O nosso império… a nossa TAP

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Quando, no dia 20 de Maio de 1498, Vasco da Gama, com mais uma dúzia de camaradas se meteu num barco a remos, deixando as quatro naus fundeadas, e pôs o pé nas areias de Calecute, os que já lá estavam começaram a olhar de esguelha. Era arraia miúda magrebina e árabe, pequenos e médios mercadores com laços comerciais centenários nestas paragens. Não gostaram do que viram pois, de imediato, perceberam que o seu negócio estava em risco. Estas rotas funcionavam desde tempos imemoriais e colocavam os cobiçados luxos asiáticos no coração da Europa, via Cairo e Veneza. 

A chegada destes forasteiros fez tremer este negócio durante alguns decénios. De facto, apenas passados pouco mais de 20 anos, Vasco da Gama é novamente enviado para a Índia com o mandato de, entre outras tarefas, se desfazer de fortalezas recém-conquistadas tais como Ceilão, Coulão, Calecut e Pacém, por manifesta falta de meios materiais e humanos, nunca por falta de coragem. Vasco da Gama vem a falecer em Cochim a 25 de Dezembro de 1524, velho e cansado. 

Mas a lenta decadência continuou, como tão bem explica João de Barros, cronista da época, nos seus “Fumos da Índia”. Será que demos um passo maior que a perna?

Pouco depois entregámos também Ormuz, Malaca e mais umas tantas. Ficámos reduzidos a Goa, Damão e Diu, isto no que se refere ao Índico, porque depois veio o Brasil, onde estivemos quase 300 anos, e África onde navegámos ao longo da costa durante 500 anos, mas que só na segunda metade do século XX começámos verdadeiramente a desenvolver, infelizmente com o final fatal que todos conhecemos. Todas as outras potências coloniais já tinham feito as malas há bastante tempo, começando pela nossa vizinha Espanha que entregou a sua última colónia no princípio do século XX. Cuba foi entregue a terroristas locais, patrocinados pela maçonaria americana, durante o mandato de Theodore Roosevelt, (não confundir com F.D. Roosevelt). Nessa luta de libertação, o pai de Fidel, que era galego, combateu ao lado do exército espanhol. Também Winston Churchill por lá andou nos seus jovens anos como correspondente de guerra. 

Nós agora estamos ancorados na Europa, porto seguro, do qual ainda não fomos corridos. Tudo isto para dizer o quê? Para dizer que apesar de termos espalhado simpatia e a língua de Camões pelos cinco cantos do mundo, todos esses impérios nunca nos deram de comer, excepção feita, talvez, à tal segunda metade do século XX, em que Salazar promoveu um verdadeiro milagre económico, pondo esse tal Portugal de aquém e além-mar a crescer à taxa de cinco a seis por cento ao ano. E também claro está, o ouro do Brasil que deu, entre outros, para o Convento de Mafra e a Igreja da Estrela. 

Temos de aprender a viver neste rectângulo e a depender destes 10 milhões que cá vivem. A Suíça nunca foi a lado nenhum, é um dos países mais ricos do mundo e sem mar salgado nem lágrimas conseguiu ganhar a “America’s Cup”. 

Acalmem-se que eu não sou suíço; sou boémio, com uma mãe nascida em Cascais e um bisavô que andou por África e a quem dizem que foi dedicado o hino nacional. 

Este povo faz milagres e vive de milagres e teve o tal império colonial de que falava e cantava Chico Buarque nos idos anos 60. Mas não podemos continuar a querer viver de milagres e temos de aprender a arrancar “ouro” desta cisterna chamada Portugal. 

Nós temos um grande passado à nossa frente, temos é falta de euros. As marcas desse tal “império” ainda são visíveis, sobretudo na Baixa lisboeta, por onde deambulam exemplares de todas as raças e onde há anos assisti a uma cena bem portuguesa. Um engraxador dos velhos tempos, daqueles que espalhavam a graxa com os dedos e com as unhas já encardidas, atento ao transistor e indiferente ao cliente, engraxava os sapatos a um preto bem retinto que calçava uns sapatos de verniz branco e reluzente. Este, depois de pagar e deixar gorjeta, lá foi andando. Mas eu fiquei a pensar.

Uma cena destas só mesmo em Lisboa e com portugueses. É por isso que todos gostam de cá viver e não param de chegar. E é também por isso que a palavra “chauvinisme” nunca chegou a ser traduzida para a língua de Camões.

São estes e outros semelhantes episódios que dão colorido à nossa capital. E ainda bem. Porque quão triste seria Lisboa sem essas flores vindas de longe e que finalmente encontram neste cantinho o “seu cantinho”?

Mas, por favor, não me venham com histórias de impérios. O nosso império foi sempre o quinto, um império de nuvens e desejos, um império de castelos no ar. Um império sem passado nem futuro, um império bem português, impossível de explicar. Eu, que sou meio forasteiro, às vezes também tenho dificuldade em compreender. Mas nunca irei desistir de tentar.

Enquanto na Europa temos palácios faustosos carregados de obras de arte, catedrais grandiosas, obeliscos e “monas lisas” (esta “enviada “por Napoleão de Itália para França para financiar a sua primeira campanha) nós por cá temos pretos a cantar fado e indianos a comer sardinha assada. Que belo retrato do tal quinto império, o tal que está sempre a nascer. Este império deu-nos muitas alegrias e fez-nos sonhar, mas nunca nos encheu os bolsos. Mas é talvez o mais fotogénico de todos os impérios.

Tanta coisa para chegar à TAP e aos seus aviões, que passeiam no ar com a bandeira de Portugal, tal como há 500 anos as nossas caravelas navegavam com a cruz de Cristo (bem mais bonita, diga-se de passagem).

No entanto, em 2019, ano de ouro do nosso turismo, dos 60 milhões de passageiros movimentados nos nossos aeroportos, apenas 19 milhões o foram pela TAP. Em Faro, dos nove milhões que por lá passaram, a TAP não chegou sequer a um milhão de clientes. Posto isto, é Portugal que precisa da TAP ou é a TAP que precisa dos nossos milhões?

Numa recente audiência com o patrão da “Ryanair”, Michael O’Leary, CEO da maior companhia aérea da Europa, o ministro Pedro Nuno Santos disse, entre outras coisas, que a “Ryanair” “não deve esperar do ministério das Infra-estruturas e da Habitação uma atitude de cooperação…” e afirmou também que o Governo português “não aceita intromissões nem lições de uma companhia aérea estrangeira que responde apenas perante os seus accionistas”. Isto tudo a propósito dos milhões que o estado português pretende injectar na TAP.

Em nota sobre a mesma reunião, a “Ryanair” reconheceu que Portugal tem o direito de investir na TAP, mas lamenta que os três mil milhões de euros dos contribuintes estejam a ser desviados de investimentos no ensino e na saúde para subsidiar uma companhia que descreve como “falhada” e com “preços altos”. Disse também que se deveria avançar com o aeroporto no Montijo para haver mais passageiros e postos de trabalho.

A ajuda de 1.200 milhões de euros foi, por enquanto, suspensa pelo Tribunal Geral de Justiça Europeu, que aceitou a queixa da “Ryanair”, isto até a Comissão Europeia poder fundamentar a aprovação deste auxílio do Estado. Porque será que continuamos a fazer castelos no ar? Será que este orgulho nos vai um dia matar de vez?

Temos de fazer um exame de consciência honesto e realista e definir prioridades, que sejam aceites, respeitadas e levadas a cabo por todos, independente de credo, partido, cor ou clube. Não são precisos consultores nem especialistas internacionais, pagos a peso de ouro, para produzir relatórios com centenas de páginas, condenadas a desfalecer nas prateleiras. Basta um governo com uma dúzia de boas cabeças, bom senso, força de vontade e dedicação para tirar esta velha “caravela” do lodo; e tempo, algum tempo, pois numa legislatura de quatro anos, apenas se consegue pôr a “caravela” à tona d’água. Depois há que a pôr a navegar. 

Senão estará a acontecer o que sempre tem acontecido e os milhões que o ministro quer pôr na TAP serão milhões atirados para as nuvens. É este tipo de asneiras que um país como Portugal não se pode dar ao luxo de fazer, mas foram precisamente este tipo de asneiras que nos puseram na cauda da Europa. 

Já chega.  ■