O dia em que o país parou

No dia 4 de Dezembro de 1980, despenhou-se em Camarate o Cessna que vitimou Francisco Sá Carneiro, a Aliança Democrática e a esperança de muitos portugueses na consolidação de uma democracia plena.

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A 4 de Dezembro de 1980, Francisco Sá Carneiro, primeiro-ministro, Adelino Amaro da Costa, ministro da Defesa, e restante comitiva (António Patrício Gouveia, chefe de gabinete, Snu Abecassis, Manuela Amaro da Costa e os pilotos Jorge Albuquerque e Alfredo de Sousa) morreram na queda do avião Cessna ao partirem de Lisboa para o Porto. Viajavam com o fim de marcarem presença num comício de apoio a António Soares Carneiro, candidato a Presidente da República pela Aliança Democrática (AD).

Este trágico evento mudou o curso da nossa história ao nível político e social. A comoção varreu o país e as consequências persistem até aos nossos dias. A campanha presidencial acabou nessa noite. Não foi só o Cessna que se despenhou causando vítimas: a queda representou também o fim do projecto da AD como tinha sido inicialmente concebido e a esperança de muitos portugueses na consolidação de uma democracia plena.

Choque

Muitos portugueses são capazes de dizer onde estavam quando o jornalista Raul Durão anunciou na RTP, pouco passava das 21h, a queda de um avião, nas cercanias do aeroporto da Portela. O choque percorreu a nação.

Na semana seguinte, o País assistiu a uma torrente de homenagens de Norte a Sul. Na Assembleia da República decorreu uma sessão de homenagem a Sá Carneiro e Amaro da Costa que contou com duas intervenções dos deputados Veiga de Oliveira, do Partido Comunista, e de Mário Tomé, da UDP, que inflamaram os ânimos.

Os funerais foram filmados em directo, numa longa transmissão televisiva.

Das inúmeras missas realizadas pelas almas das vítimas, destacaram-se as cerimónias na Basílica da Estrela, na Sé de Lisboa e na do Porto, aonde acorreram milhares de pessoas. O jazigo da família Ulrich, no cemitério do Alto de São João, em Lisboa, onde repousaram os restos mortais de Sá Carneiro e Snu Abecassis, tornou-se lugar de romaria e destino de coroas de flores de todo o País. A sede do PSD em Loures, concelho onde ocorreu o acidente, foi o primeiro local onde se descerrou uma lápide de homenagem a Sá Carneiro. Seguir-se-iam muitos outros.

A tragédia fez as manchetes dos jornais ao longo de semanas. O matutino ‘O Dia’, de centro-direita, iniciou a primeira subscrição com vista à recolha de fundos para um monumento de homenagem. Ao Norte, os deputados portuenses do PSD e a Comissão Política distrital do Partido avançaram para uma iniciativa idêntica. De fora, chegaram condolências de muitos países e governantes. 

Mas também houve quem festejasse: na cidade de Almada lançaram-se foguetes, acção que acabou em forte polémica e duras críticas.

Um mês depois, as peregrinações ao cemitério do Alto de São João ainda persistiam. O jazigo continuava cravado de coroas de flores, fotografias, bandeiras e velas. Na Igreja de São Vicente de Fora, em Lisboa, o Governo mandou celebrar uma missa e milhares acorreram a prestar homenagem.  Por iniciativa do CDS, organizou-se uma romaria ao cemitério de São Martinho das Amoreiras, em Odemira, onde repousaram os restos mortais de Adelino Amaro da Costa e da sua mulher, Manuela, tenho comparecido muitos militantes e populares.

Acidente ou atentado?

O jornal O DIABO foi o primeiro a defender a hipótese de atentado. Vera Lagoa escrevia na edição de 10 de Dezembro, seis dias depois do acidente e da vitória de Ramalho Eanes nas eleições presidenciais, e expressava a tristeza e revolta de muitos portugueses. “Como começar a contar a minha profunda mágoa pelo ‘desastre’ (que me recuso aceitar como tal), a minha profunda mágoa pela vitória da mediocridade, da mentira, da hipocrisia e da traição? Para eles, muito bem. Para nós, portugueses, humilhados, ludibriados, ofendidos, traídos, muito mal. Mas derrotados? Nunca! (…) Voltámos a 1975 (…) Os portugueses que votaram Eanes daqui a pouco tempo verão o que fizeram. Recearam a guerra civil? Com Soares Carneiro, homem duma só cara, não a teriam”.

Inicialmente, a queda da aeronave foi atribuída a acidente. Após várias comissões parlamentares de inquérito e uns anos depois, ganhou força a tese de atentado. Os suspeitos da alegada sabotagem da aeronave nunca foram incriminados.

Alexandre Patrício Gouveia, irmão de uma das vítimas, António Patrício Gouveia, chefe de gabinete do primeiro-ministro, nunca deixou morrer o assunto. Este ano publicou o livro “Os Mandantes do Atentado de Camarate – O Envolvimento Americano”, em que se insurge contra a manipulação informativa em torno da tragédia e denuncia a transformação oficial de um atentado em acidente. No seu livro, Patrício Gouveia defende ainda a tese de que os autores do atentado foram cinco elementos ligados à administração Reagan, devido aos obstáculos criados em Lisboa ao comércio ilegal de armas a nível mundial.

O alvo principal do atentado seria o ministro da Defesa, Adelino Amaro da Costa, mas Patrício Gouveia sustenta que o primeiro-ministro Francisco Sá Carneiro também seria um obstáculo para os EUA, ao dificultar a passagem do tráfico de armas para o Irão, e que os grandes mentores teriam sido Frank Carlucci, secretário da Defesa e ex-embaixador dos EUA em Portugal, e Henry Kissinger, o ex-secretário de Estado norte-americano.

No livro, Patrício Gouveia também aponta o dedo a Francisco Pinto Balsemão, acusando-o de ser o principal responsável político pelo desfecho da investigação ao caso de Camarate. ■