O crime do ministro Pedro Nuno Santos não é certamente a sua sociedade na empresa do pai, mas a sua passagem pelo ministério das Infra-Estruturas, porque tomou decisões que empobrecem o país e impedirão no futuro o seu desenvolvimento económico, o que acontece pelo menos em três dossiers diferentes.
TAP-Transportes Aéreos Portugueses – A empresa depois de privatizada pelo governo do PSD teve um progresso notável: valorização do “hub” de Lisboa, maior número de aviões e de passageiros, novas rotas, nomeadamente com os Estados Unidos e o Brasil, além de uma notável paz social. A empresa, como praticamente todas as companhias aéreas, entrou em crise com a pandemia, crise que poderia ter sido resolvida com o apoio financeiro do Estado e da União Europeia durante algum tempo, como aconteceu em praticamente todos os países europeus. Todavia, o ministro, sem olhar à dívida da empresa e sem fazer contas em relação ao futuro, pagou uns milhões de euros ao principal accionista e procedeu à sua nacionalização, sem cuidar de que e Estado português nunca soube gerir empresas, além de assumir imponderadamente a dívida que já não era pequena e que continuou a crescer, aceitando ainda injectar na empresa mais de três mil milhões de euros.
O racional da decisão seria a salvação da empresa, tendo subjacente a defesa do interesse nacional, através da superioridade ideológica da gestão pública e da defesa do país por essa via. Ora passados apenas dois anos, o ministro considera agora ser necessária a privatização e o primeiro-ministro já aceitou publicamente a probabilidade de o Governo não recuperar, nesse novo processo, o dinheiro investido na TAP. Com a nota de que não acredito que quaisquer compradores aceitem a empresa com o passivo existente, prejuízo a adicionar às ajudas do Estado já investidas. Mais grave ainda, o ministro, por representar Portugal, não pode usar no futuro os meios habituais de reorganização financeira com os credores, o que seria possível com uma empresa privada, através de acordos de falência ou outros. Em resumo, Portugal eliminou a responsabilidade de uma entidade privada na TAP, assumiu em nome do Estado os prejuízos, para agora voltar a entregar a empresa a uma outra entidade privada, tudo pago pelos portugueses. Se isto não é um crime irresponsável, não sei o que seja.
Ferrovia – O ministro está a consolidar Portugal como uma ilha ferroviária, recusando a interoperabilidade decidida pela União Europeia e a possibilidade de comboios com origem em Portugal poderem sair para além de algumas regiões da Espanha e isso apenas até ao momento em que aquele país proceda à desactivação de percursos de bitola ibérica ainda existentes, o que já está a acontecer. Ou seja, contrariando as directivas comunitárias, o ministro decidiu manter o transporte internacional de mercadorias por via rodoviária, com os inevitáveis custos ambientais, energéticos e de atravessamento de regiões e de países, em percursos que passarão a ser fortemente taxados. Aqui o crime é também óbvio, porque impede a liberdade de escolha dos empresários portugueses no uso dos meios de transporte mais favoráveis, seja em custo, fiabilidade, conveniência logística ou de realização de acordos de transporte com os clientes de outros países. Não esquecendo que o transporte de mercadorias em camiões colocados em plataformas ferroviárias será o futuro na Europa, por ser a melhor e mais eficaz tecnologia para o transporte de mercadorias, a mais rápida, a mais económica, a mais fiável e aquela que permite melhor serviço aos clientes internacionais, com menor custo ambiental e menor esforço dos trabalhadores.
No meio de tudo isto, o ministro e os seus ajudantes insistem na mentira de que nada impede o uso de comboios com os rodados em bitola ibérica de viajarem pela Europa. Só que, infelizmente, há já vários anos que o ministro e os seus ajudantes insistem em não explicar como isso se faz, naquilo a que pessoalmente chamo o segredo mais bem guardado do π. Até, porque mesmo que isso fosse possível, e não o é em condições competitivas, os empresários portugueses e estrangeiros ficavam dependentes de um monopólio nacional, fatalmente mais caro, além de que nenhuma empresa internacional investirá num sistema ferroviário especial, não normalizado e mais caro, apenas para servir uma pequena economia localizada no extremo da Europa. Para qualquer cidadão europeu essa liberalidade atribuída à ferrovia portuguesa não é compreensível e não é possível de entender que o possa ser para os portugueses ou, já agora, para a União Europeia. Para mim é apenas um crime.
Aeroporto de Lisboa – Infelizmente, uma qualidade geral dos governantes portugueses é tornar complicado o que é simples. O caso do aeroporto de Lisboa demonstra-o, na medida em que conviver durante anos com um problema torna-o quase impossível de resolver. A forma simples seria a de começar do princípio e por decidir até quando o aeroporto da Portela é viável e planear um novo aeroporto, ou um aeroporto complementar, se necessário, com base nessa decisão, que incluirá naturalmente a possibilidade de alargar o estacionamento dos aviões à zona militar de Figo Maduro e a de prolongar a actual “taxi-way” de acesso ao final da pista principal a Norte, reduzindo o barulho dos aviões sobre a cidade. Seguidamente, é decidir se o futuro da economia portuguesa reside no turismo ou na industrialização, porque apenas na primeira hipótese a questão do aeroporto poderá ser considerada urgente. Depois é deixar que os técnicos possam rapidamente escolher as vantagens de cada potencial localização do ponto de visa aeronáutico e ambiental, para o Governo poder escolher a melhor localização do ponto de vista da economia portuguesa – passageiros e carga – e, naturalmente, do ponto de vista do custo benefício das infra-estruturas necessárias em cada caso, além também da previsível localização dos potenciais passageiros e da carga que pretendam aceder ao aeroporto, sem esquecer que o aeroporto de Lisboa é usado por todos os portugueses, de Norte a Sul do País. Além de decidir, repito, se um novo aeroporto é mesmo necessário e quando.
A solução preconizada recentemente por Pedro Nuno Santos, e que fez correr muita tinta, não é para levar a sério, foi naturalmente cozinhada num fim-de-semana de debate da esquerda do PS à revelia das outras tendências que, também naturalmente, não gostaram da iniciativa. Penso ainda que não seria a forma ideal de planear um aeroporto que sirva no futuro os portugueses e a economia portuguesa. Sendo que a razão porque há muito defendo, sem qualquer estudo, a localização a Norte do Tejo, é porque ficaria mais próximo da economia e dos empresários exportadores, que estão principalmente no Centro e no Norte e porque as infra-estruturas necessárias seriam menores e mais baratas. Claro que esta não é forma de, repito, só por si, escolher a localização de um aeroporto, mas já que Pedro Nuno Santos o fez, não vejo razão para não fazer o mesmo. Pelo menos explico as razões, o que já não é pouco.
Uma nota final para dizer que neste caso o crime não é apenas de Pedro Nuno Santos, porque envolve muito mais gente. ■