O líder do PS vê a sua vida andar para trás. O desfile triunfal que prometeu aos socialistas ameaça transformar-se num ‘flop’ que pode significar um jejum de poder por mais quatro anos.
Acossado pelo fantasma de Sócrates, fragilizado pelas sondagens que o colocam atrás da coligação governamental e vulnerável às críticas da oposição interna, António Costa prepara-se para entrar em contra-mão na campanha eleitoral. Se as últimas previsões se confirmarem, o Partido Socialista sofrerá, sob a sua liderança, mais uma derrota nas legislativas de Outubro, confirmando o velho ditado popular segundo o qual “quem tudo quer, tudo perde”.
Começou por atirar António José Seguro pela borda fora, num polémico processo eleitoral que o conduziu a secretário-geral do PS fora dos prazos regulamentares e das normas de civilidade: “saiam da frente, que aqui estou eu” – era a sua mensagem triunfal. Mas dois meses depois o ex-líder socialista e ex-primeiro-ministro José Sócrates entrava na cadeia de Évora acusado fraude fiscal, corrupção e branqueamento de capitais, crimes a que corresponde, em cúmulo jurídico, uma pena até 16 anos de prisão. E o riso de António Costa tornou-se sorriso amarelo.
Na última semana, culminando meses de desconforto e de tiros no pé (com destaque para a euforia com que saudou a vitória dos extremistas do Syriza na Grécia), uma sondagem de opinião realizada pela Universidade Católica para a RTP, Diário de Notícias e Jornal de Notícias colocou Costa no 2º lugar do pódio eleitoral, atrás da coligação PSD/CDS.
Os resultados da sondagem têm um forte significado político. Apesar de a vantagem governamental ser de apenas um por cento (38 para PSD/CDS, 37 para PS), é esta a primeira vez que o PS é dado como perdedor desde Setembro de 2012. Em Outubro do ano passado, um mês depois de Costa ter acedido à liderança socialista, o triunfalismo atingia o zénite, com previsões de 45% para o PS e 28% para o bloco PSD/CDS.
“Desconforto”
Curiosamente, apenas um grande órgão de informação leu a sondagem da semana passada de pernas para o ar: a estatal RTP. Usando rebuscadamente uma segunda parte do estudo da Universidade Católica em que os inquiridos eram convidados a opinar sobre quem acreditavam (ou receavam…) que ganhasse as eleições, independentemente da sua própria intenção de voto, a RTP pôs no ar um quadro em que, por artes mágicas, o PS saía “vencedor” com… 54% dos votos!
A generalidade da imprensa, contudo, divulgou com rigor a sondagem de há dias, que representa uma reviravolta na cena política portuguesa: pela primeira vez em três anos, a coligação de centro-direita toma a dianteira.
Com as votações habituais (na casa dos 10 por cento ou abaixo) surgem o Partido Comunista e o Bloco de Esquerda, enquanto as mil e uma coligações e contra-coligações populistas e de extrema-esquerda, que tanto ruído fazem na praça pública e tanto eco têm nos Media, obtêm resultados eleitoralmente desprezíveis.
“Desconforto” foi a palavra mais usada, nos últimos dias, para classificar a reacção do PS. À defesa, António Costa considerou que “as sondagens que contam são as das urnas”. E acrescentou: “Em relação às que têm saído, umas são melhores e outras piores e o que dizem é que temos de continuar a trabalhar, a fazer o que nos compete e a reforçar a confiança”.
Experiências e aventuras
Mas o dirigente socialista Porfírio Silva acabou por admitir que a mensagem do PS não está a cativar o eleitorado: “O estudo mostra que há um trabalho de esclarecimento a fazer”. E Francisco Assis, ‘éminence grise’ da oposição interna, reconheceu implicitamente que os argumentos socialistas não são suficientes face a um Governo que, mal ou bem, tem feito o que pode numa conjuntura adversa: “Há uma certa aceitação da inevitabilidade das coisas, ainda que não se concorde com a linha de orientação do Governo”, disse.
No Parlamento, Passos Coelho aproveitou o debate quinzenal de sexta-feira passada para cavalgar a pequena mas significativa vitória: “O PS não acertou na estratégia que devia seguir desde o início, e isso não tem a ver com a sua liderança, tem a ver com o partido”, disse o primeiro-ministro.
Na sua habitual crónica no jornal Público, Vasco Pulido Valente tirava as conclusões: “Depois da catástrofe por que passou, o país não quer ser sujeito a uma nova experiência de engenharia financeira ou social”. E “Portugal, embora frustrado e pobre, não precisa de aventuras”.
Greves e extremismos
Os resultados da última sondagem da Universidade Católica reflectem, antes de mais, erros próprios do PS. O discurso negativista de António Costa, que parece congratular-se com tudo o que possa correr mal a Portugal e não se cansa de sublinhar os aspectos negativos da actual situação económica e social (muitos deles de origem externa), está a suscitar no eleitorado o efeito oposto ao pretendido.
Ao contrário do seu antecessor, António José Seguro, que doseava o seu discurso com uma moderação que apelava à classe média, Costa recusa-se a admitir que exista na governação do PSD/CDS um único ponto positivo, por menor que seja. A sua colagem a radicalismos avulsos, como o do putativo candidato presidencial Sampaio da Nóvoa, e a ambiguidade dos seus namoros a pequenas formações extremistas só têm prejudicado a imagem pública do líder socialista.
O sorrateiro apoio implícito do PS a greves e outros “protestos” de óbvio cunho comunista tampouco cai bem num eleitorado cansado de balbúrdia. A greve dos funcionários do Metropolitano de Lisboa, por exemplo, tem exasperado centenas de milhares de utentes prejudicados. E o facto de os socialistas não declararem, preto no branco, que apoiam a onda de paralisações e manifestações que têm lançado o País no caos (preferindo dizer que “compreendem” o descontentamento) não ajuda António Costa a construir uma imagem de “estadista”.
A talhe de foice: só este ano, três paralisações no Metro de Lisboa já impediram a realização de 1,5 milhões de viagens, causando prejuízos superiores a 400 mil euros (e nova greve está convocada para o próximo dia 26); há dois anos, as 119 greves realizadas no sector dos transportes públicos levaram à perda de 77 mil dias de trabalho.
Tímida retoma
Mas a última sondagem reflecte também alguns pontos marcados pela coligação de centro-direita na “baliza” do adversário. No último fim-de-semana, o Governo PSD/CDS completou quatro anos de trabalho, transformando-se na única coligação desde o 25 de Abril a cumprir integralmente um mandato executivo. E o eleitorado preza a constância e a persistência.
A demarcação do Governo face à loucura grega teve bons resultados. Portugal colocou-se numa posição respeitável no seio da Zona Euro e passou a beneficiar de melhores condições de crédito, atenuando as difíceis condições de aperto em que a crise mundial lançou o País. O Estado está a honrar os seus compromissos externos e, por fraco que seja o consolo, a situação económica não piorou: há mesmo sinais de uma tímida retoma.
O desemprego, cavalo de batalha da oposição (que parece alegrar-se sempre que os índices pioram…), tem vindo a decrescer. Na última semana, o IEFP anunciou que o número de desempregados baixou (em Maio) 3,4% em relação a Abril e 12,9% face a Maio do ano passado – uma evolução que, sintomaticamente, o PS se “esqueceu” de comentar…
Sócrates e Seguro
A sombra negra do antigo secretário-geral José Sócrates e a (para já) discreta oposição interna no PS são dois “cavalos de Tróia” que António Costa não pode ignorar.
O processo contra o ex-primeiro-ministro arrasta-se penosamente, fragilizando anda mais a actual liderança socialista. Ainda que Costa tente afastar-se da imagem de Sócrates, não o visitando na cadeia de Évora e fazendo por esquecer que foi seu braço-direito no Governo, sobre o PS pende a incógnita quanto à dimensão da acusação que o Ministério Público virá a deduzir.
Se, como tudo indica, tal acusação não for conhecida antes do início do próximo ano, Costa irá a votos sem que se saiba verdadeiramente a extensão dos alegados crimes cometidos por Sócrates. E o eleitorado não será indiferente a esta espada de Dâmocles.
Embora muito moderadamente, a oposição interna começa a dar sinais de impaciência no PS. António Costa, que tentou diminuir o seu adversário António José Seguro com os relativamente fracos resultados eleitorais obtidos nas europeias (“quem ganha por poucochinho é capaz de poucochinho”, disse então), arrisca-se agora a conhecer na pele o efeito de ‘boomerang’.
Para já, a “ala segurista” do PS acaba de fazer prova de vida. Miguel Laranjeiro, um dos mais visíveis apoiantes de “Tozé”, deixou cair há dias, numa entrevista, referindo-se ao derrotado secretário-geral: “Ainda é muito novo para deixar a política”…