A PIDE tentou matar Almeida Bruno?

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Aquando do falecimento do general Almeida Bruno, no pretérito dia 10 de Agosto, ocorrência a que a generalidade dos órgãos de soberania, políticos, comentadores e Comunicação Social ignorou, surgiram umas poucas notícias em que era dado como certo que o citado oficial tinha sido objecto de uma tentativa de assassinato por parte da PIDE – na altura já DGS –, pouco antes do dia 25 de Abril de 1974.

Parecia até, que tal putativo “atentado” tinha sido a coisa mais relevante que ocorreu em toda a longa vida deste conhecido general do Exército Português.

Aparentemente, tais notícias baseiam-se num filme, mal enxabido, datado de 11/4/94, existente nos arquivos da RTP, onde tal tentativa de liquidação foi descrita e denunciada, embora sem provas.

Acontece que tal facto nunca foi confirmado, nem o próprio visado alguma vez aludiu ao mesmo. Acresce que o aparente protagonista de toda esta história – o inspector Óscar Cardoso – ainda está vivo e conta uma história diferente.

É por demais sabido que o general Almeida Bruno pertencia à chamada “ala spinolista” (a mais conservadora de todas), que conspirou para depor o Governo de Marcello Caetano e, desse modo, terminar com o regime conhecido como “Estado Novo” – que se tinha deixado envelhecer e acabou substituído por outro ainda mais velho…

A História tem destas coisas.

Essa conspiração teve uma falsa partida, a 16 de Março de 1974, (conhecida como “Golpe das Caldas”), frustrada pela descoordenação do “Movimento das Forças Armadas”, ou dos “Capitães”, e pela acção pronta do Governo (que nessa ocasião não se demitiu das suas funções), o que levou à prisão de alguns conspiradores, cuja acção, aliás, andava a ser seguida pela DGS.

Conspiradores que serão, é bom lembrar, heróis para uns, vilãos para outros e, talvez, nem uma coisa nem outra para a maioria dos portugueses.

Um dos que foi objecto de tentativa de prisão (não de assassinato – nem sequer há qualquer informação que alguém em qualquer Governo do Estado Novo tenha mandado assassinar fosse quem fosse) foi, justamente, o então tenente-coronel Almeida Bruno.

De uma forma que não apurámos, houve notícia, no quartel-general do Governo Militar de Lisboa, de que Almeida Bruno estaria a participar numa reunião conspiratória, na sua residência no Monte Estoril.

Seja por não terem forças disponíveis na altura, seja por terem pressa na captura, seja por outra razão qualquer, o que é certo é que se lembraram (ou lhes foi dito) que o inspector Óscar Cardoso, da DGS, vivia, nesse tempo, no Monte Estoril e podia efectuar a detenção (as relações entre a DGS e as Forças Armadas tinham-se estreitado bastante durante os 14 anos que durou a guerra ultramarina), pelo que lhe ligaram a pedir que levasse a cabo tal prisão.

O inspector aceitou o encargo, mas cedo se deu conta que se encontrava sozinho no terreno, sem saber quantas pessoas ia enfrentar, sem outros meios que não fosse uma pistola e um par de algemas.

Várias coisas lhe vieram à cabeça e o que se passou a seguir parece quase uma das célebres “charlas” do saudoso Raúl Solnado.

Lembrou-se então de pedir ajuda a um amigo, ex-combatente em Angola como alferes miliciano, o Walter Ventura, que tinha conhecido naquele então teatro de operações e tinha aprendido a respeitar a sua coragem e que, na altura, habitava também naquela localidade (e nos deixou, infelizmente, em Março de 2020). E lá foram os dois, acompanhados da cadela perdigueira (que não era polícia) do primeiro, tentar dar cumprimento à tarefa.

Chegados à residência, lá encontraram, de facto, meia dúzia de pessoas, mas não Almeida Bruno, que fora avisado em cima da hora e se escapara uns minutos antes.

Usando de um estratagema, Óscar Cardoso, informou os circunstantes que a casa estava cercada por atiradores do Exército e que tinha ordens do Governo Militar de Lisboa, para os prender. E, para que nada de mal acontecesse, os circunstantes deviam manter-se calmos e aguardarem (já no exterior), a chegada da entidade militar que os viria buscar e levar para o quartel-general. O que veio a ocorrer mais tarde, não sem antes ter havido um episódio digno de antologia.

Ao contrário da totalidade dos presentes, que aceitaram, algo resignadamente, a situação, houve um capitão que “contestou” o que se estava a passar, mostrando-se agitado e afirmando que nunca tinha passado por uma vergonha tamanha e sido tão humilhado (naturalmente querendo referir-se a estar a ser preso por um polícia e não por um militar).

Esforçou-se o inspector em explicar que estava ali a pedido da autoridade militar e que se acalmasse. Como tal não acontecesse o nosso capitão, de seu nome Farinha Ferreira (afilhado de Almeida Bruno), chegou a ser algemado com os braços à volta de uma árvore. O diálogo continuou do mesmo jaez (sem nunca ter descambado), insistindo o militar na questão da humilhação. 

Até que o inspector, escudando-se no facto de também já ter sido militar, lhe fez a seguinte proposta: a de lhe retirar as algemas em troca da palavra de honra em como não tentaria fugir até à chegada da “ramona” que os levaria dali para o Governo Militar de Lisboa, até porque não queria que ele fosse atingido pelos supostos “atiradores” do Exército que cercavam a casa.

O oficial pensou por uns segundos e acabou por, solenemente, dar a sua palavra de honra e tudo o resto foi cumprido.

A detenção deu-se como que a contragosto de quem executou a operação, dada a simpatia demonstrada pelos presos (também convém registar).

Resta ainda dizer que a situação era inusitada, pois os agentes da PIDE/DGS não prendiam militares, muito menos oficiais (a não ser num flagrante delito qualquer – o que creio nunca ocorreu); quando havia suspeitos de algum procedimento que violasse a lei, os nomes dos suspeitos eram comunicados à autoridade militar competente, que a seguir actuaria conforme o seu entendimento.

Teria, pois, que se perguntar ao comando do QGM de Lisboa da altura a razão concreta que o fez actuar do modo descrito.

Quanto a Almeida Bruno, que se encontrava na Academia Militar, acabou por ser acompanhado no dia seguinte pelo Comandante do Corpo de Alunos, Coronel Severo, (eu era lá aspirante-aluno, nessa altura, mas não me apercebi de nada) ao QG de Lisboa, onde ficou detido, transitando para a casa de reclusão da Trafaria, de onde foi libertado (já ao fim da tarde) no dia 25 dos cravos. 

Mais tarde, e só por curiosidade, Almeida Bruno voltou a ser preso a seguir ao “11/03/75”, por ordem de Otelo Saraiva de Carvalho, na altura comandante do “Copcon”, acabando, dessa feita, em Caxias. 

Por que razões aparecem agora estas atoardas, em jornais ditos de referência, não é difícil de descortinar, mas deixamos tal escrutínio à sagacidade, mais ou menos interessada, dos leitores. ■