O artigo que o antigo Primeiro-Ministro e Presidente da República, Aníbal Cavaco Silva, publicou na última edição do jornal ‘Expresso’ teve o condão de lançar a esquerda em desconforto. As acusações ali contidas, visando a governação socialista e a dependência de Costa em relação à extrema-esquerda, foram acolhidas com um pesado silêncio por parte dos dirigentes partidários portugueses. De facto, a esquerda não podia ter resposta para a argumentação de Cavaco.
A única reacção audível veio do presidente do PS, o açoriano Carlos César, que tentou fazer humor barato ao ironizar: “Estou sempre muito desatualizado em relação à produção literária do professor Cavaco Silva”. Mas não se atreveu a contestar qualquer das afirmações do antigo Presidente.
Só na área política do centro-direita surgiram alguns comentários ao artigo de Cavaco, mas essas para elogiar a sua clarividência e expressar concordância. Foi o caso de Carlos Moedas, o social-democrata que expulsou a esquerda da presidência da Câmara de Lisboa nas últimas autárquicas.
No seu artigo, o antigo Presidente da República afirma que o atual Governo socialista, “apoiado pelos partidos da extrema-esquerda, não foi capaz de aproveitar as boas condições de sustentabilidade da economia portuguesa herdadas” do anterior Executivo PSD/CDS. Nisto, sublinha Cavaco, Portugal não seguiu o mesmo método da Irlanda, depois de ter saído, tal como o nosso país, “de forma limpa do Programa de Assistência Financeira que em 2021 negociara com a troika”.
“Portugal continuou a crescer menos do que os países com que se deve comparar e o empobrecimento relativo, que devia ter começado a reverter, continuou a agravar-se. Tem sido o reflexo de uma vitória dos partidos da extrema-esquerda apoiantes do Governo, de cujos objectivos faz parte a fragilização dos factores de crescimento da nossa economia, e que, explicitamente, apoiam Governos de países onde impera a ditadura e a miséria”, observa o ex-PR.
Agora, apesar de Portugal ir receber apoios financeiros da UE e do BCE, entre 2021 e 2027, “de montante elevadíssimo, nunca antes verificado”, “não se verificará a inversão da decadência relativa do país”, pois “sem uma clara mudança de rumo, que permita ultrapassar os bloqueios ao desenvolvimento económico e social, Portugal continuará a decair para a cauda da Zona Euro em termos de riqueza produzida por habitante. Será penoso ver o país perder uma oportunidade de ouro para se aproximar do pelotão da frente da EU”, alerta.
Para Cavaco, o Governo é “guiado por meros interesses eleitorais” e “aposta, acima de tudo, na expansão do consumo, o qual, no curto prazo, pode ser visto como um objetivo, mas não é um meio de promoção do crescimento económico sustentável e de melhoria duradoura do bem-estar da população num país de elevado endividamento como Portugal. A esta opção errada junta-se a atitude ideológica anti-grandes empresas e desfavorecedora da iniciativa privada e da inovação”.
“Para o poder socialista, o mérito conta pouco, a que acresce a linguagem ameaçadora, rude e mesmo ofensiva com que ataca quem ouse criticar o Governo” – acusa Cavaco. Segundo o antigo Presidente da República, a “aposta socialista no silenciamento do empobrecimento relativo do país é uma expressão da perda de qualidade da democracia portuguesa”, referindo ainda “a subserviência de parte da comunicação social à lógica do Governo, à sua propaganda e desinformação, num claro afastamento dos princípios de independência e de verdade que a devem nortear”.
Atacando os vários Governos do PS, de António Guterres e José Sócrates a António Costa, Cavaco Silva refere ser “penoso verificar que, em 16 anos, Portugal já foi ultrapassado pela República Checa, a Estónia, a Lituânia e a Eslovénia” e que “as previsões são de que, nos próximos dois, três anos, o mesmo aconteça com a Polónia, a Hungria, a Roménia, a Letónia e a Eslováquia”.
Mas Aníbal Cavaco Silva não responsabiliza apenas a governação socialista. Numa referência óbvia às lideranças de Rui Rio e Rodrigues dos Santos no PSD e no CDS, o antigo PR afirma: “O empobrecimento do país tem estado envolto, para descrédito da nossa democracia, numa penumbra de silenciamento. Para isso têm contribuído vários fatores. Desde logo, uma oposição política débil e sem rumo, desprovida de uma estratégia consistente de denúncia dos erros, omissões e atitudes eticamente reprováveis do Governo”. ■