Exército português a saque

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Foi noticiado o furto de material militar sensível do paiol de Tancos. Trata-se de material cujo fim é matar numa escala já razoável. Havia recentes notas de leniência na vigilância de material militar, nomeadamente em termos de armas ligeiras e respectivas munições que repetidamente têm sido furtadas de instalações militares que deveriam estar fortemente guardadas.

Este furto transcende o normal e comezinho, mas altamente reprovável, furto habitual na tropa, o dispenseiro que rouba batatas, o sargento que vai à gasolina, o coronel que usa a viatura e o motorista para seu uso pessoal e familiar, o oficial que utiliza a mão de obra militar para fazer umas obras numa propriedade sua, os oficiais que desviam quantidades consideráveis de bens das messes e dos abastecimentos ou que viciam concursos para receberem luvas e comissões.

Este furto, roubo como tem sido chamado, é mais espectacular, é mais impressionante. A sua espectacularidade é um sinal de alerta que não pode ser ignorado, não pode ser mais um de uma multitude de roubos, de sinais de que a instituição militar já nem sequer se consegue guardar a si própria. Já não é um sinal, é uma demonstração. O exército já não tem, de facto, meios para se guardar a si próprio. O exército português é neste momento motivo de chacota por toda a Europa e dentro da Nato. O roubo de munições pesadas que exige um transporte pesado numa instalação que ficou sem vigilância durante 20 horas, em que há redes danificadas, em que não há um miserável alarme de detecção de movimento ou uma câmara de videovigilância. É a prova da mais profunda incompetência ao nível das chefias e um tremendo sinal do desrespeito a que o Estado votou a instituição militar.

Geralmente, o que o exército fazia era bem, mas a leniência instalou-se, as forças militares são referidas pela sociedade em geral, muitas vezes erradamente, como uma instituição em que “não se faz nenhum”, em que se come e bebe à custa do Estado, em que toda a gente rouba, do sargento ao oficial superior; e os exemplos anteriores, amplamente noticiados pela imprensa, são péssimos indicadores do estado de apatia perante a roubalheira a que as chefias militares chegaram.

Os meios são escassos. Desde Fernando Nogueira, quando Cavaco Silva era primeiro-ministro, que se tem desinvestido nas forças armadas. Instalou-se uma atmosfera de desânimo, os que roubam são camaradas de armas e foram colegas de curso dos honestos, estes fecham os olhos e olham para o lado. A polícia judiciária militar é uma instituição ridícula em termos de meios. Não existe uma inspecção séria e frequente, não existem mecanismos de regulação e vigilância dos próprios recursos militares e de auditoria interna. Os procedimentos são laxistas. O poder político reduziu a instituição castrense a uma farsa de fazer de conta e os militares alinham no embuste.

O Chefe de Estado-Maior exonerou seis oficiais superiores sem quaisquer procedimentos formais. Está no seu direito, estará certamente a ser injusto, mas não é justiça que se está a aplicar, está-se a dar um exemplo. Talvez este roubo tenha um lado positivo, apesar dos crimes porventura hediondos que se possam praticar com estes meios agora na posse de criminosos: o de criar mecanismos inspectivos, o de criar uma unidade de fiscalização interna séria e equipada. Os escassos meios ainda serão menores se forem sistematicamente roubados por gente de dentro da instituição e, neste roubo, tudo aponta para que a informação, senão a acção, tenha partido do interior das próprias forças que conhecem como ninguém o laxismo e as falhas tremendas de segurança.

Ficam duas notas: o ministro da Defesa assume responsabilidade política pelo facto, todos os ministros da Defesa dos últimos quarenta anos, e os seus partidos, deviam assumir essa responsabilidade. Todavia o ministro não tira a única consequência devida, nem o primeiro-ministro, que seria apenas e só a demissão imediata. A segunda nota é a enxurrada de exonerações quando se roubam granadas, mas nenhuma quando se matam dois homens num curso de comandos, em que seriam precisos inquéritos e mais inquéritos e que culminaram com um fim-de-semana de convívio no quartel. É evidente que roubo de material parece estar acima da vida humana, para Rovisco Duarte.