Valores que desprezam o Homem

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[avatar user=”serrao14″ size=”thumbnail” align=”left” /]Enquanto nos surpreendíamos, cá no burgo, com a produção epistolar de José Sócrates e o seu desvario, atacando tudo e todos, sem cuidar que ele foi Primeiro-Ministro de Portugal durante 7 anos (2004-2011) e sem se ater, numa mera mas mais que exigida, reflexão sobre o que foram os seus comentários e posicionamentos sobre outros casos mediáticos, envolvendo figuras publicas e altos funcionários do regime, fui surpreendido com uma notícia de um facto inqualificável ocorrido na cidade francesa de Marselha.

Conta a história que os serviços médicos e de assistência social de Marselha decidiram obrigar os sem-abrigo da cidade a usarem uns cartões triangulares amarelos. “O cartão em triângulo identifica a pessoa com a respectiva foto, nome e data de nascimento, e pormenoriza as doenças ou alergias da pessoa. As autoridades locais argumentaram que o objectivo foi ajudar os trabalhadores de saúde a fornecer rapidamente ajuda a um sem-abrigo que adoeça. Foram já distribuídos mais de 100 triângulos” (sic).

A comparação com o ocorrido com os judeus, obrigados a identificarem-se com a amarela estrela de David, é imediata e não deixa de nos remeter para tempos negros da história da humanidade. Tempos que todos pensávamos não serem susceptíveis de voltar a acontecer.

A contestação geral e a revolta dos movimentos de direitos humanos levou a que a municipalidade marselhesa reconsiderasse e revogasse a medida. Porém, o simples facto de alguém a ter pensado e implementado, bem como o beneplácito das autoridades locais, é só por si factor de perturbação que exige de todos nós não só repulsa mas uma veemente resposta.

A estigmatização de pessoas é por si só deplorável. Associar a isso a sua identificação de forma ostensiva é uma violação, não só do direito de reserva que a cada um assiste, como a violação da privacidade e até do bom nome – último refúgio da sua dignidade e da sua condição de pessoa.

A duvidosa bondade da medida, justificada pela eventual necessidade de intervenção médica, não pode ser sequer atendida, até porque é um direito da pessoa humana conservar para si o seu estado de saúde.

O episódio de Marselha não pode ser visto isoladamente.

Ele, associado ao crescimento dos extremismos, numa Europa germanizada e a sofrer uma impiedosa austeridade, fruto da ganância especulativa e financeira de uns quantos, favorecida pelo laxismo dos governos, mais interessados em se perpetuarem do que em defenderem os interesses dos povos que os elegeram, obriga a que nos preocupemos seriamente sobre o futuro desta Europa e, nela, das nações que a compõem.

Naturalmente, a descrença nas instituições, a falta de respeito e de confiança nos governantes e naqueles que nos representam nos órgãos de soberania, a opacidade e o descontrolo na gestão da coisa pública, o enriquecimento dos eleitos, sem que se conheça a causa ou a fonte, constituem terreno fértil para o surgimento dos radicalismos, da violência e do protesto, mas, acima de tudo, para que ressurjam movimentos e práticas despóticas, assentes no culto da personalidade, manipuladoras de pensamentos e de vontades e que a todos arrastem para novos holocaustos, novos genocídios, novos valores que desprezam o Homem e o destrem.