Ao longo da história da filosofia, já foi mil e uma vezes salientada a relação essencial entre o pensamento e a linguagem. Esta não é apenas um mero instrumento que o pensamento usa para se exprimir. Dado que todo o pensamento é sempre já verbal – ou seja, dado que não há um pensamento que exista antes da linguagem –, a linguagem é, dir-se-ia, a “matéria” através da qual o pensamento se corporiza, se constitui.
No decurso da minha formação filosófica, o autor que foi mais determinante na sinalização dessa relação essencial entre o pensamento e linguagem foi o alemão Martin Heidegger. Ao longo de toda a sua obra, essa sinalização é, com efeito, uma constante. Daí que o exercício do pensamento em Heidegger seja, desde logo, um exercício linguístico. Ninguém mais do que ele, no século XX, explorou os limites da língua alemã.
Sendo eu português, considerei então que o meu futuro filosófico deveria passar por um trabalho análogo com a língua portuguesa. Daí o meu interesse por alguns filósofos que, em Portugal, independentemente das teses defendidas, fizeram com a língua portuguesa um trabalho análogo ao que Heidegger fez com a língua alemã. Independentemente das teses defendidas – que são de facto muito diferentes –, o filósofo português que mais me interessou foi então José Marinho: a meu ver, ninguém mais do que ele, no século XX, explorou os limites da língua portuguesa.
Daí também, tal como em Heidegger, todo o interesse de José Marinho, que acompanhei, para linguagem poética – nomeadamente, pela linguagem poética de Teixeira de Pascoaes, o seu poeta de referência. Daí ainda a sua teorização do conceito de “filosofia situada”, que desenvolveu em vários textos, em diálogo com o seu “irmão espiritual” Álvaro Ribeiro, autor da célebre obra “O Problema da Filosofia Portuguesa” (1943), que muita polémica causou na altura.
Nessa obra, em particular, expõe Álvaro Ribeiro a sua visão da “filosofia portuguesa” e de como esta é expressão (máxima) da própria língua portuguesa – nas suas palavras: “a filosofia só irrompe da sua originalidade quando atinge, pelo vigor e pela autonomia da expressão, e dentro da particularidade de cada idioma, um modo próprio de existência” (p. 11); “Vencer a opacidade do idioma português, dar a expressão dialéctica ao tipo de imaginação e de ideação que nas obras de arte se revela em beleza exuberante, dar transcendência à subjectividade, é – exactamente por virtude da imagem verbal como pela força do raciocínio – desvendar a existência de uma autêntica filosofia nacional.” (pp. 73-74).