Para além da peixeirada: Henrique Neto põe o dedo nas feridas

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Muito do nosso futuro vai depender do resultado das eleições que se vão realizar em breve. Todavia, apesar dos frente a frente já realizados entre os líderes partidários, muitos portugueses não terão ainda uma ideia clara do que está em causa, sendo que os comentadores de serviço apenas acrescentam mais confusão à confusão geral. De uma forma simplista, digamos que estão em jogo dois modelos contraditórios de economia para Portugal, que condicionam dois modelos diferentes de sociedade. Do lado dos partidos da esquerda teremos cada vez mais Estado a governar a economia e menos liberdade de iniciativa das empresas e das instituições da sociedade, mais impostos, menos esforço organizativo, certamente mais dívida, alguma preferência pelo mercado interno e menos talento para aumentar as exportações. Contrariamente, se o centro direita vencer as eleições, teremos maior liberdade de iniciativa económica das empresas e dos cidadãos, menos impostos, menos dívida e mais reformas destinadas a organizar e a profissionalizar o Estado e a fazer crescer a economia. 

Nem todas estas diferenças ficaram claras durante os frente a frente realizados, nem as insuficiências e os erros da governação do PS durante os últimos seis anos foram suficientemente avaliados. Vejamos, pois, alguns desses erros e insuficiências:

1. Economia

A nacionalização da TAP, a fórmula usada na venda do Novo Banco e do Banif, a recusa de correcção do custo das parcerias público/privadas, a redução das horas de trabalho da função pública e o hábito do governo de lançar dinheiro sobre os problemas sem melhorar a sua organização, como acontece na Saúde, foram decisões que aumentaram enormemente a despesa do Estado a ser paga pelos contribuintes em impostos elevados. Certamente alguns desses impostos foram herdados do PSD, mas usados então para resolver a situação de bancarrota e de desconfiança dos credores, bancarrota provocada pelo PS de José Sócrates. Durante os últimos seis anos foi ainda muito baixa a preocupação do PS com o crescimento económico e fraco o desejo de vencer a estagnação dos últimos vinte anos. Pelo contrário, foram criadas maiores dificuldades às empresas, como o aumento do custo da energia e de outras despesas de contexto inventadas pelo Estado, a lentidão da Justiça, a burocracia e a corrupção. Mas a questão central é a ausência de crescimento e de competitividade da economia portuguesa no seu conjunto, que o Governo do PS nunca compreendeu ou avaliou. Trata-se de um problema que resulta da forte dualidade existente na economia, em que a metade mais pobre, por força da baixa qualificação dos recursos humanos e do excesso de muitas pequenas empresas limitadas ao mercado interno – noventa por cento das empresas nacionais – de muito baixa produtividade e que condicionam o necessário crescimento das exportações. Empresas que apesar de terem um efeito positivo no emprego, são em grande parte um peso morto no conjunto da economia. São iniciativas que se arrastam nas margens da sobrevivência, sendo as principais vítimas do aumento do salário mínimo, para mais sem a existência de verdadeiras políticas de formação dos trabalhadores.

2. Educação

A falta de exigência e o laxismo da governação do PS e a prioridade dada ao ensino universitário, foi a forma escolhida pelo PS de construir o sistema educativo começando pelo telhado, quando a principal condicionante da educação em Portugal reside na existência de milhões de famílias pobres e ignorantes, o que faz com que metade das crianças que chegam ao ensino oficial, aos seis e sete anos, revelem grandes carências formativas relativamente aos filhos das famílias das classes média e média alta. Essa é a razão porque há muitos anos preconizo um programa de qualificação das creches e das instituições de ensino pré-escolar, desde as instalações à qualidade da formação dos educadores, da alimentação à criação de um sistema de transporte escolar semelhante ao existente nos Estados Unidos. Esta é a solução para realizar numa geração o que a governação do PS faz aos poucos, o que levará quatro ou cinco gerações a conseguir, com efeitos demolidores no nosso processo de desenvolvimento relativamente aos outros países da União Europeia. Durante os debates, António Costa justificou o facto dos países da antiga “Cortina de Ferro” nos passarem à frente devido à existência de melhores níveis educativos, o que é verdade, mas António Costa não retira desse facto as necessárias consequências, nem actua em consonância, continuando a privilegiar o financiamento do ensino universitário. Por exemplo, é mais caro para uma família portuguesa ter um filho no pré-escolar do que o custo das propinas na universidade.

3.

Indústria

O crescimento do sector industrial, se composto de médias e de grandes empresas, representa um importante empurrão que ajudará a resolver, no curto prazo e simultaneamente, a ausência de recursos humanos qualificados, a falta de crescimento da economia e a insuficiência das exportações, fazendo-o através da redução da dualidade da economia e contribuindo para o aumento dos salários. Porque a indústria moderna, apesar de precisar de recursos humanos altamente qualificados, emprega também em tarefas repetitivas uma maioria de trabalhadores menos qualificados, cuja formação é feita em grande parte no local de trabalho. É essa a contribuição das nossas melhores empresas, como, por exemplo, a AutoEuropa.

4.

Exportações

Apesar do crescimento das exportações ser muito insuficiente em relação a todos os outros países europeus da nossa dimensão, que exportam muito mais – a Irlanda mais do dobro – foi esse crescimento que permitiu ultrapassar ao longo dos últimos vinte anos o histórico desequilíbrio das nossas contas externas, o que demonstra principalmente a qualidade da nossa indústria da melhor metade da economia, melhorando o valor daquilo que exportamos. O sector automóvel, veículos e componentes, como a metalomecânica, têm nessa melhoria um papel importante. Acresce, que é na indústria que a tão promovida digitalização tem maior probabilidade de fazer a diferença no crescimento da produtividade. Finalmente, o facto do governo do PS ter vindo a dar prioridade ao mercado interno e ao consumo, foi um erro grave, mas que é parte do facilitismo dominante, por ser a via mais fácil de provocar algum crescimento. Facilitismo sempre presente na cultura socialista.

5.

Justiça e corrupção

O combate à corrupção representa um desígnio central da boa governação e uma necessidade democrática, que os governos do PS se recusaram a assumir. De facto, passaram a aceitar a corrupção pela inacção e pela acção, por via do clientelismo dominante, das nomeações por influência política e sem critérios de qualidade, de competência e de honestidade. Penso que as propostas de Rui Rio para a Justiça, independentemente da sua validade, não são a questão principal no curto prazo, antes devem ser reforçados os meios de acelerar o fim dos processos. O principal problema da Justiça, no curto prazo, resulta da tentativa de atrasar os processos, principalmente através das alterações feitas pelo PS na Procuradoria-Geral da República, no Tribunal de Contas e das nomeações feitas na Polícia Judiciária. Como no comportamento muito estranho do Ministério da Justiça e na falta de recursos técnicos especializados. Acresce que a manutenção do Juiz Ivo Rosa nas presentes funções representa um escândalo, que só pode ser entendido como uma aceitação da corrupção e da criminalidade em geral.

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Em resumo, os frente a frente realizados como parte da campanha eleitoral, apesar de alguns bons resultados por força da qualidade de algumas intervenções de denúncia dos interesses ilegítimos estabelecidos, não levou em conta as questões que resumi. Infelizmente, na política portuguesa ainda não conseguimos fazer as escolhas políticas e económicas certas e ajustadas à nossa realidade e ao nosso tempo, seja por inexperiência nas áreas da gestão, seja pelos interesses impróprios criados, seja por ausência de método nas escolhas feitas e na hierarquização dos problemas. Reconheço, contudo, que em tudo isto, Rui Rio, por força do seu percurso formativo, profissional e político, leva uma grande vantagem ao advogado António Costa na solução dos graves problemas nacionais. ■