Vá-se lá entender a lógica socialista: depois de ter defendido a abertura do capital de um conjunto de empresas públicas à iniciativa privada, o PS acusa agora o Governo de estar a cumprir um programa que o mesmo PS concebeu e anunciou…
O Partido Socialista de 2015, liderado por António Costa, manifesta-se furiosamente contra aquilo a que chama “a fúria privatizadora imparável” do Governo de Pedro Passos Coelho.
Mas… o que pensaria disto o Partido Socialista de 2010? Necessariamente discordaria, visto que todas as privatizações levadas a cabo ou programadas pela presente coligação PSD/CDS foram concebidas e anunciadas pelo Governo liderado por José Sócrates, no qual o próprio Costa tinha anteriormente participado como braço direito do anterior preso 44 do Estabelecimento Prisional de Évora.
No Programa de Estabilidade e Crescimento (PEC) de 2010, os propósitos socialistas não deixam margem para dúvida: “Entre 2010 e 2013 prevê-se a obtenção de receitas de privatizações no montante de 6.000 milhões de euros que contribuirão para reduzir a dívida pública”.
Entre as empresas a privatizar referidas no Programa de Sócrates encontravam-se o BPN, vendido a privados ainda pelo Governo do PS, bem como a REN/Redes Energéticas Nacionais, os Estaleiros Navais de Viana do Castelo, a CP-Carga, os CTT/Correios de Portugal, a ANA/Aeroportos de Portugal e, por fim, a eternamente polémica TAP/Transportes Aéreos Portugueses.
Entre as “principais medidas de consolidação das Finanças Públicas”, José Sócrates determinava ainda a privatização da EDP, da Hidroeléctrica de Cahora Bassa, da EMEF, da Caixa-Seguros e da INAPA, bem como a concessão de exploração de linhas da CP.
TAP e ANA
O actual líder do PS continua a bater na tecla de que o Governo se está a precipitar no caso da privatização da TAP, apesar de o processo já estar em curso há 24 anos, iniciado pelo Executivo de António Guterres.
O Programa de Estabilidade e Crescimento de 2010 anunciava claramente: “Promover-se-á a abertura do capital da TAP/Transportes Aéreos Portugueses, S.A. mediante a entrada de um parceiro estratégico que contribua para o reforço da competitividade da empresa e para o seu crescimento e desenvolvimento do seu modelo de negócio em condições de sustentabilidade”.
Quanto à ANA, processo também duramente criticado pela actual oposição socialista, o PEC determinava que, “no quadro do modelo aprovado pelo Conselho de Ministros, que determina que a privatização da ANA/Aeroportos de Portugal, S.A. e a concepção, construção, financiamento e exploração do novo aeroporto de Lisboa se realize numa única operação, a concretizar por concurso público internacional, proceder-se-á à privatização da ANA”.
Energia
António José Seguro, fugaz líder do PS que António Costa atirou pela borda fora, afirmava-se contra a privatização da REN, mas também neste aspecto contrariava o programa socialista antes definido pelo Governo de José Sócrates. O PEC de 2010 previa que, “no sector energético, serão levadas a cabo operações de privatização […] na REN/Redes Energéticas Nacionais, SGPS, onde a participação é actualmente de 51,08%”.
O Programa indicava que “o Estado manterá uma posição accionista que permita salvaguardar o interesse público”. Curiosamente, até isto o actual Governo fez, mantendo essa posição por via de uma empresa pública, a Caixa Geral de Depósitos, dona de 1,1% da empresa.
Recorde-se que o Governo socialista também concordava com a privatização do que restava das acções do Estado na Galp. Textualmente: “No sector energético, serão levadas a cabo operações de privatização na Galp Energia, SGPS, S.A., onde o Estado ainda dispõe, indirectamente, de 8%”.
Correios
“Hoje estamos aqui para condenar a privatização dos CTT”, dizia Rui Paulo Figueiredo, deputado do Partido Socialista, em 2013. Desde que se tornou oposição, o PS passou a criticar fortemente o plano de privatização dos Correios, fosse ela total ou apenas parcial. No entanto, o PEC elaborado pelo Governo do PS previa expressamente que, “no sector das comunicações, proceder-se-á à abertura do capital dos CTT/Correios de Portugal, S.A. à iniciativa privada”. Os CTT acabaram por ser privatizados através de uma dispersão das acções na Bolsa. Actualmente, os pequenos e médios accionistas, cerca de 25 mil pessoas, são donos de uma maioria das acções da empresa (55% do total), enquanto o maior accionista apenas controla 6%.
Estaleiros
A esquerda radical definiu a privatização dos Estaleiros Navais de Viana do Castelo como “um crime contra economia nacional”, e o PS logo se juntou ao coro afirmando que esta opção era “errada” e iria “desbaratar” património do Estado. Mas depois mudou de posição e exortou o Governo a procurar “uma solução credível e rápida” para a situação, talvez lembrando-se de que o PS, no comprometedor PEC de 2010, anunciara “a abertura a capitais privados dos Estaleiros Navais de Viana do Castelo, S.A.”…
Resumindo e concluindo: a coligação é acusada pelo Partido Socialista de estar a cumprir o programa do Partido Socialista que o Partido Socialista hoje rejeita.
Preso por ter cão e preso por não ter.