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HENRIQUE NETO

Tenho de recuar até Salazar para encontrar alguém que me tenha desagrado tanto, ainda que reconhecendo a Salazar as qualidades de estadista, de cultura e de preparação política que nunca reconhecerei a José Sócrates.

Não poucas vezes sou forçado a perguntar a mim mesmo a razão por que continuo a ser militante do Partido Socialista; e com o recente convite do partido a José Sócrates para uma intervenção pública como primeiro orador, voltei a colocar a questão, porventura com as mesmas respostas: não vejo alternativa partidária em Portugal, tenho ainda uma vaga esperança num processo de regeneração do PS e sair seria dar uma satisfação imerecida a muitos dirigentes e militantes socialistas.

Esta questão de José Sócrates chocou-me profundamente. Não apenas pela sua personalidade de mentiroso compulsivo, arrogante e amoral, nem sequer apenas pelo mal que fez a Portugal, mas choca-me que a direcção do PS, como outros militantes socialistas, não vejam o óbvio: o ex-primeiro ministro constitui uma mancha no passado e um perigo no futuro do PS, porque corrompe a actividade política com a sua presença, porque menoriza todos os portugueses no mundo, por terem aceite de forma passiva a sua desastrada liderança e porque põe em causa o PS e a democracia portuguesa.

Tenho de recuar até Salazar para encontrar alguém que me tenha desagrado tanto, ainda que reconhecendo a Salazar as qualidades de estadista, de cultura e de preparação política que nunca reconhecerei a José Sócrates. Por isso, interrogo-me constantemente quais as razões que levam tantos portugueses a prolongar a agonia da intervenção política do ex-governante. Interesses? Ignorância? Estupidez? Francamente não sei, mas independentemente das razões a questão central permanece, o que levará a direcção do PS e António Costa – o grande perdedor com estas iniciativas – a permitirem que este convite seja real.

O Partido Socialista vive um tempo de grandes riscos, dependente como está de um processo governativo que não controla, prosseguindo por sua conta e risco, ou por vontade alheia dos partidos à sua esquerda, políticas desajustadas da realidade nacional e internacional, que têm uma fraca probabilidade de serem vitoriosas. O que, nestas circunstâncias, justifica então introduzir na equação uma bomba-relógio chamada José Sócrates?

Há tempo escrevi, de regresso do estrangeiro, que Portugal me surgiu como um manicómio, local onde se sabe que a racionalidade não entra facilmente, onde as coisas acontecem sem qualquer explicação compreensível para o observador externo e onde apenas os médicos e as enfermeiras encontram explicações. Pois bem, as intervenções de José Sócrates e as reacções positivas que provocam, pela dificuldade de explicação, surgem-me também vistas pelo mesmo prisma, como próprias de um manicómio e não de uma sociedade europeia normal.

Finalmente, ainda que a Justiça portuguesa não tenha vindo a ter qualquer apoio dos governos para tratar com a rapidez que o processo Marquês justificaria, os indícios acusatórios têm vindo a densificar-se e penso que alguma justiça será feita. Em qualquer caso, quem pode acreditar que se trata de um caso político, ou que José Sócrates esteja a ser vítima de uma cabala? Aparentemente, bastante gente – e é isso que é preocupante, já que José Sócrates, por si ou com todos os advogados que oficial e oficiosamente o acompanham, não fará história digna de ser lida. José Sócrates, mais tarde ou mais cedo, sairá de cena, mas o País que sofreu e sofre com a sua passagem pela vida política permanecerá e levará muitos anos a resolver os problemas por ele criados.

Repito o que escrevi antes: não compreendo os militantes socialistas que servem de plataforma às diatribes do ex-primeiro ministro e apelaria a que compreendessem o mal que estão a fazer a Portugal e ao PS ao facilitarem o seu regresso.