As mais altas instâncias do Estado português, desde o Presidente da República, o Presidente da Assembleia da República, Augusto Santos Silva e o primeiro-ministro, abriram um precedente histórico relativamente às cerimónias solenes comemorativas do 25 de Abril em Portugal. O ministro dos Negócios Estrangeiros, João Cravinho, como veremos mais adiante, antecipou-se às três figuras de Estado, gerando um incidente diplomático.
Nunca em praticamente meio século de democracia um chefe de estado estrangeiro tinha sido convidado para participar, assistir ou discursar num evento com um simbolismo particular para o povo português, ainda para mais num ano em que o número de anos que vivemos em democracia (1974-2023) supera o número de anos em que estivemos subjugados à ditadura (1926-1974).
Se é verdade que num momento inicial estaria prevista uma intervenção do Presidente do Brasil, não é menos verdade que o seu discurso na sessão solene teve de ser desmarcado devido a um erro diplomático grave do ministro dos Negócios Estrangeiros, que em Brasília teria confirmado a presença de Lula na sessão principal.
Deste modo as instâncias estatais optaram por dividir as cerimónias em dois momentos distintos: a recepção a Lula numa visita de estado, prevista para as 10h, e a sessão solene comemorativa do aniversário do 25 de Abril, às 11h30. O embaraço diplomático não se fica por aqui, sabendo os nossos responsáveis políticos que Lula da Silva não é propriamente a figura mais consensual e popular que poderíamos receber.
Há várias razões pelas quais a vinda de Lula da Silva não enobrece uma data tão relevante para o imaginário colectivo dos portugueses. Desde logo o seu histórico jurídico-criminal, o financiamento a ditaduras sul-americanas, como Cuba e Venezuela, e, finalmente, a ambiguidade revelada face ao conflito da Rússia na Ucrânia, assim como a crescente impopularidade no seu próprio país, bem espelhado no resultado pífio alcançado nas eleições presidenciais brasileiras.
A harmonia e o clima de paz social não se compadecem com a vinda de um ex-presidiário que, contrariamente à retórica dos “media mainstream”, não foi absolvido pela justiça brasileira pelos crimes de corrupção e branqueamento de capitais. A questão colocou-se sobre o facto da “vara de Curitiba” não possuir competências para julgar os casos da “Lava Jacto”, os casos do Guarajá e do sítio de Atibaia, que acabaram por ser anuladas pelo Supremo Tribunal Federal (STF), restabelecendo todos os direitos políticos de Lula da Silva, inclusive a possibilidade de se candidatar às eleições presidenciais brasileiras de 2022.
Desde que tomou posse o seu posicionamento no âmbito da política externa tem-se pautado pelos constantes ataques ao Ocidente e ao Norte Global assim como à actuação dos EUA, da NATO e da União Europeia, num revisionismo histórico que só encontra equivalência no marxismo ortodoxo e nas experiências de “socialismo avançado” que alguns países sul-americanos procuraram sem sucesso alcançar. Por outro lado, não deixa de ser curioso que os países do Sul Global, nos quais se inclui o Brasil, que criticavam veementemente as práticas colonialistas e imperialistas das grandes potências Ocidentais do passado, demonstrem agora tanta compaixão perante uma forma de neocolonialismo que a Rússia exerce na Ucrânia, amputando-lhe de forma ilegal parte significativa do território.
Para aqueles que pudessem estar menos esclarecidos relativamente ao posicionamento dúbio do Brasil em matéria de relações externas com outras potências (sejam estas de carácter global ou regional), tudo se vai tornando mais claro à medida que Lula descreve o seu entendimento da guerra, insinuando que os EUA e a União Europeia teriam propiciado o início do conflito ou que a decisão da guerra teria sido tomada por dois países, ignorando o facto da existência de uma potência regional invasora (Rússia) face ao seu vizinho territorial agredido e invadido (Ucrânia) que resiste há 14 meses no campo de batalha perante a violação da sua integridade territorial.
A partir do momento em que recebemos um aliado de Putin, no mesmo local em que ouvimos Zelensky dirigir-se ao Parlamento português, também Portugal e as suas instituições se tornam legitimadoras da falácia da falsa paz de Lula, que não é mais do que a continuação da guerra por outros meios e a tentativa de subversão política da actual ordem internacional que envolva necessariamente o enfraquecimento dos EUA e a formação de uma nova ordem mundial liderada pela China e Rússia, com o apoio do Brasil, Índia e África do Sul.
Na Juventude Popular nunca hesitámos relativamente à solidariedade para com o povo ucraniano e as vítimas de um conflito que nunca o desejaram. Sempre fomos claros em estar do lado das democracias liberais, condenando qualquer forma de agressão e invasão, respeitando as directrizes do direito internacional e do Tribunal Penal Internacional (declarando Putin como um criminoso de guerra e um respectivo mandato de detenção internacional), da autodeterminação dos povos e do normal funcionamento das instituições.
Não compactuamos com a instrumentalização de uma data tão importante para os portugueses aceitando que as “vozes do poder belicista de Moscovo” tenham lugar na casa da democracia. ■