A Assembleia da República é a terceira instituição da democracia portuguesa que não cumpre minimamente a sua missão, depois das instituições Primeiro-Ministro e Presidente da República, o que completa este ciclo de três textos. Trata-se das três instituições que têm conduzido Portugal para o empobrecimento, para o atraso relativamente aos outros povos europeus e para a dependência da solidariedade da União Europeia.
Mais quatro anos de maioria absoluta só poderão piorar esse atraso de Portugal no contexto da União Europeia, sendo de esperar que perante as crescentes dificuldades do país venhamos a assistir, com as devidas diferenças, a uma certa russificação do nosso regime político, concretamente no que respeita à crescente fuga da realidade. Não sendo indiferente que os deputados da maioria tenham sido escolhidos com a bênção de António Costa e não pelos eleitores, que se limitaram a aceitar, ou não, a escolha. Ou seja, António Costa tem os deputados no bolso e nunca acontecerá em Portugal o que acaba de acontecer no Reino Unido, onde os deputados da maioria governamental substituíram o primeiro-ministro. No nosso caso já não seria sem tempo, mas não é provável.
Há obviamente as diferentes oposições que poderiam fazer a diferença e funcionar como um verdadeiro Parlamento num regime democrático. Todavia são oposições que chegam de campos diametralmente opostos, que se consomem na luta partidária de todos contra todos, incapazes de fazer verdadeira oposição à maioria e de ter propostas pensadas e suficientemente competentes para fazerem a diferença e constituírem uma verdadeira alternativa, além de capazes de vencer a barreira de propaganda do PS e do Governo. Ora isso não acontece, nomeadamente pela crescente perda de qualidade dos deputados em geral, demonstrando, além disso, que as colunas vertebrais dos deputados se fragilizam com a passagem do tempo.
Acontece que mesmo as decisões aprovadas na Assembleia da República podem não ser cumpridas pelo Governo de António Costa. Recordo várias decisões sobre o Metro de Lisboa e sobre a ferrovia em geral, entre outras, que o Governo não se incomodou em cumprir, usando o chamado veto de bolso. Veja-se ainda, por exemplo, o sucesso da campanha do PS de demonização do Governo de Pedro Passos Coelho, que teve a imensa tarefa de resolver a tragédia que foi o legado do PS de José Sócrates, sem que a oposição, nomeadamente do PSD, tenha sido capaz de repor a verdade no Parlamento.
Aproveito para dar alguns exemplos concretos de erros óbvios e evidentes do Governo de António Costa e que demonstram a inutilidade do Parlamento para combater a irracionalidade desses erros:
Ferrovia – o Governo fez a escolha de manter a bitola ibérica na ferrovia, tornando Portugal numa ilha ferroviária e deixando de cumprir as directivas da União Europeia para a intermutabilidade ferroviária da Europa, além do problema criado às exportações portuguesas, perante a incapacidade do Parlamento de fazer um debate sério e competente da questão. Veja-se o absurdo de haver proximamente uma reunião ibérica, em que Portugal vai defender uma ligação ferroviária de bitola ibérica entre Lisboa e Vigo e a Espanha a defender uma ligação em bitola UIC entre Madrid e Lisboa. Trata-se de uma estupidez de todo o tamanho do Governo de António Costa, que passa sob o olhar despreocupado do Parlamento.
Aeroporto – perante a incapacidade do Governo de fazer uma escolha sobre a localização de um novo aeroporto, o Parlamento não tem opinião e mostra-se incapaz de demonstrar o óbvio: (1) que não foi ainda feito um estudo sério sobre a verdadeira capacidade da Portela e sobre a sua previsível longevidade; (2) que não foi feito o debate sobre se a Portela tem, ou não, as condições de segurança e de protecção do ambiente necessárias, dada a sua existência no meio da cidade; (3) não foi feito o debate sobre as vantagens económicas e financeiras da localização do aeroporto a Norte do Tejo, sabendo-se que a localização a Sul implicará uma nova ponte, ou túnel, além de novas vias rodoviárias e ferroviárias, quando a Norte a nova ferrovia Lisboa /Porto assume essa função e a auto-estrada já existe; (4) não foi feito o debate sobre se o novo aeroporto deve ser público ou privado.
Leis eleitorais – aparentemente, a generalidade dos portugueses, incluindo os políticos, queixa-se da baixa percentagem de eleitores que votam, mas o debate sobre a reforma das leis eleitorais é apenas simulado e a questão parece não ser matéria de interesse para o Governo, tanto como para as oposições, ou seja, a total inutilidade do Parlamento nesta matéria.
Modelo económico – nunca foi feito um verdadeiro debate sobre este tema, nomeadamente: (a) sobre o que deve ser público e o que deve ser privado; (b) se devemos ter uma economia baseada principalmente na indústria ou no turismo e o que fazer em cada caso; (c) sobre qual o papel do investimento estrangeiro; (d) sobre se devemos privilegiar o mercado interno ou as exportações; (e) sobre qual a preferência a dar às pequenas e média empresas versus as empresas de grande dimensão, ou o inverso; (f) as causas as baixa produtividade nacional.
Educação – não existe uma estratégia nacional para a educação e o tema é tabu no Parlamento. Após quase meio século depois do 25 de Abril, e depois da chamada revolução educativa, Portugal tem um dos mais baixos índices educativos da Europa e o primeiro-ministro justifica o atraso do nosso crescimento económico, em relação aos países satélites da antiga União Soviética, devido às diferenças educativas. Também ninguém se preocupa, e menos de todos a Assembleia da República, em reconhecer a importância decisiva das creches e do pré-escolar no combate à pobreza e à ignorância de muitos milhares de famílias portugueses. Ou a importância do transporte escolar na assiduidade e na disciplina nestas duas fases da vida das nossas crianças.
Corrupção – o Parlamento foge de tratar o caso da corrupção como o diabo foge da cruz. Os senhores deputados estão contentes com as suas mordomias, com os seus gabinetes de advogados e com os seus negócios familiares ou outros, para que mexer no assunto seja muito “sexy”. Preferem os temas do sexo dos portugueses, do bem-estar dos cães e dos gatos e pouco mais.
Em resumo, o Parlamento português é uma verdadeira anedota, tão risível como inútil. Quando passei por lá era, apesar de tudo, um pouco melhor, mas, mesmo assim, fugi ao fim dos quatro anos do contrato. Claro que nestas coisas há sempre alguém que foge à regra geral de irrelevância, mas, por isso mesmo, as direcções parlamentares lá estão para enviar esses deputados para a última fila, onde não se passa nada. ■