Regionalização: governo prepara-se para pagar milhões para convencer autarcas

A presidente da Associação Nacional de Municípios Portugueses (ANMP), Luísa Salgueiro, defende que é necessário que o processo de descentralização seja bem sucedido para servir “de rampa” para a regionalização. O tema é polémico e no referendo feito há alguns anos os portugueses rejeitaram a regionalização.

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Luísa Salgueiro – que assumiu a presidência da ANMP há seis meses – diz que “importa que este processo de descentralização sirva também para mostrar às pessoas que quando áreas como a Educação, a Acção Social, a Saúde ou outras que os municípios estão a receber, são geridas localmente trazem vantagens e será, obviamente, um bom contributo para que a regionalização avance”.

A socialista, que também preside à Câmara Municipal de Matosinhos, considerou que é importante que os portugueses percebam que o objectivo da descentralização é dar melhor resposta às suas necessidades e que é sempre possível fazer melhor a nível local. A regionalização implica a criação de uma estrutura intermédia entre o Estado e os municípios, que implica o aumento de cargos políticos e elevados riscos de maiores gastos públicos.

Contudo, Luísa Salgueiro considera que para que as pessoas vejam as vantagens “é necessário que o processo de descentralização em curso seja bem-sucedido, uma vez que o país deverá passar por um referendo à regionalização dentro de dois anos”.

Refira-se que o Governo mantém a intenção de concretizar a regionalização, pelo que prevê iniciar um debate sobre a criação de regiões e a realização de um referendo em 2024, segundo o programa do XXIII Governo Constitucional entregue em 1 de Abril, no Parlamento”.

No documento, o executivo considera “que é essencial aprofundar o processo de reforma do Estado, estabelecendo uma governação de proximidade baseada no princípio da subsidiariedade”.

Nesse sentido, após o “maior processo de descentralização de competências das últimas décadas” e depois de “ter sido concretizada a democratização das CCDR” (Comissão de Coordenação de Desenvolvimento Regional), com a eleição dos seus dirigentes por autarcas, o executivo pretende abrir, “de forma serena e responsável, o debate em torno do processo de regionalização nos próximos anos, com o objectivo de realizar um novo referendo sobre o tema em 2024”.

Novas medidas

A presidente da ANMP assegurou que em breve vão ser “anunciadas e formalizadas” medidas que “vão superar” as reservas sobre o processo de descentralização apontadas por alguns autarcas.

“Estamos a trabalhar muito afincadamente, de uma forma positiva, para que possamos assinar um acordo que ultrapasse muitas das reservas que os autarcas manifestaram até agora. Vai haver medidas e decisões que vão ser formalizadas e anunciadas, que vão superar muitas das razões que levaram a essa sensação”, afirmou Luísa Salgueiro, que falava à margem da conferência “Localização de Acções para o Ocea-
no: Evento especial dos governos locais e regionais”.

As negociações entre o Governo e a ANMP atrasaram-se em áreas como a Educação, a Saúde e a Acção Social, que envolviam a transferência de funcionários, equipamentos e, em consequência, montantes financeiros.

As verbas a transferir têm sido o ponto central das dificuldades, uma vez que são consideradas insuficientes pelos municípios para o desempenho que é pretendido na Educação e na Saúde. Estas são as duas áreas que implicam maior peso no Orçamento do Estado.

O atraso da publicação dos diplomas levou à prorrogação do prazo para que os municípios assumissem definitivamente estas competências, de 1 de Janeiro de 2021 para 31 de Março de 2022. No caso da Acção Social, como o diploma sectorial foi publicado já este ano, o prazo foi prorrogado, novamente, até ao final de 2022.

Em 1 de Abril, quando era esperado que os municípios assumissem definitivamente competências na Saúde e na Educação, menos de metade das autarquias elegíveis (201 na Saúde e 278 na Educação) tinham assumido as competências voluntariamente.

Quanto às restantes 17 competências, o Governo considerou-as transferidas em 1 de Janeiro de 2021, nas áreas da Cultura, Habitação, Justiça, Atendimento ao Cidadão, Gestão do Património Imobiliário Público, Vias de Comunicação, Praias, Áreas Portuárias, Transporte em Vias Navegáveis Interiores, Co-gestão de Áreas Protegidas, Protecção Civil, Policiamento de Proximidade, Segurança Contra Incêndios, Estacionamento Público, Jogos de Fortuna e de Azar, Arborização e Rearborização e Associações de Bombeiros.

Sustentabilidade financeira

Luísa Salgueiro considera que o acordo com o Governo no âmbito do processo de descentralização vai ser equilibrado, garantir a sustentabilidade financeira e acautelar as “legítimas reivindicações” dos municípios.

No acordo, que segundo Luísa Salgueiro deverá estar pronto muito brevemente, dado estar em fase final de negociação com o Governo, “tudo indica que se não todas, a maioria das pretensões dos municípios será tida em conta. Desde logo que também a nível financeiro se irá garantir a sustentabilidade das partes envolvidas”.

“Aquilo que acaba de ser transmitido é que, do ponto de vista geral, não há nenhuma recusa do Governo de considerar todas as pretensões que estão a ser apresentadas”, sustentou.

Apesar das boas expectativas, Luísa Salgueiro advertiu que há decisões que poderão não ser integralmente satisfatórias, sendo por isso natural que existam pontos não totalmente coincidentes entre a ANMP e o Governo, tal como tem vindo a acontecer.

Refira-se que a “ANMP e os seus autarcas, que sempre reivindicaram mais competências próprias, aprovaram genericamente as áreas propostas pelo Governo para a descentralização, mas avaliaram desde o início como insuficientes as verbas que as acompanhavam”, diz a presidente da ANMP.

Apesar do envelope financeiro, que os autarcas dizem ser manifestamente reduzido, ser o principal motivo de contestação, Luísa Salgueiro revelou que há também questões operacionais, formais e jurídicas a resolver.

A título de exemplo, Luísa Salgueiro explicou que a gestão dos edifícios e da frota automóvel, ao passar para as autarquias, faz com que os profissionais do Ministério da Saúde, que até então podiam conduzir essas viaturas, agora deixem de o poder fazer. “É preciso um diploma legal que os habilite a conduzir”, realçou. São problemas que se vão detectando e que têm de ser ultrapassados, através da revisão de decretos-lei, considerou.

Em suma, as negociações entre o Governo e a ANMP atrasaram-se em áreas como a Educação, a Saúde e a Acção Social, que envolvem transferência de funcionários, equipamentos e, em consequência, montantes financeiros.

Como se sabe as verbas a transferir têm sido o ponto central das dificuldades, uma vez que são consideradas insuficientes pelos municípios para o desempenho que é pretendido na Educação e na Saúde.

Diálogo é solução

A ministra da Coesão considera que “não há nada” que um “bom diálogo” não resolva e que se terá que entender a desilusão do presidente da Câmara de Lisboa com a descentralização.

“Teremos que entender o que é que está por trás dessa eventual desilusão, mas creio que não há nada que não se resolva com um bom diálogo e percebendo o que está por detrás das declarações do senhor presidente da câmara de Lisboa”, disse Ana Abrunhosa que também participou na conferência “Localização de Ações para o Ocea-
no: Evento especial dos governos locais e regionais”.

Refira-se que Carlos Moedas, em entrevista ao “Expresso”, manifestou-se desiludido com o processo de descentralização de competências: “Sinto-me enganado sobre a descentralização, por isso está fora de questão a área da Saúde neste momento”. Diz aguardar enquanto não tiver a garantia de que na área da Educação as coisas correm bem. “Isto é tudo uma confusão enorme”, afirmou o também presidente do Conselho Geral da ANMP. ■