HUGO NAVARRO

Pergunta: para que servem as sondagens eleitorais, se raramente têm dúvidas e quase sempre se enganam? Resposta: servem para os partidos políticos na mó de baixo continuarem a tentar influenciar os eleitores até ao último minuto.

Não há sondagens inocentes. Não é inocente quem as encomenda, pagando por elas muitos milhares – e o cliente tem sempre razão. Não é inocente quem as faz, escolhendo como quer o tipo de inquiridos que vai constituir a “amostra” e pondo-lhes à frente perguntas feitas desta ou daquela maneira. Não é inocente quem faz o tratamento e divulgação dos resultados, pois sabe-se que, perante meio copo de água, há sempre quem veja um copo meio-cheio e quem veja um copo meio-vazio.

Por que razão haveremos, então, de prestar atenção às sondagens eleitorais que, como agora no Reino Unido, acabam por enganar-se redondamente? A resposta, também aqui, é simples: não devemos conceder-lhes a menor atenção prática. As sondagens são como as conversas no barbeiro, que ajudam a passar o tempo mas que podemos esquecer no momento seguinte. Com a diferença de que muitos barbeiros acertam mais do que certos “estudos de opinião”.

No Reino Unido, uma avalanche de “previsões” podia ter baralhado fatalmente os eleitores nas legislativas de quinta-feira passada. Havia-as para todos os gostos: os dois maiores (conservadores e trabalhistas) estavam empatados, os conservadores iam sofrer a maior derrota da história, os trabalhistas ganhavam por uma unha negra ou com maioria absoluta, o UKIP ia varrer tudo e inundar a Casa dos Comuns, os liberais estavam à beira de se tornar a segunda maior força da política britânica. Mesmo algumas sondagens feitas à saída dos locais de voto continuavam a garantir a vitória da esquerda e a glória dos amanhãs que cantam.

Paz e sossego

Mas não é fácil enganar um povo que há centenas de anos se habituou a escolher quem quer pôr no poleiro. E a verdade eleitoral, a única que vale e que resulta da contagem dos votos, um a um, desmentiu afinal a generalidade das sondagens: o UKIP meteu em Westminster, com esforço, um único deputado; os Verdes, outro; os unionistas do Ulster, dois; os social-democratas irlandeses, três; o Plaid Cymru galês, outros três; o Sinn Féin dos republicanos irlandeses, quatro; os democráticos-unionistas da Irlanda, oito; os liberais-democratas do Reino Unido, também oito; os nacionalistas escoceses, 56; os trabalhistas, 232; e os conservadores, anunciados perdedores desta eleição, terríveis patronos da austeridade, odiados carrascos da classe operária e perigosos monstros façanhudos da direita, acabaram por sentar na Câmara Baixa 331 deputados, alcançando uma histórica maioria absoluta que lhes permite governar em paz e sossego pelos próximos cinco anos.

Quando, na noite da vitória, um jornalista ainda atónito com a disparidade entre sondagens e resultados perguntou a David Cameron o que teria corrido mal para que o erro fosse tão grande, o líder conservador limitou-se a responder: “Nada correu mal. O défice está a baixar, a economia está a crescer, o emprego a aumentar, a carga fiscal a diminuir. Ganhámos. Nada correu mal”. Porque, está visto, o que as sondagens dizem não se escreve – a não ser nos jornais de esquerda, onde até ao último minuto se tentou convencer o eleitorado de que a vitória trabalhista era iminente. É feio.

Promessas vãs

Como em Portugal e em outros países da União Europeia, uma parte significativa da imprensa britânica é dominada por esquadrões obstinados de jornalistas com preconceitos de esquerda. Simplesmente, ao contrário do que sucede entre nós, no Reino Unido há também jornais, rádios e televisões onde o centro e a direita são ouvidos e respeitados. A versão oficial, ali, não se resume ao que vociferam o líder sindical ou o radical de serviço aos microfones e às câmaras.

O povo britânico pôde, assim, ao longo dos últimos cinco anos do governo de coligação conservadores-liberais chefiado por Cameron, ser tranquilamente informado sobre o que realmente se passava na economia do país: a razão dos cortes e da austeridade, a necessidade de pôr as finanças públicas em ordem, de aumentar a produção e de não exigir a lua, por fim os resultados da dolorosa medicamentação – o recobro da libra esterlina, o aumento das exportações, o alívio fiscal, o aumento do emprego.

Foi o conhecimento transparente dos factos, e não a embriaguez da propaganda ou o totoloto das sondagens, que deu a vitória ao Partido Conservador de David Cameron na última quinta-feira. Os trabalhistas, seguindo a receita dos partidos socialistas irmãos do resto da Europa, caíram no erro de prometer a um eleitorado maduro e informado aquilo que toda a gente sabia não ser possível: sol na eira e chuva no nabal. O despudor da promessa saiu-lhes caro – uma perda de 26 lugares no Parlamento em relação a 2010 e um deserto tórrido por atravessar até 2020.

A questão escocesa

cameronA maioria absoluta de David Cameron não desemboca, contudo, num caminho atapetado a rosas para os conservadores. O mandato do próximo quinquénio terá de enfrentar dois problemas magnos, ambos políticos mas com fortes ligações à equação económica dos britânicos: a Escócia e a União Europeia.

A fortíssima votação no Scottish National Party (que arrebatou 56 dos 59 lugares no Parlamento destinados à Escócia) indica que a “questão escocesa” não ficou cabalmente resolvida com o referendo de Setembro do ano passado, que apurou 2 milhões de votantes contra a independência e 1,6 milhões a favor.

Cameron está consciente da fragilidade do modus vivendi que se alcançou. E na última sexta-feira, ao falar já como primeiro-ministro reeleito, à porta do número 10 de Downing Street, a primeira promessa que fez foi o reforço dos poderes autonómicos da Escócia, Irlanda do Norte e Gales. Mais do que a economia, que está no bom caminho e não deverá dar-lhe grandes dores de cabeça, a gestão do “dossier autonomias” ditará a tranquilidade do seu novo mandato – ou a intranquilidade, se for inábil.

Imigração

A segunda promessa esperava-se também, mas era necessário confirmá-la de viva voz: a garantia de que o referendo sobre a permanência do Reino Unido na União Europeia será mesmo realizado em 2017. Contra os que defendem uma saída pura e simples, o resultado eleitoral confirmou a “terceira via” de Cameron: negociar com Bruxelas antes de bater com a porta.

O que o Reino Unido quer já se sabe: restringir a liberdade de circulação na União Europeia, de forma a controlar o problema da imigração, que se tornou excessivamente pesado em prestações sociais e cuidados de saúde – para já não referir as suas dramáticas sequelas, em termos culturais e sociais. Bruxelas, sempre “politicamente correcta”, tem resistido às exigências de Cameron, mas outros países da União poderão vir a juntar-se a Londres numa cruzada contra a imigração selvagem.

Para já, o rescaldo das eleições de quinta-feira mede-se em números: as acções na Bolsa de Londres deram imediatamente um salto de 2,3 por cento, valorizando em mais 50 mil milhões de libras as empresas britânicas cotadas. A vitória conservadora parece, assim, ter combinado uma decisão sensata com um bom negócio. À inglesa.