O socialismo do tabefe

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Os dias em que as figuras públicas se desafiavam umas às outras para duelos, com opção de pistola ou florete, já passaram. No entanto, ocasionalmente, figuras gradas do PS gostariam literalmente de reviver os bons velhos tempos – e ameaçam com pancada rija quem se atreve a discordar de si…

João Marques de Almeida, do jornal ‘online’ Observador, teve a ousadia de “ofender” o “querido líder” do PS, António Costa, fazendo comparações entre o primeiro-ministro português e o Presidente dos EUA, Donald Trump. Uma das analogias (a de que ambos perderam o voto popular mas chegaram ao poder – Costa por “golpe de coligação”, Trump graças aos colégios eleitorais) parece bastante óbvia. Mas o deputado socialista Ascenso Simões não se conformou com o supremo atrevimento do articulista e deu imediatamente uso à luva branca virtual chamada Twitter, considerando que “para este comportamento” só havia uma solução: “um par de bofetadas”.

Confrontado mais tarde com a incorrecção política da ameaça, corrigiu o tiro: afinal – argumentou – apenas dera uso ao “bom registo do debate público no final do século XIX, início do século XX, que infelizmente já não existe” e que “se Almeida soubesse esgrimir, eu desafiava-o para um duelo”. Infelizmente para Simões, a era romântica da história terminou, e o colunista optou por não se travar de razões, nem de espadas nem de punhos, com o deputado, desvalorizando todo o caso como “indiferente”.

Mas esta não é a primeira vez que vemos “a honra” do PS ser defendida com ameaça de socos ou de um par de chapadas na cara. Depois de o crítico Augusto M. Seabra ter questionado as qualificações de João Soares para ser ministro da Cultura, também o histórico socialista manifestou a sua esperança de “ter a sorte” de poder dar umas “bofetadas” em Seabra – só que ainda não tinha tido a felicidade de o encontrar. “Em 1999 prometi-lhe publicamente um par de bofetadas. Foi uma promessa que ainda não pude cumprir, não me cruzei com a personagem, Augusto M. Seabra, ao longo de todos estes anos. Mas continuo a esperar ter essa sorte. Lá chegará o dia” – escreveu Soares, acrescentando: “Estou a ver que tenho de o procurar” para lhe aplicar as ditas “salutares bofetadas”, que “já agora” também se iriam estender a Vasco Pulido Valente, embora por razões diferentes. Este disparo de canhangulo saiu-lhe, no entanto, pela culatra, e dias depois João Soares abandonava o Governo.

Este comportamento encontra-se em linha com o “código d’honra socialista”, cuja regra principal foi estabelecida por Jorge Coelho: “Quem se meter com o PS, leva!”. Até agora, as ameaças não têm passado da forma verbal, mas o espírito de confronto está vivo nas antigas velhas declarações de Augusto Santos Silva, que um dia se saiu com esta tirada de fino trato: “eu cá gosto é de malhar na direita”. Durante o tempo de Sócrates no poder, muitas foram as acusações de que o Governo “malhava” nos órgãos de comunicação social que ousavam “manchar a honra” do PS.

Certo, certo, é que entre ameaças de bofetadas, lutas de espadas e duelos de pistolas a sete pés de distância, fica o aviso do deputado Ascenso Simões a quem se atrever a entrar no ringue de combate da política: “o debate público não é para piegas”.