As virgens da política portuguesa

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Depois de Joe Berardo, foi agora a vez de Luís Filipe Vieira, o filho, o advogado empreendedor Bruno Macedo e o empresário José António dos Santos experimentarem as camas dos calabouços da PSP em Lisboa, para serem ouvidos pelo juiz Carlos Alexandre.

Tudo normal, portanto, porque para além da compreensível azáfama comunicacional das rádios, jornais e televisões, que por algum tempo deixaram o vírus em paz, temos agora as virgens da política, a meias com alguns comentadores da nossa praça que, surpreendidos na sua pacata existência, colocaram em marcha as habituais explicações, quase sempre acompanhadas de alguns ataques sublineares à Justiça, em que Carlos Alexandre, Rosário Teixeira e Paulo Silva são os bombos da festa. O quase centenário programa da SIC “Eixo do Mal” abriu as hostilidades e, de chalaça em chalaça, lá vai cumprindo a sua função de transformar fenómenos conhecidos e relativamente simples de corrupção, numa confusão em que ninguém se possa entender.

A cada novo processo que a Justiça leva a cabo e a partir do momento em que se tornam conhecidos, desenrolam-se sempre os mesmos acontecimentos:

1 – Aparente surpresa geral e grande alarido na comunicação social, que habitualmente exagera nos meios e nas horas que devota ao assunto.

2 – O poder político vai às gavetas da memória e afirma aos quatro ventos que se trata de um problema da Justiça e esperam que esta seja feita bem e depressa. Claro que o topo do poder político já tinha sido informado com antecedência e preparou os participantes envolvidos a organizar a defesa possível, nomeadamente através dos comentadores amigos que afinam a argumentação necessária, sendo que a fórmula habitual é a reafirmação do princípio da presunção de inocência, a pouca vergonha das prisões sem julgamento e a enumeração dos erros anteriores da Justiça em geral e do Ministério Público em particular. A seguir seguem-se os ataques às personalidades do costume, Carlos Alexandre, Rosário Teixeira e Paulo Silva, impenitentes e viciosos justiceiros sedentos de popularidade.

3 – A opinião pública e a publicada dividem-se entre os que justificam a fatalidade de tais acontecimentos pelas mais diversas razões, os que consideram que talvez não tenha sido tanto assim e os que já esperavam que aquilo acontecesse e tentam perceber os pormenores e o universo dos envolvidos.

4 – O Presidente da República, que habitualmente fala sobre tudo, nestes casos tem a cassete pronta para dizer que não comenta os casos em segredo de justiça, segredo que ele sabe não existir, enquanto o primeiro-ministro… Bem, não digo porque os leitores já sabem.

Neste contexto, podemos assim afirmar que existe um clima geral de irresponsabilidade entre aqueles que poderiam fazer alguma coisa para corrigir o que está mal e evitar que esta sucessão de casos de polícia se repita. Do ponto de vista do Governo, a fórmula de atirar tudo para a Justiça resolve o assunto à nascença, o que seguido do cerceamento dos meios necessários para a investigação na Polícia Judiciária e na Justiça, permite aos acusados e aos gabinetes de advogados negar os factos, nomear testemunhas sem fim, provocar os mais variados entraves durante o julgamento e enviar depois, uma e mais vezes, os processos para a Relação, para o Supremo e para o Tribunal Constitucional. Assim, a irresponsabilidade e a impunidade podem continuar a governar o País.

Uma outra fórmula instituída pelo Governo do PS permite lateralizar os problemas antes da sua chegada à fase da Justiça, seja através da surdez da Assembleia da República que não fiscaliza os governos, seja pela apatia das oposições. Segue-se depois a recusa dos ministérios a fornecer esclarecimentos a tudo que seja perguntas oriundas da sociedade ou de instituições da sociedade. Questões como a política ferroviária, o novo aeroporto, a venda das barragens pela EDP, o Novo Banco, a TAP, os Kamov e outros meios de combate aos incêndios, como o CIRESP, são temas anunciados para um dia chegarem à Justiça, mas que o Governo trata como não existentes. Isto é, à Justiça tudo o que já lá chegou e tudo o mais que um dia lá vai chegar.

Em resumo, a Justiça continuará a cumprir o seu papel com os escassos meios que tem, os gabinetes de advogados têm trabalho garantido, os criminosos continuarão a tentar morrer antes dos processos transitarem em julgado de forma definitiva e o Governo, e o partido que o apoia, confiam que a Justiça mantenha a aparência de uma certa estabilidade, sem ter que fazer as reformas que a sua indolência e a sua fraca vontade impedem.

Por todas estas razões, suponho que nos próximos tempos entrarão novos processos no debate, agora que a opinião pública percebeu que os ladrões também podem ser acusados e a respectiva comissão da Assembleia da República possa continuar a levantar a caça. Entretanto, há muito que o governo de António Costa só receia a publicação de mais novidades inconvenientes nos jornais e essa é a preocupação dominante, como o foi nos anteriores governos do PS de José Sócrates. Ou seja, os comentadores de serviço nas televisões vão ter muito que fazer porque o povo, dizem, é sereno.

Aliás, já temos em mãos o caso Victor Fernandes. Trata-se de um processo que mostra, de forma evidente, o compromisso do Governo com a corrupção, na medida em que o PS e António Costa acham natural nomear um companheiro de Santos Ferreira e de Armando Vara na administração da Caixa Geral de Depósitos e no assalto ao BCP para presidente do Banco de Fomento, a fim de gerir os fundos da bazuca europeia. Que este Victor Fernandes publique que tem a idoneidade e a competência necessárias para este novo cargo, refugiando-se na colegialidade para não explicar porque nunca deu por nada nos créditos concedidos, sem garantias, de milhares de milhões de euros que deitaram abaixo todo o edifício financeiro em Portugal, é preciso ter lata.

Mas não tanta quanto António Costa, que sempre esteve por detrás de Sócrates e agora mostra, com esta nomeação, que permanece fiel à equipa. ■