DUARTE BRANQUINHO

Maioria Silenciosa1Nuno Alves Caetano é formado em gestão e tem exercido vários cargos de direcção e administração em várias empresas, sendo actualmente director-geral de uma empresa do ramo imobiliário. Colaborador de vários jornais, nomeadamente O DIABO, é autor do livro “Prisioneiros de Caxias – 28 de Setembro de 1974”, prefaciado por Nuno Rogeiro. A obra, bastante reveladora, reúne depoimentos de muitos dos que foram os presos políticos PREC, depois de a esquerda ter considerado como uma “tentativa de golpe de Estado” a manifestação de apoio ao General Spínola, designada como da “Maioria Silenciosa”, devidamente autorizada para o dia 28 de Setembro de 1974. O livro é também o testemunho pessoal do autor que, com apenas 17 anos e por ser sobrinho do Prof. Marcello Caetano, foi detido em Caxias durante 53 dias, acusado de ser “sinistra personagem que assumira altas funções no regime fascista”.

O DIABO entrevistou-o.

O DIABO – O seu livro refere-se a uma realidade que tem sido convenientemente “esquecida”. Para os menos atentos, o que foi o 28 de Setembro de 1974?

Nuno Alves Caetano – O 28 de Setembro foram duas realidades distintas. Começou por ser a data marcada para a realização de uma manifestação de apoio ao General Spínola, então Presidente da República, manifestação essa devidamente autorizada, e que visava travar o avanço marxista que se adivinhava. Rapidamente a esquerda transformou esta manifestação numa “intentona”, ou seja, numa tentativa de golpe de Estado por parte das forças “reaccionárias”.

A esquerda liderada pelo PCP…

Sim, mas com o apoio dos partidos ainda mais à esquerda e do PS também.

Qual o papel do PS e de Mário Soares?

Esteve ao lado do PCP e conforme comunicados do PS, à data, gabavam-se de ter tido militantes nas barricadas. Foi, por conseguinte, um alinhamento total com o PCP e o COPCON.

Não se pode considerar um posicionamento muito democrático…

De maneira nenhuma! Aliás, nada no 28 de Setembro, foi democrático a não ser a marcação da manifestação. Tudo o que se passou a seguir foi completamente anti-democrático.

Acha que hoje se esqueceram dessa posição?

Sempre se esqueceram porque lhes convém esquecer. Um partido que passa a vida a falar do Estado Novo acusando-o de práticas anti-democráticas e que depois do 25 de Abril apoia essas mesmas práticas com a agravante de serem praticadas em democracia…

A reacção das esquerdas ao 28 de Setembro foi a “justiça revolucionária”. Foi um clima de terror?

Sem dúvida. As prisões arbitrárias, torturas psicológicas, detenções superiores a quinze meses sem qualquer acusação, saneamentos selvagens, ameaças, assaltos, etc. demonstram-no inequivocamente. Por alguma razão se tenta esquecer a data.

No livro inclui vários depoimentos de pessoas presas. É importante o testemunho directo?

Importantíssimo. O livro é sobretudo um livro sobre a Verdade, e essa verdade só pode ser contada por quem viveu, directa ou indirectamente, o episódio.

Desses depoimentos quais foram os que mais o impressionaram?

Todos, porque cada um tem as suas particularidades. Todos eles têm momentos de extrema violência.

O livro é também a sua história pessoal…

É verdade. Estava, como se costuma dizer “à hora errada, no lugar errado” e pelo facto de ser sobrinho do Prof. Marcello Caetano, apesar dos meus 17 anos, fui revolucionariamente e democraticamente 53 dias para Caxias. O meu crime, foi esse. Ser sobrinho do ex-Presidente do Concelho.

Foi preso pelo “crime” de grau de parentesco? Alguma vez lhe disseram que foi esse o motivo?

Esse foi o motivo. Telefonaram para o COPCON a dizer que “estava ali um sobrinho do Marcello” e a resposta foi “tragam-no” (a mim e aos outros). Depois o MDP/CDE emitiu um comunicado a dizer que tinham sido presos 12 notórios fascistas que tinham desempenhado altos cargos no antigo regime e um desses 12, era eu! Isto tudo com 17 anos, repito.

Foi com a “legalidade” de um dos famosos mandados em branco?

Nem isso! No nosso caso não existiu qualquer mandado, sequer. Foi apenas a legitimidade revolucionária.

Como foi tratado na prisão?

Na prisão, estive duas vezes do isolamento (antes de ser interrogado) e à parte umas ameaças durante os interrogatórios, fui bem tratado. Contudo, no momento da minha detenção, simularam o meu fuzilamento (e dos meus companheiros) no isolamento.

Essas práticas de tortura eram comuns?

Hoje sei que houve vários tipos de sevícias, tanto físicas como morais, sobretudo morais, mas não posso afirmar que fossem comuns. Agora que aconteceram, aconteceram.

Como terminou todo esse processo de perseguição?

Ao fim de 53 dias fui solto, sem qualquer justificação e posteriormente revolucionariamente proibido de ingressar na faculdade.

Como olha para tudo o que aconteceu, passados mais de 40 anos?

Com o desprezo pelos hipócritas “democratas” que continuam a ter dois pesos e duas medidas na avaliação dos factos. Isto é, todas as arbitrariedades cometidas após o 25 de Abril são legitimas mas a mesma coisa passada durante o Estado Novo é uma enormidade. Não suporto faltas de coerência, mentiras, demagogias, como, infelizmente, é apanágio da esquerda, sobretudo dos “abrileiros”.

Os prisioneiros de Caxias em 1974 foram presos políticos? O que diz aos que consideram a detenção do ex-primeiro-ministro José Sócrates uma “prisão política”?

Os presos do 28 de Setembro foram efectivamente presos políticos. A prisão do senhor Sócrates é uma detenção de delito comum. Só os trafulhas que referi anteriormente é que pretendem adulterar a verdade.

O que foi para si o 25 de Abril?

Foi um golpe de Estado com o único objectivo de entregar o Ultramar. Depois transformou-se em “muitos 25 de Abril” que levaram o País à desgraça. Temos uma crise moral que enquanto durar impedirá o País de sair de qualquer crise económica.

Ainda sofremos o domínio dos “filhos de Abril”?

Claro que sofremos, e de que maneira.

Como vê o estado do País hoje?

Mal, pela razão que acabo de referir. Enquanto a crise moral subsistir, o país não tem safa. Enquanto perdurarem os compadrios, a corrupção, a falta de justiça, os lóbis, os ‘boys’, não há saída possível.

Qual é, então, a saída?

Acabar com a crise moral. Acabar com o actual sistema de eleições e acabar com “estes” partidos políticos. Mas esqueçam os “Syrizas”. Responsabilizar os políticos e os partidos é fundamental.

É possível uma alteração dessas na actual situação?

É muito difícil, mas nunca será impossível.

Acha que o seu livro vai abrir a porta a um estudo rigoroso do 28 de Setembro e das suas consequências, bem como gerar um debate sobre a questão?

Espero bem que sim. Seria um princípio para desmascarar a mentira que constitui o 25 de Abril como “dia da liberdade” e da “democracia”. Foi algo que até ao 25 de Novembro não existiu.