A ética no trabalho

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As trinta e cinco horas semanais de carga laboral regressam à função pública a partir de Julho. O problema português não é trabalhar 35 ou 40 horas por semana, o problema português é outro.

Qualquer pessoa sabe que trabalhar de forma motivada e produtiva e menos tempo acaba por ter mais rendimento do que fingir que se trabalha muitas horas. Por outro lado, a família e os filhos, o lazer e o descanso são tão importante como o trabalho. Colocar a bitola nas quarenta horas é apenas mais um dos complexos portugueses dos dirigentes que acham que o trabalhador faz pouco e que uma espécie de escravatura indiferenciada fará a diferença na competitividade globalizada.

Apostar apenas na carga de trabalho é um sintoma de que o modelo de desenvolvimento pretendido para Portugal é um modelo do Terceiro Mundo, o número de horas de trabalho não se traduz em produtividade ou, pior, em alto valor acrescentado. As quarenta horas fazem apenas sentido em lugares de serviço ao público, empregados de mesa, empregados de hotel e de bar, lavagens automóveis, agricultura; não fazem sentido em actividades de investigação ou retaguarda em que demasiadas horas de trabalho conduzem a maior cansaço e, portanto, menor rendimento.

Por outro lado, mais horas de descanso contribuem para a economia do lazer, desporto, actividades culturais, que são das indústrias que mais contribuem, hoje em dia, para o crescimento do PIB.

Finalmente, menos horas de trabalho são um avanço civilizacional, na senda da realização individual plena e na consagração à vida familiar e à educação dos mais próximos. Seria um objectivo a atingir por toda a sociedade e, em actividades de baixo valor acrescentado, permitira reduzir o desemprego dos mais desfavorecidos.

Fica para o final o problema da ética no trabalho. A falta de ética dos dirigentes políticos de Portugal, a sua falta de interesse na causa pública e mais nos seus interesses privados é um sintoma da decadência da sociedade portuguesa. Os políticos emanam de uma sociedade mesquinha, analfabeta e arrivista, e o seu mau exemplo é contagioso e realimenta a falta de ética dos demais.

Naturalmente, devido a factores atávicos, e, por outro lado, devido ao mau exemplo das classes dirigentes e da escassez de verdadeiras elites portuguesas, o trabalhador português não tem ética no trabalho. Os taxistas roubam os clientes, os pedreiros que nunca vêm nos dias marcados, os canalizadores que deixam tudo atamancado, os electricistas manhosos, os fiscais do gás que trabalham com companhias por detrás para “reparar” as instalações que falsamente chumbaram, as vendas de imóveis com problemas que não são revelados aos compradores pelas imobiliárias, as tretas dos vendedores das companhias de telecomunicações, os restaurantes que aldrabam nas contas, os mecânicos que mudam velas e debitam motores inteiros, os funcionários públicos que passam 40 horas por semana a fingir que trabalham para depois pedirem horas extraordinárias, os bancários que aldrabam os clientes com produtos para conseguir melhores comissões – a lista de esquemas e aldrabices lusitanas é interminável.

O problema do trabalho português é grande, é um problema de ética de políticos, de patrões, de dirigentes e dos próprios trabalhadores, é também um problema de educação e de qualificação. Nada tem a ver com as 35 horas de trabalho por semana e só se conseguirá resolver com educação, cultura e exemplo.