Para Manuel Ferreira Patrício (1938-2021), Mestre e Amigo
A obra de Raul Leal tem suscitado os mais diversos qualificativos – ora mais encomiásticos, ora, sobretudo, menos abonatórios –, mas nós partiremos aqui do qualificativo, relativamente neutro, de “excêntrico”. Sendo que procuraremos atestar a extrema coerência de Raul Leal, ainda que na sua “excentricidade”.
Com efeito, se algo caracteriza o pensamento filosófico de Raul Leal é a sua procura de superação, de estilhaçamento, das categorias clássicas. Face à sua crítica radical, todo o edifício conceptual da filosofia, tal como historicamente se foi consolidando, parece, ainda que por um mero instante, desmoronar-se.
A essa luz, existe uma evidente afinidade entre Raul Leal e Nietzsche – pois, tal como o filósofo português, também o filósofo alemão procurou, como é sobejamente sabido, desmoronar todo a filosofia europeia – desde a sua origem grega, mais exactamente, socrática, mais exactamente ainda, platónico-aristotélica. Sendo que, se em Nietzsche esse gesto parece ter sido mais destrutivo do que (re)construtivo, em Real Leal, na sua “excentricidade”, parece haver um maior desiderato de (re)construção.
Para o atestar, atentaremos aqui nalguns textos seus, de cariz mais filosófico-político, onde procuraremos igualmente salientar, conforme o antecipado, a sua extrema coerência. Com efeito, nos seus textos de cariz mais filosófico-político, Raul Leal não se limita a estilhaçar as categorias clássicas. No mesmo gesto – ou, mais exactamente, num gesto cumulativo (à maneira, dir-se-ia, de José Marinho…) –, Raul Leal propõe também uma “síntese”.
Por isso, ocioso será sempre procurar classificar Raul Leal à luz das categorias mais convencionais: terá sido um filósofo de “(extrema-)esquerda”?, de “(extrema-)direita”? Na verdade “excêntrica” de Raul Leal, ele foi tudo isso – excepto, claro está, um filósofo “de centro” ou “centrista” –, sendo que nenhum desses qualificativos o caracteriza suficientemente, sequer de forma aproximada. Com muito mais razão poderia Raul Leal dizer o que Agostinho da Silva disse de si próprio: “A direita me considera como da esquerda; esta como sendo eu inclinado à direita; o centro me tem por inexistente. Devo estar certo”.
Daí, em suma, essa sua procura de uma “síntese”, de uma, nas suas próprias palavras, “fusão absoluta integral – como ele próprio escreveu, a respeito do seu “Sindicalismo Personalista”: “É nesta ordem de ideias que o Sindicalismo Personalista é a fusão absoluta integral do individualismo, socialismo e corporativismo fascista levados ao seu extremo infinitizador”. Acrescentando logo de seguida, a respeito do seu “Paracletianismo”: “e sendo o Paracletianismo, de certo modo, um vertiginificante Maniqueísmo Transcendental em que o Bem e o Mal se fundem um com o outro em extrema sublimação purificadora”. ■