Centeno alertou para os efeitos que o aumento dos preços pode ter nos salários e a sua interligação, querendo evitar “espirais” de subidas mútuas. Ou seja, o aumento dos salários, com destaque para o Salário Mínimo Nacional, implicará uma tendência para a subida do custo dos produtos e gera inflação.
“A preocupação é genérica, e tem a ver precisamente com esta preocupação sobre a dinâmica nos preços e aquilo que nós sabemos, já há muito tempo, de qual é o impacto dos preços no bem-estar dos agentes económicos, em particular quando esses preços sobem de forma muito marcada”, disse na apresentação do Boletim Económico de Dezembro.
O governador considerou que “espirais em que os preços são alimentados por aumentos salariais, que por sua vez retroalimentam-se uns aos outros, não são desejáveis e devem ser, obviamente, evitados”. Quanto a riscos de a inflação vir a ser superior ao estimado, Mário Centeno reconheceu que “ele existe, por isso é que o balanço dos riscos para a área do Euro, na inflação que está identificada, é um risco em alta”.
O governador do BdP disse que à escala europeia continuam a existir riscos idênticos aos identificados para Portugal, “que têm a ver com o risco de transmissão dos custos de produção aos preços finais”.
Preocupação com salários
“Um banco central não pode, nunca, deixar de estar preocupado, com efeitos de segunda ordem sobre os salários”, disse também. Anteriormente, Mário Centeno já tinha considerado “evidente que os salários são sempre uma fonte de preocupação no sentido da dinâmica que podem incutir aos preços”.
“Nós não vemos essa dinâmica, neste momento, acontecer nem na área do Euro nem em Portugal”, afirmou, mas reforçou que devem ser sinalizadas “as possíveis fontes de possíveis pressões que se possam colocar”.
“Seguramente, aquilo que é a evolução e a dinâmica incutida ao salário mínimo pode ter esse efeito negativo no indicador da inflação, e é isso que sinalizamos”, afirmou o governador do BdP, remetendo para o Boletim Económico. No texto, o BdP assinala que “eventuais aumentos do salário mínimo em 2023-24 constituem também um risco em alta para a inflação”.
Correcções rápidas
O governador do Banco de Portugal defende que as Administrações Públicas têm “dois a três anos” para corrigir o esforço feito durante a pandemia de Covid-19 em termos de dívida e despesa. Um alerta que esbarra com o facto de a pandemia estar hoje mais na ordem do dia do que nunca. Muitos países estão a apresentar programas de contenção do Covid que implicam aumento dos gastos e perdas de receita fiscal.
Para Centeno “há uma transição face àquilo que foi o esforço das Administrações Públicas (AP) no período pandémico, em termos de dívida e de despesa que, na nossa opinião, tem dois a três anos para ser concretizada”.
O governador considerou que isto implica “o retomar de uma trajectória de endividamento sustentável”, descendo para níveis de 2019 em 2024, referindo que essa redução da dívida pública é uma “condição quase ‘sine qua non’ para que a dívida pública portuguesa permaneça sustentável”.
“Para que isto aconteça, envolve uma redução do peso da despesa permanente no Produto Interno Bruto (PIB) face àquilo que foi a necessidade de dar resposta, pelas Administrações Públicas, durante o período pandémico”, em que houve uma redução do produto e um aumento da despesa permanente, segundo Centeno. “Temos um período de dois, três anos para fazer esta correcção” alerta o governador do BdP.
Mário Centeno também referiu a necessidade de “retomar a redução da carga fiscal estrutural, que entre 2015 e 2020, de acordo com os resultados do Banco de Portugal, ter-se-á reduzido 1,2 pontos percentuais”. “Esta trajectória deve ser retomada nos próximos anos”, assinalou.
Centeno quis deixar claro que o aumento da despesa em relação ao PIB verificou-se “em grande medida” devido à quebra do produto.
“Quando nós olhamos para estes indicadores numa perspectiva plurianual, devemos entender que à medida que a economia recupera, estes indicadores devem também, eles próprios, corrigir”, sustentou.
“Seria, a meu ver, errado, que fizéssemos crescer esta despesa, agora que o PIB está a recuperar. Precisamente porque não a fizemos cair, e bem, quando o PIB caiu”, explicou.
Apoio ao BCE
O governador do Banco de Portugal considerou ainda que a decisão tomada pelo Banco Central Europeu (BCE) de acabar com o programa pandémico de compra de activos e reforço do normal “foi bem tomada”.
“Foi uma larga maioria, mesmo muito larga. E a decisão foi tomada, e foi bem tomada”, disse Mário Centeno.
A compra de obrigações por parte do BCE ajudou os Estados que viram a sua economia quase que implodir durante a primeira fase da pandemia.
Numa descrição das medidas anunciadas, Centeno observou que a previsão da inflação estará, “no final do horizonte de projecção, ou seja, no médio prazo, compatível com o objectivo que foi inscrito em Julho deste ano”, altura em que foi aprovada a revisão da estratégia de política monetária, que coloca os objectivos de inflação na zona euro nos 2%.
“Pela primeira vez em muitos anos isto acontece, ou seja, são de novo boas notícias para a condução da política monetária, porque se tratou na última década de fazer um esforço para que a ancoragem da inflação ao objectivo do BCE fosse uma realidade, e isso não era conseguido”, salientou.
O governador do BdP, que participou no Conselho de Governadores do BCE, considera que estas são “boas notícias para a política monetária e para a área do Euro, pelo menos da forma como o BCE vê o seu mandato”.
O BCE anunciou que vai terminar a compra de activos ao abrigo do Programa de Compras de Emergência Pandémica (PEPP) em Março de 2022, mas reforçará o programa normal e “vai descontinuar as compras de activos ao abrigo do PEPP no final de Março de 2022”, pode ler-se num comunicado agora divulgado.
O documento publica as decisões de política monetária do Conselho de Governadores, que também indicam que haverá um reforço das compras ao abrigo do Programa de Compra de Activos normal (APP).
“Em linha com a redução gradual na compra de activos e para assegurar que a política monetária permanece consistente com a estabilização da inflação no seu objectivo no médio prazo, o Conselho de Governadores decidiu num ritmo de compras mensal de 40 mil milhões de euros no segundo trimestre e 30 mil milhões de euros no terceiro trimestre”, pode ler-se no texto.
O BCE informou ainda que a partir de Outubro de 2022 irá “manter as compras de activos ao abrigo do APP a um ritmo mensal de 20 mil milhões, enquanto for necessário para reforçar o impacto acomodatício das suas políticas de taxas de juro”.
Finanças satisfeitas
Por seu turno, o ministro das Finanças, João Leão, considerou que as previsões macroeconómicas do Banco de Portugal, mais optimistas que as do Governo para 2022, confirmam que a actual situação política não coloca em causa a confiança das instituições.
“Estas previsões, tal como tenho referido, confirmam que a actual situação política de eleições antecipadas não colocou nem coloca em causa a confiança das diversas instituições no desempenho da economia portuguesa”, disse João Leão.
“Mais uma vez verifica-se que as estimativas mais recentes, tanto nacionais como internacionais, superam as previsões oficiais do Governo”, salientou o ministro de Estado e das Finanças.
Para João Leão, “o país tem feito um caminho sólido e sustentado e assim continuará a ser”. E os dados do BdP agora conhecidos “apenas vêm reforçar a nossa confiança no futuro”, acrescentou. ■