Um Presidente faz de conta

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Aparentemente, para os portugueses não basta ter um primeiro-ministro que faz de conta que governa. Temos também um Presidente da República (PR), cuja aparente razão de ser é percorrer Portugal e o Mundo com o fim de ser amado pelos portugueses e manter o país numa tal estabilidade que nos conduza à irrelevância.

Marcelo Rebelo de Sousa, que já foi eleito duas vezes pelos portugueses, sendo um homem do antigo regime, nunca percebeu a natureza dos países verdadeiramente democráticos, promotores do progresso e da mudança, insatisfeitos com a estagnação, promotores do conhecimento e do mérito dos cidadãos e abertos às ideias da sociedade. Ou seja, tudo aquilo que Marcelo Rebelo de Sousa não é, por preferir ser o Presidente da estabilidade que mantém o país adormecido, sem rumo definido, com a economia estagnada e a recuar para a cauda dos países da União Europeia. Pior ainda, um Presidente da República cujo único objectivo parece ser o de conquistar o amor dos portugueses, gastando o seu tempo em beijos e abraços, num amor incontido por todos, o que vai registando em milhões de fotografias, mas sem o rasgo de contribuir para mudar a miséria que o rodeia.

Após dez anos em Belém, pergunto-me: o que restará da presidência de Marcelo Rebelo do Sousa? Que país vai ele deixar para o futuro? A que conduziu a estabilidade que ele tão extremosamente defende? Como se compara com os anteriores Presidentes?

Não sou mago para responder a todas estas questões, mas porque só falta pouco mais de três anos para Marcelo deixar Belém, penso já poder adiantar algumas conclusões sobre o que Marcelo Rebelo de Sousa conseguiu enquanto Presidente da República, com base na realidade dos anos já passados. Assim:

1.

O tão festejado sucesso do tratamento da pandemia deixou um Serviço Nacional de Saúde ideologicamente puro, mas em frangalhos. Milhares de mortos em lares às mãos de alguns comerciantes de vidas, públicos e privados, sem culpa formada e sem castigo, com doentes de outras patologias abandonados e os consequentes níveis de mortalidade dos portugueses a subirem.

2.

Os fogos sempre foram uma doença nacional, mas Marcelo Rebelo de Sousa já ficou para a história pela maior tragédia alguma vez provocada pelos fogos no nosso país e a sua contribuição para mudar pode ter sido generosa, mas foi largamente inútil.

3.

O actual PR herdou uma economia estagnada e uma dívida externa muito preocupante. Todavia, quando abandonar Belém – penso não fazer uma previsão arriscada –, a economia estará em pior estado, sem investimento, nomeadamente privado, nacional e internacional, com exportações insuficientes, a despesa do Estado e os impostos a níveis estratosféricos, a dívida do Estado a viver maiores dificuldades e a pobreza dos portugueses a crescer em termos relativos aos outros povos europeus.

4.

Marcelo Rebelo de Sousa tem convivido bem com a corrupção durante os sete anos que já leva em Belém, nomeadamente pelo que calou e porque aceitou as mudanças do Governo nos órgãos do Estado, nomeadamente na Procuradoria Geral da República e na Polícia Judiciária, mudanças claramente destinadas a limitar o combate aos corruptos. Na Justiça, a inacreditável performance do Juiz Ivo Rosa não mereceu uma só palavra do primeiro magistrado da Nação e a tão falada separação de poderes só tem servido para facilitar a vida aos acusados de corrupção. 

5.

Durante os anos de António Costa no poder, benzidos pelo Presidente da República, foram evitadas todas as reformas democráticas, como é o caso das leis eleitorais. Por sua vez, a transparência dos actos da administração piorou, o domínio do partido do poder sobre a sociedade aumentou, as nomeações para cargos no Estado tornaram-se um monopólio do PS e as instituições livres da sociedade, por exemplo, ordens profissionais, mas também associações empresariais e sociais, estão sob ataque.

6.

As Forças Armadas, da responsabilidade directa do Presidente da República, são mal-amadas pelo poder político, que procura limitar a sua influência junto da sociedade e têm visto limitada a sua acção nas diversas missões possíveis, nomeadamente na prevenção e combate aos fogos, mas não só. Acresce que o sucesso das Forças Armadas na gestão das vacinas assustou o Governo e o partido no poder, sem uma palavra clara do PR destinada a colocar ordem na casa. O caso do assalto aos paióis do exército foi uma vergonha largamente consentida pelo Governo e pelo PR.

7.

A política externa de Portugal tem sido pautada pela excessiva convivência com regimes não democráticos e com dirigentes pouco credíveis, aliás na continuidade da acção dos governos de José Sócrates. A China, Angola, Venezuela, o Brasil e mesmo a Rússia, têm uma liberdade de acção em Portugal que mostra a fraqueza das convicções democráticas do poder político nacional. A dependência da Espanha, aprofundada com a política ferroviária, mas também devido a uma inexistente competição, nomeadamente pela atracção do investimento estrangeiro de outros países, além de outras cedências nos rios e na energia, representa uma verdadeira traição ao interesse nacional. 

8.

É visível que o PR ainda não se deu conta de que falar permanentemente de tudo vai amontoando a irrelevância do que diz, aumentando o risco da asneira e tornando irrelevante alguma coisa de útil que possa dizer.

Em resumo, não tenho já qualquer dúvida de que Marcelo Rebelo de Sousa ficará na história da democracia portuguesa como o pior Presidente da República. A sua própria traição ao pensamento e vocação do seu partido, o PSD, permitiu a sua reforma de qualquer pensamento político em Belém, para ser apenas a muleta preferida da inacção do Governo, de que aparentemente António Costa é a sua esponja. Penso, sinceramente, que o futuro não perdoará a Marcelo Rebelo de Sousa a sua pouca vontade de lutar por um Portugal livre, democrático e moderno. A sua saída de Belém dentro de três anos mostrará o país que deixa aos portugueses: pobre, atrasado, endividado, com uma economia desajustada do seu tempo, sem estratégia, um poder político desacreditado, um nível de corrupção galopante e a vitória da mediocridade e da incompetência. Mostrará ainda um Presidente da República que colaborou durante dez anos no aprisionamento do mérito, da liberdade de iniciativa e na marginalização do pensamento criador, tudo a favor da mera burocracia do poder. ■