Pedro Nuno Santos não vergará enquanto não retirar a TAP do Porto

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A intervencionada e sempre deficitária TAP anunciou, no início deste mês, a retirada de sete rotas do aeroporto do Porto, o que representa um decréscimo da oferta de 705 mil lugares. Todos sabemos que os avultados prejuízos da companhia aérea se deviam a tais rotas, pelo que o futuro só pode ser risonho a partir de agora, não subsistindo dúvidas quanto à recuperação económica do gigante adormecido. Foi necessário trazermos uma CEO francesa e gastarmos fortunas em pareceres e estudos, mas, “hélas”, foi descoberto o “buraco”. O superavit da companhia aérea será uma indubitabilidade tão certa como o Natal em Dezembro. 

Claro está que isto coloca em causa todo aquele conjunto de energúmenos que preside às restantes companhias aéreas que aposta, cada vez, no reforço de rotas naquele aeroporto. E, pasme-se, alguns deles até nas rotas que a TAP deixou de operar… Gente estúpida esta, com o gravame de se tratarem de companhias privadas que visam o lucro em detrimento do serviço público e têm que dar meças a accionistas ávidos de dinheiro. Não se compreende o desplante e, estamos certos, que pagarão bem cara a ousadia, que só se compreende porque começaram agora a operar na Invicta, não percebendo bem o mercado. A acrescer, são, na sua maioria, companhias recentes, sem histórico na aviação comercial, pelo que o desastre é inevitável e anunciado. Aposto que o Pedro Nuno Santos está a esfregar as mãos de contente ao ver a iminência da desgraça…

Remoques e cinismo à parte, nem eu acredito que o Governo seja assim tão incapaz. Dou-lhes sempre o benefício da dúvida, claro está, tantas as vezes que nos surpreenderam, mas o que é demais é moléstia… Não sendo incompetência pura, a decisão terá que se escorar num qualquer outro motivo, esconso e anterior. Vamos lá então desenterrar cadáveres…

Desde o final dos anos noventa, com Guterres a assumir as rédeas governativas pré-pântano, que se fala na necessidade de construir um novo aeroporto para Lisboa (o “para”, em vez do “em”, é propositado e já lá irei!). Ensinou-me a experiência que as conclusões dos estudos e pareceres são formatadas à medida do Euro, ou seja, para chegarmos às que mais nos satisfazem apenas temos que gastar mais Euros. E, naqueles pagos a peso de ouro, a “NAER” lá apresentou um relatório, em 1999, em que defendia com unhas e dentes a necessidade de construção de novo aeroporto que servisse a capital, asseverando que a Portela esgotaria a sua capacidade em 2005. A coisa estava iminente, portanto, daí que os socialistas tenham tentado andar com o processo antes que os aviões se vissem obrigados a aterrar no Marquês… Qual era, então, a realidade aeronáutica portuguesa em 2000? Pelo Humberto Delgado passavam cerca de 9,394 milhões de passageiros, representando cerca de 45,2% do tráfego nacional de pessoas. O Francisco Sá Carneiro não chegava aos 3 milhões (14,1%) e Faro andava perto dos 5.

Sócrates chega ao poder e trata de anunciar a Ota como solução para o novo aeroporto. A coincidência bafejou alguns grandes proprietários que viram a luz muito antes de qualquer outro e identificaram Alenquer como zona de investimento futuro, entre os quais o grupo BES. Aliás, estava à vista de todos, nós é que andávamos de olhinhos bem tapados, porque até em Angola, José Eduardo dos Santos percebeu o potencial da região. E bem, porque, o que era uma zona de não edificação, rapidamente viu o seu plano director alterado, valorizando o metro quadrado num crescimento pornográfico. Apesar de todos os esforços, Sócrates não conseguiu levar a sua avante e o chumbo do PEC IV ditou-lhe saída prematura. Os números, entretanto, desmentiam as previsões da “NAER” e do Governo, no que respeita, quer ao crescimento exponencial do tráfego de passageiros, quer ao esgotamento da capacidade de resposta da Portela. Em 2010, Lisboa contou com cerca de 14 milhões de passageiros e o Porto com 5,28 (subindo mais de 4,2% no total dos movimentos aeroportuários). Os estudos da Associação Comercial do Porto, da Faculdade de Economia da Universidade do Porto, da “Delloite” e outros, apontavam para um crescimento muito maior e mais rápido do aeroporto do norte do país, impulsionado pela capital europeia da cultura, pelo património cultural da humanidade classificado pela UNESCO, pelo Alto Douro Vinhateiro, também ele classificado e beneficiando de uma aposta consolidada das companhias “low cost” e emergente de algumas companhias de bandeira. No período entre 2007 e 2013, o Humberto Delgado cresceu a uma média anual de 3,88% e o Sá Carneiro de 9,6% (apresentando, nalguns anos, crescimentos próximos dos 20%). Tornava-se, então, necessário, inverter a tendência e encontrar as justificativas que motivariam a tão desejada obra pública. Foi, assim, congeminada a retirada paulatina de voos TAP com partida ou destino do Porto.

Impõe-se aqui uma breve nota: as maiores obras públicas de qualquer país são as estradas, as ferrovias, as barragens, as centrais eléctricas e os aeroportos. Contudo, só estes últimos são capazes de gerar toda uma teia de negócios e interesses paralelos que se estendem – e muito – para além da obra em si. Na periferia de um novo aeroporto nasce uma nova cidade, com valências habitacionais, comerciais e industriais. Quer por esta via, quer pelo aeroporto em si mesmo, há que construir acessos e dotá-lo de ligações rápidas e eficientes, para pessoas e mercadorias, ou seja, construir estradas, pontes e ferrovia. Isto, para um governo socialista, despesista e recorrente em negociatas menos claras, é um verdadeiro maná, pelo que não se estranha que, já com Costa no poder, o assunto tenha sido retomado com a avidez que o qualifica.

Ainda assim, mesmo com a retirada de alguns voos internacionais do Sá Carneiro e com a obrigatoriedade da ponte aérea em Lisboa (ou seja, diminuindo, por um lado, o número de passageiros do Porto que iam para Lisboa por outros meios e, por outro, quase “duplicando” o número de passageiros na capital, que por lá passavam para fazer escala obrigatória), o FSC apenas cresceu menos que o GHD em 2018, tendo-o superado em todos os outros anos. Curiosamente (ou não), foi também, de todos os aeroportos portugueses o que menos “perdeu” durante a pandemia.

Esta “engenharia ideológica”, ainda assim, teima em não resultar e a ser controlada por duas realidades que o Governo não controla: a vontade dos turistas e a iniciativa privada. Em 2020, Lisboa representava cerca de 50% do tráfego de passageiros e o Porto ultrapassava os 24%. Os 705 mil lugares que a TAP retira agora à Invicta, representam cerca de 7% do total de passageiros. Pedro Nuno Santos não vergará enquanto não retirar a TAP do Porto e obrigar os tripeiros, os minhotos, os durienses, os beirões, e até os galegos a viajarem directamente de Lisboa, nem que seja por decreto.

Mas o que o Governo parece não saber, é que podemos trocar os bês pelos vês, mas nunca a liberdade pela tirania. Garrett, com estátua em frente à Câmara, dir-lhes-ia:

– Anda comigo ver os aviões! ■