Carta de um português a Mário Centeno

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Mário Centeno

HENRIQUE NETO

Senhor Ministro das Finanças Mário Centeno,

Peço-lhe pelas suas alminhas que nos proteja do Governo do senhor António Costa e da tentação que ele tem de continuar a ser Primeiro-Ministro por mais quatro anos.

Claro que eu sei que o senhor também faz parte do Governo, mas o senhor sabe de Finanças e tem certamente umas luzes de Economia, estando por isso consciente de que por esta via da geringonça não vamos a lado algum.

Veja que Portugal se afunda mais a cada ano que passa e a dívida que temos de pagar não pára de crescer. Peço-lhe que não dê mais cabo da vida dos meus filhos e dos meus netos, que vão ter de a pagar. Mas pagar como? Eles são licenciados, mas com ordenados de mil euros por mês não vai dar.

Claro, o senhor dirá que eu tenho por aí umas casas que alugo a turistas, mas com o IMI, o IRS, as taxas e todas as dificuldades burocráticas que o senhor Costa vai inventando, já não sei se as casas são minhas ou do Estado e tenho receio de que não sobeje nada para os meus filhos.

Além disso, dizem por aí que o Governo da geringonça não gosta das empresas que ganham dinheiro e gosta mais das que perdem muito dinheiro, como a Ongoing e várias outras, ao ponto de esconder da opinião pública o nome dos caloteiros.

Peço-lho que me diga se isto é verdade, porque tenho de decidir o que fazer com uns tostões que ganhei no tempo em que ganhar dinheiro era bom para o País. Veja que nesse tempo até me elogiavam por criar empresas, mas olhe, no outro dia estive na Irlanda e vi que eles praticamente não pagam impostos e pensei para comigo se não seria melhor investir lá. Que acha?

É verdade, reconheço, a economia portuguesa está finalmente a crescer, dizem que graças a si, mas o senhor sabe bem que isso não vai durar, que os juros vão aumentar um dia destes, além de que a maioria das outras economias da União Europeia crescem mais do que nós.

Li nos jornais, deve ser verdade, que a economia irlandesa cresce mais de 6% e que a República Checa, Eslovénia, Eslováquia e repúblicas bálticas crescem ente 4% e 5% ao ano. Por favor, explique-me a razão, porque eu, apesar de reformado, ainda trabalho todos os dias e vejo toda a gente a ir para o trabalho – o transito está um inferno – nomeadamente agora que há mais empregos.

Também li um texto do Professor Nuno Garoupa, penso que sabe que é uma pessoa muito credível, que dizia que não existe milagre económico nenhum com a geringonça, que desde o nosso António Guterres a economia portuguesa está parada e que os países que referi antes e que eram mais pobres do que nós já nos passaram à frente e têm rendimentos superiores ao nosso.

Pior fiquei quando soube que o rendimento dos portugueses, que era em 1999 de 84% da média europeia, é agora de 78% e que durante a próxima década seremos ultrapassados pela Grécia, Hungria e Polónia.

Sabe, eu conheci bem a Hungria e a Polónia noutros tempos, andei por lá a vender uma coisas, e aquilo era uma desgraça, a indústria era o caos, os salários eram muito baixos e comia-se mal, ainda que eu nunca tenha passado fome, ia a um restaurante Matias qualquer coisa onde se comia mesmo muito bem. Luxos, está bem de ver. Mas agora vão passar à nossa frente e eu não compreendo a razão, talvez o senhor doutor me possa esclarecer, veja lá que eu até achava os polacos um pouco mais dados à poesia e às artes do que à economia, como é possível que agora nos passem à frente? Terá sido com a ajuda do Jerónimo Martins?

A carta já vai um pouco longa, coisa de que não gosto muito porque dá muito trabalho a ler, mas não resisto a dizer-lhe que durante muitos anos andei pelo mundo fora e verifiquei que os pequenos países ou exportavam muito ou estavam feitos.

A razão, aprendi, é que apenas com grandes mercados é possível tirar rendimento das novas tecnologias e dos novos equipamentos, demasiados caros para o meu gosto, mas certamente impossíveis de rentabilizar com produções destinadas a apenas dez milhões de clientes potenciais. Os quais, aliás, preferem os produtos estrangeiros, por serem quase sempre mais baratos. E sabe, as empresas industriais portuguesas que não exportam nunca terão nota para esses investimentos.

Veja lá que me dei ao trabalho de verificar que países europeus da nossa dimensão exportam 40% do PIB e quase me deu uma coisa: além de nós, nenhum. Exportam no mínimo 60% e a maioria 60% a 80%. Claro que a Irlanda é de um outro campeonato e exporta mais de 100%. Fiquei varado, porque nunca li isto nos jornais, ou ouvi dizer isso aos políticos portugueses, nem ao senhor, nem ao senhor Primeiro-Ministro e nem ao Ministro da Economia, mas esse entende-se, fala pouco.

Termino com o seguinte: não espero que responda a estas minhas preocupações, com os cargos que tem em Bruxelas até o compreendo. Mas, por favor, com mais quatro anos de geringonça e de paralisia de ideias para a economia e para o investimento, nacional e estrangeiro, destinado a aumentar as exportações, sem ao menos copiarmos os países que estão a passar por nós, o melhor que o senhor tem a fazer é ficar lá por Bruxelas. Nós, por cá, haveremos de nos desenrascar.

PS: Desculpe mas esqueci-me, há uma solução: a inscrição num partido político, arranjar um emprego no Estado, pedir um empréstimo no banco e não o pagar e, se tiver estômago para isso, entrar numa das redes de corrupção que por aí há.