SIRESP e outros negócios de Costa & Sócrates

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O Sistema Integrado das Redes de Emergência e Segurança (SIRESP), além de não ter sido servido para quase nada em muitos incêndios, incluindo os de 2017 – que resultaram na maior área ardida combinada de toda a Europa e mais de cem vítimas mortais –, foi adjudicado, misteriosa e conjuntamente, em 2006, por Sócrates, enquanto primeiro-ministro, e Costa, então seu ministro da Administração Interna, por um preço cerca de 500 por cento superior ao seu real valor. Isto segundo o que vários peritos revelaram à jornalista Ana Leal, em reportagens transmitidas pela TVI. Como, durante 15 anos, os contribuintes perderam 600 milhões de euros em algo que lhes serviu para tão pouco? 

O actual ministro da Administração Interna, Eduardo Cabrita, “apparatchik” e típico cúmplice do aparelho do PS – quer de Sócrates & Costa, quer de quem lá vier a seguir –, está a negociar prolongar o contrato do SIRESP por mais de 18 meses, período de transição dos serviços da parceria público-privada para o Estado. A 30 de Junho de 2021 termina o contrato e o Governo está a tentar, sem planeamento e em cima do joelho, como é seu costume, logo com pouca alavancagem negocial com o parceiro privado, cobrir a época dos incêndios e adiar a resolução de um problema que já nasceu torto e irresolúvel desde o início. 

Tal como Sócrates conseguiu afastar Manuela Moura Guedes da TVI, em 2009, enquanto era primeiro-ministro – não fosse ela então desvendar casos seus só agora revelados depois de prescritos –, também a jornalista Ana Leal, segundo a própria revelou no semanário ‘Sol’, tornou públicas as pressões de Costa sobre a direcção da TVI para que a despedissem. Isto terá acontecido devido às investigações de Ana Leal sobre como Costa fez desaparecer no SIRESP 600 milhões dos contribuintes. 

Sabemos agora, infelizmente só depois da maioria dos crimes de corrupção prescritos, o que Sócrates tinha a esconder das reportagens na TVI. Tem Costa algo a ocultar que não conviesse ser revelado na TVI a partir do final de 2020, altura em que Anal Leal teve de se demitir daquela estação de televisão? 

Ao contrário do que o nome indica, o SIRESP, na realidade, não tem servido nem para emergências, nem para a nossa segurança. Além da já referida ausência de resultados nos fogos, segundo o seu contrato indica na secção 17, ninguém a quem o Estado tanto paga é responsabilizado em vários casos óbvios de emergência e segurança, como cataclismos naturais, explosões ou tremores de terra. Nem sequer no caso de relâmpagos ou inundações graves o SIRESP tem de intervir! Ou seja, pagamos centenas de milhões de euros por um serviço de emergência que não é obrigado a funcionar em várias situações críticas! Claro que, em geral, contratos-modelo de prestação de serviços, por exemplo no caso de espectáculos, invocam tais motivos de força maior, mas isso faz pouco sentido quando de um serviço pago especificamente para conseguir agir eficazmente em emergências.

O contrato do SIRESP é, portanto, mais ou menos como se fizéssemos um dispendioso seguro de saúde em que, caso ficássemos doentes, a companhia seguradora não tinha obrigações connosco. Haverá gente tão pouco inteligente que assina e paga – caro – contratos assim? Sim: os governantes do PS, quando se trata do nosso dinheiro. Serão só pouco inteligentes… ou pior? Para que serve e tem servido o SIRESP? Se não é para assegurar a nossa segurança em tantas emergências, porque pagaram Sócrates e Costa tanto do nosso dinheiro? Nós não ganhamos nada. E eles? 

Da comunicação social censurada através de despedimentos por pressão do PS, dificilmente ouviremos mais respostas. Ana Leal, recorde-se, foi obrigada a demitir-se da TVI em Setembro de 2020, depois de no dia 10 de Março desse mesmo ano a direcção da estação ter suspendido o programa que encabeçava e, quinze dias depois, dissolver a equipa de investigação jornalística que liderava. Curiosamente, o demasiado lisonjeiro Polígrafo/SIC, a 4 de Março de 2020, ainda insistia em que era “falso” que uma verdadeira jornalista como Ana Leal, só subserviente à verdade, fosse obrigada a demitir-se. 

A jornalista descobriu que, no início, o SIRESP foi adjudicado por Costa & Sócrates por 485 milhões de euros, mas na realidade só deveria ter custado 80 milhões de euros, valor pelo qual os peritos o avaliaram. Segundo o autor do primeiro estudo sobre o SIRESP, Almiro de Oliveira, o dinheiro pago por Costa representou por isso “um múltiplo que não se consegue justificar”. O presidente do Instituto de Telecomunicações, Carlos Salema, também afirmou que tal valor “não é nada normal”. Curiosamente, a procuradora Cândida Almeida, claro, arquivou o processo, sem que o DCIAP se tenha dignado ouvir estas duas importantes testemunhas reveladas por Leal. 

Portanto, da Justiça igualmente controlada, com a cúpula nomeada pelo PS, também não obtivemos – nem obteremos a curto prazo – nenhuma resposta sobre o SIRESP. Isto, como se viu de novo com Sócrates, livre de tantos crimes de corrupção, entretanto prescritos, mágica e subitamente, por um acórdão do Tribunal Constitucional, com o envolvimento de um ex-presidente e um actual presidente desse tribunal, ambos nomeados pelo PS, como ficamos a saber pela jornalista Sandra Felgueiras, da RTP. Esta é uma das poucas verdadeiras jornalistas que ainda não foi “dispensada”, apesar de repetidamente impedida de investigar, devidamente, quer os negócios de Sócrates no passado, quer os actuais de Costa. 

Não nos parece que tenha sido por acaso que Sandra Felgueiras fosse silenciada no “Sexta às 9”, em Setembro de 2019, pela directora da RTP, Maria Flor Pedroso, uma prima de Costa. Flor Pedroso adiou para depois das eleições legislativas, de Outubro de 2019, um programa com revelações gravíssimas sobre a concessão do nosso lítio em Montalegre pelo secretário de Estado João Galamba. Um negócio de 500 milhões de euros com uma empresa então com dois dias, a Lusorecursos, pertença de Jorge Costa Oliveira, um amigo de António Costa. Segundo o ministro do Ambiente, Matos Fernandes, afirmou na RTP a 30 de Abril de 2021, este contrato agora vai ser revogado em Agosto, por “falta de profissionalismo” da Lusorecursos. Sê-lo-ia se não fosse a investigação da jornalista Felgueiras? Se a empresa não tinha profissionalismo como foi, então, o Governo tão rápido a conceder a um amigo de Costa tamanho negócio? Significativamente, outro amigo de Costa, Lacerda de Machado, também esteve envolvido nas negociações do SIRESP e da TAP.

Os jornalistas que Sócrates, Costa e os ministros vindos da JS valorizam, tal como Orban o faz, não são profissionais corajosos como Felgueiras ou Leal, mas gente como o Nicolau “do Laço” Santos, que agora vai para presidente do conselho de administração da RTP. Este, segundo o jornal ‘Observador’, já tem contra ele uma providência cautelar interposta por Coelho da Silva, em Abril de 2021, que alega, claro, que sempre que este PS está envolvido, há irregularidades no recrutamento.

Relembremos que já anteriormente o mesmo Nicolau, depois de uma “brilhante” carreira no ‘Expresso’ a elogiar Costa & Sócrates, convidando até falsos peritos da ONU para defender teses mirabolantes que os beneficiavam, foi recompensado e nomeado por Costa para presidente do conselho da administração da agência Lusa. Aí, sempre que no jornal ‘Financial Times’ havia a mínima notícia favorável ao governo, a Lusa fazia logo grandes “press releases”. No entanto, quando o mesmo jornal expunha contra-argumentos demolidores sobre o governo, impunha a lei da rolha. 

É de gente assim que este governo Costa gosta. Será que com Nicolau Santos à frente da RTP Sandra Felgueiras poderá pretender fazer reportagens que minem outros negócios de amigos de Costa – e que envolvam os nossos milhões? ■