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A “contabilidade criativa” do regime totalitário de Pequim bem tenta disfarçar os sinais, mas a bolsa chinesa perdeu grande parte do seu valor este ano e a economia entrou em crise. Conseguirá o regime comunista do Império do Meio sobreviver no meio de uma recessão? E quais serão as consequências para economias-satélite como a angolana?

Pânico total em Pequim. Mercedes negros com janelas fumadas atravessam a cidade a grande velocidade, transportando burocratas de destino a destino. Estas eminências pardas, cujo nome é totalmente desconhecido do povo que dizem servir, controlam todos os aspectos da sociedade e da economia da República Popular da China. O Congresso Nacional do Povo, com o incrível número de 2.987 deputados, não passa de uma fachada: é nestas figuras que reside o poder. Ou assim pensavam, até há alguns dias.

O regime chinês quis ter o melhor (ou o pior) de dois mundos: o capitalismo mais selvagem misturado com o totalitarismo soviético. Mas, à medida que a economia cresceu, a máquina burocrática foi perdendo o controlo. Para agravar a situação, a corrupção na China cresceu assustadoramente (até já um dos generais do regime foi preso, depois de a polícia ter encontrado quase mil milhões de euros em ouro na cave da sua mansão). Agora instala-se o medo na classe dirigente: será que o povo chinês vai tolerar o regime – se este nem sequer consegue garantir o progresso económico?

Pânico total

O sistema bolsista do Império do Meio é maioritariamente composto por pequenos accionistas, que representam 80% de todo o capital investido. Para os milhões de chineses com alguma liquidez, o dinheiro que ganham com as acções é melhor do que um plano-poupança de qualquer banco estatal.

Ou era. Neste caso, as redes sociais e a internet estão realmente a fazer a sua parte para derrotar o regime totalitário chinês. Não com ‘sites’ de activistas políticos, mas com o prosaico jornalismo económico. Começou a chegar aos ouvidos dos cuidadosos chineses que o sistema económico que lhes tinha dado tanto a ganhar está podre, e que é um enorme “esquema”. A velha frase revolucionária “se todos os chineses baterem o pé, o mundo treme” tornou-se realidade, mas não da forma como os seus autores idealizavam: os milhões de pequenos accionistas começaram a vender, e a bolsa entrou em colapso. Só neste mês foram perdidos 4 triliões de euros na bolsa, o equivalente a todo o PIB da Alemanha.

Todos os podres da gestão económica do regime começaram a vir à superfície. Muito do “enorme sucesso económico” do país foi, afinal, obtido por meios artificiais, através da construção de grandes obras públicas com recurso a dinheiro emprestado, até mesmo à criação de dinheiro artificial, através da compra de acções com dinheiro emprestado… pelo Estado. O regime, que é dono dos bancos, emprestou aos particulares dinheiro para que eles comprassem acções de forma a estimular as estatísticas económicas. Desta nem alguns dos nossos líderes mais despesistas se lembraram.

O caos sobreveio, no entanto, quando o valor dos títulos entrou em queda. Se um investidor contrai empréstimos para comprar acções, mas elas descem abaixo do valor do empréstimo, então esse investidor está perante um grave problema financeiro. Os pequenos accionistas chineses assustaram-se, e a pequena corrida para vender transformou-se numa enorme corrida. Subitamente, milhares de milhões de euros artificiais foram destruídos. Pequim decidiu agir.

Burocratas sem rumo

Nos intermináveis departamentos do Estado, todos com o sufixo “popular”, os burocratas deram as suas instruções. Em primeiro lugar, e mostrando como a economia chinesa ainda é muito menos sofisticada do que a ocidental, Pequim deu ordens para que 70% das empresas cotadas em bolsa deixassem de ser transaccionadas, muitas delas empresas relativamente artificiais em que o Estado detinha enormes participações. Esta manobra apenas mostrou ao mundo quanto o regime chinês estava desesperado, e os pequenos investidores procuraram vender o que podiam, onde podiam. A queda continuou.

Os burocratas recorreram então à repressão, tão característica dos países comunistas. Os maiores accionistas, aqueles que são proprietários de mais de 6% do capital social de uma empresa, foram proibidos de vender os seus títulos durante seis meses. Não funcionou, a queda continuou.

Os burocratas deram finalmente o passo que pode lançar a China no caos: permitiram a concessão de ainda mais crédito para compra de acções, mas desta vez com recurso às habitações como hipoteca em caso de incumprimento. Segundo os especialistas económicos, se anteriormente o sector da habitação chinês já estava no meio de uma “bolha especulativa”, então a exposição subiu muito mais. A queda do preço da habitação pode conduzir agora a uma crise de crédito, o que levará inevitavelmente a uma venda ainda maior de títulos. Ou vice-versa: uma queda abrupta dos títulos pode conduzir a uma entrega ainda maior de casas, conduzindo a uma queda drástica do valor da habitação.

Os ingredientes de uma catástrofe económica estão a ser adicionados por Pequim, mas o bolo de desgraça já está no forno há muito tempo.

Demografia “popular”

Como qualquer regime “popular”, os lideres comunistas da China sabem que apenas conservam o poder enquanto conseguirem manter uma baixa taxa de desemprego e uma alta taxa de crescimento económico. Ambos os objectivos começam a ficar em risco de incumprimento. Mao Zedong, o suspeito do costume, lançou a primeira pedra com a “política do filho único”. Eternos adeptos de tratarem a população como gado, os comunistas pensaram que desta forma conseguiriam travar o crescimento populacional.

Como em todas as tentativas de engenharia social, o Governo perdeu o controlo do projecto, que foi levado ao extremo. Receosos de terem de pagar avultadas multas, os chineses recorreram ao aborto, e até mesmo ao infanticídio, em números que se aproximam dos de um genocídio. Sendo ainda um povo rural, os casais chineses preferiram sempre ter um rapaz, logo não era invulgar matarem as filhas ao nascer.

O desequilíbrio macroeconómico só agora começa a revelar-se: a população está a ficar cada vez mais envelhecida, a um ritmo muito pior do que a catástrofe demográfica que afecta, por exemplo, Portugal. Pior: não há a certeza de que seja possível inverter essa tendência, simplesmente porque não há na China mulheres suficientes (o número de jovens do sexo masculino ultrapassa em 30 milhões o de mulheres em idade de ter filhos). As grandes empresas começaram a aperceber-se de que o preço da mão-de-obra no país vai subir quando várias fábricas locais começaram a ter de aumentar ordenados para atrair mais trabalhadores, muitos deles temporários e migrantes.

Sem a sua mão-de-obra barata, a China poucos mais argumentos tem para manter a competitividade. Os mercados, ou seja, as pessoas, começaram a aperceber-se deste facto, e o regime já não o consegue ocultar muito mais tempo. O alvo de crescimento do PIB deste ano, segundo o plano anual do governo de Pequim, era de 7%, um valor muito menor do que há uns anos, e mesmo assim já se prevê que não vai ser cumprido. A economia chinesa, no ano passado, já mostrou sinais de um profundo abrandamento, especialmente visível no número de construções embargadas.

A queda

A quebra de confiança dos próprios chineses na sua economia é um problema para Pequim, que anunciou há dias ter aprovado um enorme pacote de investimento público, algo que mesmo assim não melhorou a perspectiva dos mercados. A dívida pública chinesa começou a disparar nos últimos meses, e já se fala num “problema da dívida soberana da China”. Caso a “bolha” rebente, o Estado terá de socorrer os enormes bancos estatais, muitos dos quais submersos em créditos concedidos de forma duvidosa e com objectivos políticos. Dada a dimensão da China, um resgate da banca chinesa seria o equivalente a muitas vezes o resgate grego, e deixaria o tesouro de Pequim com uma enorme dívida para pagar.

Para o resto do mundo, o impacto de uma recessão chinesa seria, ou será, profundo. Os Estados Unidos da América investiram enormes somas de dinheiro no Império do Meio, em detrimento de investimentos na Europa. Barack Obama, presidente dos EUA com conhecidas tendências de esquerda no cenário mundial, favoreceu a China em detrimento dos seus aliados ocidentais. Já a Europa não se encontra minimamente preparada, tendo o seu ponto mais fraco na praticamente falida Grécia “popular” do Syriza, e estando a braços com um crescimento anémico graças à fraca liderança europeia.

A enorme rede de investimentos chineses no Terceiro Mundo, altamente deficitários e com objectivos mais políticos do que económicos, podem vir a entrar também em crise, com consequências imprevisíveis. Angola, por exemplo, dificilmente conseguiria suportar a saída das “patacas” chinesas do país, que financiaram os belos arranha-céus em Luanda, que tanto contraste fazem com a miséria em redor. Os países da América Latina, embrenhados em políticas esquerdistas desastrosas, como as do Partido dos Trabalhadores no Brasil, já enfrentam a estagnação este ano. Caso os chineses sofram um ‘crash’, então o “efeito dominó” pode ser similar ao da recessão de 1929, quando o colapso da economia dos EUA lançou o Brasil no caos económico.

A crise económica mundial pode ainda estar longe do fim. E ainda nem sequer sabemos quando começará a verdadeira crise política…