Há dez anos terminava em Portugal, durante o Governo socialista de António Guterres, o Serviço Militar Obrigatório (SMO), rompendo com uma instituição que garantia o contributo de cada cidadão à defesa da Pátria e, ao mesmo tempo, um instrumento que visava a valorização cívica, cultural e física dos portugueses que o cumpriam. Agora é o tempo para um balanço e para um debate necessário sobre a defesa da Pátria.
A Lei do Serviço Militar (Lei n.º 30/87, de 7 de Julho) considerava que “defesa da Pátria é dever e direito fundamental de todos os portugueses” e definia o serviço militar como “o contributo prestado por cada cidadão, no âmbito militar, à defesa da Pátria”. Considerava ainda que este devia “constituir um instrumento que vise a valorização cívica, cultural e física dos cidadãos que o cumprem”, ou seja, os cidadãos portugueses dos 18 aos 38 anos de idade.
Em 1999, com António Guterres como primeiro-ministro e Jorge Sampaio como Presidente da República, a Lei n.º 174/99, de 21 de Setembro, passou a considerar que “em tempo de paz, o serviço militar baseia-se no voluntariado” e estabeleceu o fim do SMO no prazo de quatro anos. Assim, em 2004, Portugal deixava de ter conscrição e a defesa nacional alterou-se significativamente.
“Um erro”
Em entrevista à Agência Lusa, o General Loureiro dos Santos criticou o fim do SMO, que considerou ter sido “um erro”, e defendeu o seu regresso. Para o antigo chefe do Estado-Maior do Exército, o SMO “é mais barato” do que a profissionalização”. Mas não só, Loureiro dos Santos considerou também que seria “mais fácil” constituir “forças complementares” que hoje em dia “praticamente não existem”. Alertou ainda para os perigos que actualmente existem, afirmando: “Se de repente houver as ameaças que agora andam à volta da Europa, que cercam a Europa por sul, sudeste e pelo leste, se se concretizarem com mais amplitude, não temos possibilidade de cooperar na resposta a essas ameaças com aquele grau de força que nos competiria fazer.”
Por fim, considerou que o fim do SMO “afastou um pouco as Forças Armadas da população”, que “deixa de entender a necessidade das Forças Armadas”.
“A caminho da indigência militar”
O DIABO falou com o Tenente-Coronel Piloto-Aviador Brandão Ferreira, que recordou que o fim do SMO, “em termos políticos, teve a ver com a queda do Muro de Berlim, em 1989, a partir da qual as pessoas acharam que já não havia ameaças e guerras”. Ao mesmo tempo, “a propaganda anti-militar, que não é anti-militarista, que campeou no Ocidente e em Portugal no seio de certa intelectualidade, nos ‘media’ e sobretudo nas juventudes partidárias, com excepção do PCP, que foi coerente com os princípios que defende”, também contribuiu para o fim do SMO. Este, segundo Brandão Ferreira, “começou a ser preparado no tempo do ministro Fernando Nogueira, no Governo de Cavaco Silva e é uma ideia desenvolvida no PSD, partido que se tem revelado o maior inimigo da instituição militar portuguesa”.
Quanto à oposição a esta alteração, respondeu: “Que me recorde, fui dos poucos a escrever contra o fim do SMO. Algo que considero que foi um crime de lesa-Pátria.”
Relativamente às consequências, Brandão Ferreira afirmou que “o fim do SMO ajudou a pôr o País a caminho da indigência militar e a culpa é dos políticos e dos militares que não souberam contrariar e alguns que até ajudaram”. Segundo ele, a “consequência é termos uma série de gerações que não cumpriram o SMO, o que afectou a coesão nacional e a sua consciência cível. Foram privados de ter um período de aprendizagem de um determinado número de coisas que já não terão oportunidade de aprender”. Considerou ainda que “ficámos privados de ter numa emergia capacidade de mobilização”.
Mas será que devemos voltar a ter o SMO? O Tenente-Coronel afirma categoricamente que “faz todo o sentido voltar a instituir o SMO, mas não há autoridade política. Só se houver uma guerra ou uma situação de emergência critica, uma crise de segurança grave”.
Por fim, relativamente à questão financeira, disse que “o sistema profissionalizado é muito mais caro, o que não faz sentido numa situação de crise como a que vivemos. Até servia para minorar o desemprego”.
O exemplo suíço
Apesar de muitos países terem abandonado o modelo do SMO, algo que é apontado por muitos como uma justificação para o seu fim, há ainda vários países na Europa Ocidental que o mantêm e que estão longe de poderem ser considerados retrógrados ou pouco desenvolvidos, como a Áustria, o Chipre, a Dinamarca, a Finlândia, a Grécia, a Noruega e a Suíça.
É neste último que o politólogo Adelino Maltez, Professor Catedrático do Instituto de Ciências Sociais e Políticas, vê o melhor exemplo.
Contactado por O DIABO, afirmou que o fim do SMO foi “uma brincadeira que começou nas ‘jotas’ e agora vejo muitas virgens ofendidas que na altura não se pronunciaram”.
Mas, para o politólogo, “há um problema muito mais grave, do que os argumentos economicistas e de política social”. Segundo ele, “é mais do que isso, é um problema de pátria e de conceito de nação”.
Por isso, diz que é “claramente favorável ao ministro da Guerra da I República Correia Barreto”. Isto é, “um serviço à suíça, o mais eficaz, mais patriótico, mais participado, mais democrático. Um serviço que reflecte uma vontade nacional”.
Fazendo o balanço dos dez anos sem SMO, afirmou que “quando abandonámos o SMO tínhamos uma alternativa, porque tínhamos as tropas especiais e uma população que tinha experiência de guerra, que podia ser mobilizada, mas agora não”. Isto porque “decidimos ter outras Forças Armadas, voltadas para a Aliança Atlântica e não para a consciência cívica e para a memória da Guerra da Restauração”.
Perante a situação actual do País, o politólogo afirma: “Não há salvação nacional sem uma estratégia mobilizadora e de defesa face a um protectorado. Aqui basta uma diplomacia de croquete e uma tradução em calão das vozes do dono… E de vez em quando dizem que são patriotas, mas são ‘patriotorrecas’.”