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Os portugueses vão às urnas este ano, mas sem grande entusiasmo. O discurso partidário reflecte um completo vazio de ideias e faz aumentar a desconfiança da população nos seus políticos.

“Não há surpresas que possam vir de Portugal, independentemente dos resultados das eleições de Outubro deste ano”. Foi esta a garantia que o embaixador de Portugal na Alemanha, Luís de Almeida Sampaio, deixou aos nossos credores germânicos ao discursar, na semana passada, numa conferência sobre economia da saúde em Rostock.

Mesmo tratando-se de um discurso destinado a consumo externo, é óbvio que lhe fugiu a boca para a verdade: existem poucas diferenças ideológicas entre os dois principais partidos, e a esquerda radical apenas tem para apresentar ao aleitorado a “cassete” a que já nos acostumámos.

Os dois únicos potenciais candidatos a primeiro-ministro, Pedro Passos Coelho e António Costa, também não são capazes de cativar o entusiasmo de um povo cansado do partidarismo demagógico que caracteriza a III República desde 1975.

Num estudo de opinião recentemente realizado pela União Europeia, quase 90% dos portugueses inquiridos afirmaram não confiar nem um bocadinho nos partidos políticos nacionais. Quem tem ideias já se afastou, e os carreiristas políticos estão por todo o lado. Mesmo assim, “the show must go on”: há que manter o teatro das eleições e a aparência de que nelas se decide alguma coisa. E ambos os lados vão falando, falando, falando. Sem nada dizer.

Ziguezague

À esquerda, o panorama é desolador.

“A vitória do Syriza é um sinal de mudança que dá força para seguir a mesma linha”. Foi assim que António Costa comentou a vitória dos radicais de esquerda nas eleições gregas, em Janeiro deste ano.

Quando falava na “mesma linha”, Costa provavelmente não calculava que esta pudesse vir a referir-se às longas linhas de gregos que aguardam, junto às caixas de multibanco, a sua vez de levantar uns míseros 60 euros a que têm direito, enquanto rezam para que o colapso do sistema bancário não lhes leve as poupanças.

“A mesma linha” talvez também não se referisse ao facto de o Syriza ter acabado por ceder em toda a linha face às exigências dos credores, levando o mundo a perceber que os últimos seis meses de “negociações” e bater-de-pé não passaram, afinal, de um “bluff” à moda da extrema-esquerda.

Numa simples frase para consumo interno, Costa colou durante meses a imagem do seu partido a um grupo de radicais que nem sequer fazem parte da natural família ideológica dos socialistas. O PASOK é o partido grego “irmão” do PS português – mas esse está arruinado, já não faz capas de jornal e não ajuda a caçar votos, pelo que Costa passou a ignorá-lo olimpicamente.

Meses mais tarde, já com a Grécia “popular” em estado crítico, e com a opinião pública portuguesa contra a “luta” dos gregos revolucionários, Costa viria a afirmar que o Syriza estava a combater a Europa “de forma tonta”. O ziguezague caiu mal em toda a parte: na opinião pública, que viu nele um sinal de oportunismo, e na ala esquerdista do seu próprio partido, que não gostou da “viragem à direita”.

Enquanto não se decidia sobre as virtudes ou pecados do Syriza, António Costa pediu a um grupo de trabalho para elaborar um plano económico para o seu hipotético Governo. O documento final era, infelizmente, o que se esperava: a mesma receita despesista de outrora. E os partidos da coligação governamental não perderam muito tempo a atacar, de forma cirúrgica até, os números do PS.

“Expectativas” mirabolantes

O plano económico de Costa parte de um cenário hipotético altamente optimista: segundo o documento, por cada euro de estímulo a economia supostamente cresceria entre 0,9 e 1,7 euros. Os socialistas partem também do princípio de que cada ponto percentual de crescimento iria reduzir o ‘deficit’ em quatro décimas do PIB.

Como o “estímulo” e o “crescimento” sonhados pelo PS dependeriam, afinal, do dinheiro do Estado, os economistas de Costa apressaram-se a compor uma estimativa de compensação carregada de boas intenções (mas, infelizmente, de nenhum dado sólido): segundo o seu plano, seria “expectável” um crescimento médio de 2,6% até 2019.

Ora este número encontra-se muito acima de todas as previsões internacionais sobre o crescimento português. O Governo, já criticado internacionalmente por excesso de confiança, aponta para uns modestos 2,3%, enquanto a Comissão Europeia é muito mais conservadora, apontando para 1,7%, e o FMI só acredita em 1,3%.

Sentido a fragilidade das “expectativas” mirabolantes dos seus economistas, o próprio António Costa decidiu não se comprometer totalmente com o projecto, afirmando que não passava de um documento para debate público, e cuja aplicação dependeria da situação que iria encontrar caso fosse eleito. Mesmo assim, muitas promessas vão sendo feitas, ao ponto de chegarem a ser satirizadas nas redes sociais.

“Se não cumprir a promessa, demite-se?”, perguntaram directamente a Costa num programa de televisão. O líder socialista não respondeu, voltando apenas a afirmar que o PS “não fará qualquer corte nas pensões”.

 Eleitorado frágil

Como seria de esperar, as promessas vagas do secretário-geral do Partido Socialista não estão a gerar o entusiasmo que os Media do regime anunciavam há alguns meses. Nem sequer a última mini-sondagem do portal SAPO dava a vitória a António Costa, que encontra cada vez mais dificuldades em alcançar sequer 38% das intenções de voto, quanto mais os 46% a 47% necessários para vencer as eleições com maioria absoluta.

As várias mini-sondagens que vêm sendo divulgadas, apesar de não terem um carácter científico, talvez ajudem a compreender o problema: é certo que apenas uma parcela dos portugueses diz querer votar na coligação agora no poder, mas não é menos certo que a grande fatia afirma não querer votar em qualquer dos dois partidos.

As sondagens mais “oficiais” também apontam continuamente para um mau resultado do PS, que fica bem longe da maioria absoluta. No caso de, ainda assim, vir a ganhar com uma pequena vantagem, o PS seria obrigado a fazer alianças – ou com a direita que tanto diz detestar, ou com a extrema-esquerda cujas políticas estão a ter os resultados que vemos na Grécia.

Infelizmente para Costa, é possível que a sua base eleitoral fiel esteja muito mais pequena do que em outros anos. Durante os consulados socialistas, vários grupos sociais anteriormente leais ao PS, e que lhe deram o poder durante 14 dos últimos 20 anos, foram alienados pelas políticas de Sócrates.

Um exemplo claro é a classe docente, anteriormente aliada ao Partido Socialista (com uma fatia considerável ligada alternativamente ao PCP), mas que, entretanto, se revoltou por causa das políticas burocráticas e laxistas (em termos de disciplina nas salas de aula) da ministra da Educação de Sócrates, Maria de Lurdes Rodrigues.

Recentemente, uma mini-sondagem no popular blog de docentes “Dear Lindo”, que contou com a participação de mil professores, deu vitória à coligação, ficando o PS quase colado à CDU. A recente diminuição de funcionários públicos, vistos pelo público como um eleitorado sólido do Partido Socialista, podem diminuir ainda mais os números que Costa esperava atingir.

O efeito ‘boomerang’

Os eleitores independentes tornaram-se, portanto, o alvo das atenções socialistas. Mas a detenção de José Sócrates foi um duro golpe na credibilidade do partido, e a Operação Marquês continua a fazer baixas, sendo a mais recente a do antigo ministro socialista Armando Vara. Costa afirma que quer recuperar a “confiança minada” dos portugueses, esquecendo-se de que são várias as figuras do seu próprio partido que contribuíram para a minar.

A economia é outro aspecto que prejudica os socialistas. O desemprego encontra-se em queda, a economia cresceu e o actual Governo deixa como legado uma balança comercial positiva. Números que reforçam a imagem da direita como boa gestora das contas públicas. Visto que os números estão contra ele, Costa decidiu, então, que os números são falsos.

O truque está gasto e desmascarado, mas a esquerda insiste em repeti-lo. Caindo num erro que o passado já mostrou ser contra-producente, António Costa adoptou o linguajar grosseiro do radicalismo de esquerda: “Sempre que o primeiro-ministro diz alguma coisa, devemos interrogar-nos três vezes: será que ele está mesmo a dizer verdade?”. Foi desta forma que o líder socialista se referiu recentemente ao primeiro-ministro, acrescentando: “O engano é uma espécie de vício” de Passos Coelho. Por certo, ainda ninguém explicou a António Costa que, em política, a ofensa gratuita é um perigoso ‘boomerang’…

Costa considera que “a política deste Governo falhou” e que “as pessoas vivem com terror” só de pensarem na “possibilidade de manterem este primeiro-ministro”. Parece, no entanto, tratar-se de um terror muito pequeno, visto que o PS continua com maus resultados nas sondagens.

Se tivermos em conta a “síndrome do conservador envergonhado”, cujo efeito se notou na discrepância entre sondagens e resultados eleitorais no Reino Unido, então o voto da coligação poderá ser ainda mais alto. Mas o PSD e o CDS não podem assobiar para o lado: pouco ou nada têm oferecido como razão para o povo votar neles.

Medo e bom-senso

O ousado Pedro Passos Coelho de 2011 teria alguma dificuldade em reconhecer o homem que é hoje primeiro-ministro. Há quatro anos, o cabeça de lista dos social-democratas era um político carismático e moderno, que falava em reformar e modernizar o Estado e em racionalizar as contas públicas. O primeiro-ministro de 2015 é um homem austero, cujo discurso se centra na responsabilidade e no cumprimento dos ditames de Bruxelas.

Se no PS há um excedente de promessas, na coligação há um enorme deficit. Passos Coelho, aparentemente, planeia ser reeleito com base no medo do eleitorado de uma segunda bancarrota socialista. Numa entrevista recente, o primeiro-ministro voltou a avisar que uma vitória do PS pode significar o regresso da temida troika, considerando que o Partido Socialista “aprendeu muito pouco com os erros do passado”

É convincente, mas é escasso. Algumas ideias passaram aqui e ali mas, na generalidade, a coligação pouco tem a propor para além do que já tinha proposto: a eliminação da sobretaxa do IRS nos próximos quatro anos, o fim dos cortes na administração pública até 2019, a redução progressiva do IRC para todas as empresas e o fim de todas as medidas de austeridade, embora sem uma linha temporal claramente definida, e que se pode estender por décadas. Quanto a um programa eleitoral para fazer face àquele que o PS apresentou, Passos apenas diz que “não há pressa”.

Paciência parece ser mesmo uma das características mais fortes do actual líder de governo, que resistiu a várias crises governamentais e se colocou em posição de poder renovar o mandato, como o próprio sublinha: “Há um ano ninguém diria que pudéssemos ganhar as eleições”.

O voto na coligação não deixa de ser mais movido por resignação e bom-senso do que por esperança e empolgamento, mas o próprio entusiasmo dos portugueses pelas próximas legislativas é muito pequeno. E não admira.