O Governo espanhol, através da ADIF, informou ir fazer um investimento de 42 milhões de euros na electrificação da linha ferroviária entre Salamanca e Portugal, mantendo o seu traçado em bitola ibérica. Acontece que em coincidência temporal o Primeiro-Ministro espanhol, Mariano Rajoy, fez uma declaração pública no dia do 25º aniversário da alta velocidade em Espanha, afirmando que o seu país está empenhado em terminar os seus investimentos na ferrovia de 17.000 milhões de euros, tendo já concretizado 13.000 milhões, em que a esmagadora maioria destes investimentos são em bitola europeia. Ou seja, por que razão vão os espanhóis gastar 42 milhões de euros numa via em bitola ibérica quando a sua estratégia, que estão a concretizar, é a de mudar a sua ferrovia para bitola europeia com o objectivo de ligar a economia espanhola à Europa?
A resposta a esta questão parece ser simples: os espanhóis também estão a investir em três plataformas logísticas, em Zaldeza (Salamanca), Galiza e Badajoz, todas próximas da fronteira portuguesa – ao Centro, ao Norte e a Sul – ou seja, em vista da total ausência de visão e de competência dos governos portugueses, os espanhóis preparam-se para transportar para a Europa, em bitola europeia, as exportações portuguesas a partir de qualquer destas plataformas, dado que Portugal não tem um único quilómetro de ferrovia em bitola europeia. Mais grave, o actual Governo português já decidiu modernizar a linha da Beira em bitola ibérica, isto é, coloca-se ao lado do Governo espanhol na tarefa de condicionar o acesso da economia portuguesa à Europa por via férrea.
Entretanto, é bom que se diga que os espanhóis aproveitaram ao máximo os fundos comunitários nestes seus investimentos e Portugal desperdiçou fundos europeus de 85% do custo dos investimentos possíveis, quer para a construção de uma nova via em bitola europeia entre Sines/Poceirão e Espanha, quer entre o eixo Aveiro-Leixões até à fronteira. Fundos totalmente perdidos, quando se sabia que o eixo ferroviário do Atlântico era uma das prioridades da União Europeia e nada foi feito para aproveitar esses fundos, apesar de informados pelos mais diversos especialistas portugueses, que andam há anos a avisar os sucessivos governos de que estão a transformar Portugal numa ilha ferroviária dependente da Espanha para o transporte das nossas importações e exportações de e para a Europa.
O anterior Presidente das Infraestruturas de Portugal, António Ramalho, e o secretário de Estado do anterior Governo, Sérgio Monteiro, têm nesta traição aos interesses da economia portuguesa uma particular responsabilidade, porque foram avisados mais de uma vez, mas todos os governos desde Durão Barroso na Figueira da Foz até o actual Governo de António Costa, por omissão e por ausência de estratégia, têm as mãos sujas, porque cometeram erros graves que a economia portuguesa e os portugueses terão de pagar, erros a juntar a todos os outros desmandos conhecidos. E não argumentem com a falta de recursos financeiros, porque esses sempre estiveram disponíveis para autoestradas sem carros, para as desastradas parcerias público-privadas, para os postos de abastecimento dos carros eléctricos que não existem, ou até para um aeroporto em Beja e um porto no Barreiro, para já não falar dos estádios e demais obras faraónicas do regime.
Como afirmado na Carta Magna da AIP de 2003, a logística é um dos três principais recursos nacionais, a par dos recursos humanos e dos sistemas de informação. Pois é esse recurso, essencial ao futuro de Portugal, que por ignorância e interesses diversos está a ser atraiçoado, com o perigo de maior dependência de Espanha, o que os nossos antepassados evitaram durante quase nove séculos.