Artigo de Marcelo Rebelo de Sousa sobre a Constituição

2
3295

Manuel Silveira da Cunha

No ‘Diário de Notícias’ de Domingo de Páscoa, Marcelo Rebelo de Sousa, assinando como Presidente da República, faz uma breve panorâmica dos quarenta anos de Constituição da República Portuguesa.

É um texto enxuto, pouco denso, simples, de cinco mil e quatrocentos caracteres, o que se traduz por página e meia A4 escritas num formato normal.

Marcelo não foge de algum comentário ao que se passou no após vinte e cinco de Abril de 1974, e bem o faz; no entanto foge, como o diabo da Cruz, de criticar o actual texto constitucional.

A Lei fundamental tem erros técnicos crassos, como se revelou na anterior crise política, que deixam a um presidente pouco escrupuloso uma margem de manobra enorme para realizar um golpe de Estado constitucional. Basta pensar que o presidente pode demorar um tempo indefinido a decidir uma solução de governo. Por outro lado, os prazos constitucionais para marcar e realizar eleições, publicar resultados e tomadas de posse subsequentes são gigantescos, podendo uma queda de governo e tomada de posse do seguinte demorar entre quatro a seis meses. A marcação das eleições legislativas para Setembro ou Outubro, o mês mais habitual, é um disparate, uma vez que nunca um novo governo poderá elaborar um orçamento a tempo, e se existe um Cavaco pelo meio, o Orçamento só entra em vigor em Abril do ano seguinte, o que é gravíssimo para o funcionamento do país e para os seus compromissos.

A questão de regime também se faz sentir, a constituição ainda tem resquícios marxistas; e pior: considera que, mesmo que o povo decida em contrário, a república é o governo eterno do país, esquecendo que Portugal foi grande e democrático em Monarquia, e que a Monarquia pode ser a forma de democracia mais avançada do mundo, como se pode constatar na Holanda, Suécia, Dinamarca, Noruega, Inglaterra, Japão, todos países muitíssimo acima de Portugal no índice de desenvolvimento humano.

Não se esperava que o presidente fosse criticar a constituição, o texto teria de ser institucional e laudatório, a constituição teve a virtude, apontada por Marcelo, de servir para acomodar todas as vontades e fazer dissipar tensões, nunca um presidente poderia ser o motor de uma revisão constitucional, embora não ficasse mal ao presidente, especialista e constituinte original, apontar erros técnicos e promover a sua remoção e agilização do processo democrático num tempo em que a informação circula muito mais depressa do que há quarenta anos, altura em que o primeiro-ministro inglês reeleito continuava em Downing Street na noite das eleições ou na noite seguinte se houvesse uma nova clara maioria e em que os deputados ingleses tomavam posse no momento da contagem dos votos, isto desde há séculos.

O que se esperava era que Marcelo não desse erros ortográficos, e deu. Esperava-se que Marcelo fosse menos parolo no uso do putativo acordo ortográfico de 1990. A ortografia não se define por lei mas por cultura, e escrever de forma boçal não se enquadra na visão que os portugueses esperam de um professor universitário, supostamente instruído e culto, como Marcelo Rebelo de Sousa. Ao utilizar o português prostituído, Marcelo começa a deixar de ser o presidente de todos os portugueses…