Os dispensáveis da sociedade portuguesa

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Nas últimas semanas tem havido muitas notícias sobre os lares de idosos a funcionar em más condições, alguns verdadeiros casos de polícia, bem como os mais variados relatos sobre a situação caótica em que é feito o controlo do Governo sobre o sector. Desde logo o número elevado de lares ilegais, fala-se de milhares, que obviamente temos de supor que funcionam ainda pior dos que são considerados legais e que são, supostamente, controlados por instituições públicas criadas para o efeito. O que não tem evitado que, sendo as direcções dos lares avisadas com antecedência sobre as datas dessas inspecções, o seu efeito seja obviamente fraco, colocando em causa a vontade, ou a competência do Governo para melhorar e tornar mais digno o tratamento dado aos nossos idosos.

Durante a pandemia escrevi várias vezes sobre a necessidade de fechar os lares em que os utentes dormiam juntos sem condições, em autênticas camaratas e colocar esses idosos em hotéis que, por falta de actividade, acabaram por fechar e onde os idosos seriam separados em quartos individuais, logo com maior facilidade da pandemia ser controlada. Devido à insensibilidade do Governo para com o problema existente nos lares e a incapacidade de tomar decisões em tempo útil, nada disso foi feito e morreram sem necessidade milhares de idosos abandonados à sua sorte, sem que os governantes tenham mostrado a sua consciência mais pesada, antes pelo contrário, tratam de iludir a realidade com falsidades.

Este problema da falta de qualidade existente em milhares de lares, a ausência de controlo e de verdadeira fiscalização do sector, bem como o amiguismo existente em muitos sectores da administração pública, bem como o hábito de criar dificuldades burocráticas para vender facilidades através da corrupção, são os factores presentes no caos existente. O que não é indiferente ao tempo de espera e às dificuldades para obter uma licença de construção, ou para se ter acesso a muitos serviços públicos, como é o caso do SNS. Tudo isso faz parte do clima geral de corrupção existente em Portugal e, não por acaso, no negócio dos lares estão envolvidos muitos autarcas e outros amigos do poder político. Ou seja, trata-se de uma tempestade perfeita, onde se junta a tradicional incapacidade dos socialistas para a gestão e organização, com a vontade latente de usar os favores políticos para ganhar dinheiro com alguma facilidade e muita impunidade.

Há ainda a acrescentar outros factores presentes na sociedade portuguesa que são parte do problema. Desde logo, a pobreza endémica de milhões de portugueses, a ausência de crescimento económico, os baixos salários e reformas. Finalmente, a existência de muitos milhares de pequenos negócios oportunistas que minam a economia e a insuficiência de empregos na indústria das grandes empresas, que são geralmente os melhor pagos. A que poderemos acrescentar um funcionamento da Justiça faz de conta, que criou em Portugal um clima geral de impunidade e de incentivo a práticas anti-sociais, bem como a generalização da corrupção.

Tudo isto é fácil de verificar por quem estiver atento à realidade nacional e não se deixe influenciar pelas ideologias partidárias e pelos interesses daí resultantes. Trata-se de um conjunto de factores tão diversos e tão presentes na sociedade portuguesa que confesso, no seu conjunto, me fazem medo sobre o futuro do país, até porque colocar nos eixos a organização do Estado é hoje uma tarefa gigantesca, apenas possível de levar a cabo por profissionais de elevada competência, o que é obviamente impossível de ser realizado pelos profissionais de aviário que abundam na actividade política, no futebol, nas empresas públicas e também em alguma comunicação social. O caso da comunicação social assume a maior importância, porque se trata de uma contribuição que podendo ser positiva e clarificadora é, em muitos casos, altamente superficial, incapaz de ir ao fundo dos problemas existentes e, não poucas vezes, ideologicamente comprometida.

É interessante verificar que os poucos casos de profissionais competentes que passaram pela actividade política são endeusados por quem não compreende este fenómeno nacional e são sugeridos pela opinião pública para os mais variados cargos a cada vez que existe uma necessidade óbvia. Temos, por exemplo, os casos do actual presidente da Caixa Geral de Depósitos, Paulo Macedo, e do almirante Gouveia e Melo, que são apontados para os mais diversos postos sempre que a má gestão pública se torna mais evidente. Claro que existem em Portugal muitos mais gestores de elevada qualidade, mas que os partidos tratam com o cuidado devido para não perturbarem a paz e os interesses reinantes na actividade política. Dou um outro exemplo particularmente instrutivo, o de Luís Mira Amaral, a quem é geralmente reconhecida uma experiência e uma competência profissional e académica quase única no nosso meio, alguém que esteve na origem de um dos melhores períodos da economia portuguesa, mas que, por alguma razão, o seu partido faz todo o possível para não ouvir. Esta aversão dos partidos políticos ao mérito e à competência são marcas que estão na origem do atraso nacional e da pobreza generalizada que sobrevive entre nós. Marcas que têm ainda efeitos devastadores no nosso sistema de ensino, ou seja, no futuro do país.

A incapacidade de tratar os mais pequenos problemas de organização do Estado aqui relatados, como no Serviço Nacional de Saúde, ou na necessidade de mapeamento do território, ou a mera quantificação do problema da habitação, faz com que a governação do país seja uma manta de retalhos movida pelas mais variadas pulsões políticas, sempre reveladoras da falta de competência dos escolhidos para os mais variados postos da governação.

Acontece ainda que a falta de preparação dos governantes conduz a que produzam sistematicamente soluções de tal forma complexas e com uma tal variedade que tornam o bom funcionamento da administração pública uma impossibilidade prática. É o caso das recentes leis criadas para melhorar o estado de falta de casas para alugar, mas que nada mudarão para melhor e correm o risco sério de tornar péssimo o que está mal. Por exemplo, os apoios sociais criados ao longo dos anos geraram uma tal confusão organizativa difícil de corrigir, no que são tudo factores acrescidos de custos e de desorganização.

Com a nota de que a utilização dos meios informáticos, criados sem uma visão de conjunto e envolvendo os mais variados sistemas e empresas, são um factor adicional da confusão reinante e das insuficiências organizativas existentes. O pior é que nada disto parece preocupar o Partido Socialista, o primeiro-ministro e o Governo, cujo contentamento é parte de uma certa inconsciência geral que tomou conta do país. Infelizmente, os problemas que não são tratados em tempo útil, ou são mal tratados, não desaparecem e são uma herança terrível no nosso futuro.