessário contornar com habilidade. Ele sabe que a opinião pública portuguesa se esquece facilmente dos factos políticos, não apenas por ser pouco informada mas sobretudo porque se deixa endrominar facilmente por uma comunicação social seguidista, acomodatícia e entregue ao entretenimento. Costa confia, por isso, que qualquer “caso” pode ser esquecido ao cabo de duas semanas, sob condição de a imprensa deixar de mencioná-lo – algo que ele facilmente consegue…

Tudo isto serve às mil maravilhas o seu ‘timing’: uma demissão, neste momento, seria incómoda para a campanha do aliado Marcelo Rebelo de Sousa e poderia mesmo precipitar uma remodelação governamental (e, num cenário extremo, a queda do Governo), pelo que é de evitar a todo o custo. Costa precisa de um Parlamento a funcionar sem crises para fazer aprovar, até ao Verão, uma “reforma administrativa” do país que vai “reorganizar” os concelhos e freguesias e lhe facilitará (espera ele) uma vitória nas eleições autárquicas de Outubro. Até lá, evitará fazer ondas: remodelações, só depois.

Por isso mantém artificialmente nos cargos vários Ministros que ultrapassaram há muito o seu prazo de validade. Mas apetece dizer, como no PREC: “está na hora / de ir embora!”. Ou melhor ainda: “a luta continua / ministros para a rua!”… ■