diabo

Roseira brava

Já é Maria de Belém no nome. Mas quer sê-lo de facto. A antiga ministra do PS perfila-se na corrida à Presidência da República e ameaça estragar o arranjinho a António Costa e ao seu putativo candidato, Sampaio da Nóvoa. Mais uma vez se contam espingardas no Largo do Rato.

O Partido Socialista, que pretende ditar o rumo de Portugal nos próximos quatro anos, não conseguiu ainda encontrar um caminho para a freguesia lisboeta de Santa Maria de Belém. Pelo contrário: a cada dia que passa, mais enleado parece o novelo socialista das eleições presidenciais. O sufrágio está marcado para Janeiro de 2016 (faltam seis meses) e ameaça esfrangalhar mais uma vez a frágil “unidade” do PS, cujas facções e sensibilidades se esgatanham por ter o “seu homem”, ou mulher, na melhor posição da grelha de partida.

António Costa, que flutuou na questão presidencial ao sabor da maré, sem qualquer iniciativa própria, estava relativamente tranquilo com a anunciada e muito propagandeada candidatura do professor universitário Sampaio da Nóvoa, cujos tiques radicais tanto agradavam à maioria esquerdista no PS. Mas o sossego não durou muito: nas últimas semanas, ganhou peso e forma a candidatura alternativa de Maria de Belém Roseira, antiga ministra ligada aos meios católicos de esquerda, ex-colaboradora directa de Guterres e do padre Vítor Melícias e figura tutelar da “ala direita” socialista.

Maria de Belém, cujo nome propício tem sido glosado nas redes sociais da internet, começou por apresentar-se em ‘low profile’, correspondendo ao pedido de António Costa para que as hostes não agitassem muito a barcaça socialista antes das legislativas. Mas Costa, pelos vistos, só queria quietude do lado de Maria de Belém: ao mesmo tempo que aparentava distanciamento, o líder do PS dava rédea solta o seu “núcleo duro” para incentivar a candidatura de Sampaio da Nóvoa, deixando entender ao professor radical que não faltaria muito para receber o apoio oficial do partido.

Maria de Belém soube-o da pior maneira: pela imprensa. Um encontro entre Nóvoa e o actual presidente do PS, Carlos César, que devia ser secreto, acabou escarrapachado nos jornais. César reiterara ao auto-proclamado candidato que o PS o apoiaria e que um “sinal” desse compromisso seria dado nos dias seguintes. Foi o suficiente para a antiga ministra da Saúde de António Guterres perceber que se arriscava a perder o comboio se continuasse a acreditar em António Costa.

A “máquina” pôs-se então em movimento. Por meias palavras, mas por palavras que não deixavam já margem para dúvidas, Maria de Belém assumiu a sua candidatura. E declarações de notáveis das franjas moderadas do PS começaram, como cogumelos, a brotar no campo socialista.

Francisco de Assis afirmou “ver com grande simpatia e amizade” a decisão da antiga presidente socialista. “Faz falta uma candidatura de centro-esquerda”. Sobre Sampaio da Nóvoa, não podia ter sido mais directo: “Não só não apoio, como não votarei nele”. Para João Proença, ex-líder da UGT, Maria de Belém “seria uma óptima candidata presidencial”, pois “claramente cobre o eleitorado centro-esquerda” e “não joga nos extremos do PS”. José Lelo e Álvaro Beleza afinaram pelo mesmo diapasão. E até a eurodeputada radical Ana Gomes, que por razões desconhecidas não gosta de Sampaio da Nóvoa, já declarou ver com bons olhos a candidatura de uma mulher.

O incentivo que faltava surgiu, entretanto, sob a forma de sondagem: num estudo de opinião efectuado para o grupo SIC/Expresso, Maria de Belém passou “oficialmente” a existir como candidata presidencial, estreando-se logo com 25% das preferências de voto à esquerda – pouco atrás de Nóvoa, que após meses de propaganda não consegue descolar dos 33%. Maria de Belém deixou-se então entrevistar pela Rádio Renascença para afirmar, com o seu arzinho de quem não faz mal a uma mosca: “Acho que é uma sondagem interessante…”.

A guerra surda entre facções socialistas, que já estava instalada devido aos sofríveis resultados de Costa nas sondagens, agravou-se na sede do Largo do Rato, em Lisboa. Maria de Belém, enquanto monta o seu estado-maior, garante que “agora é tempo de legislativas e só depois se tratará das presidenciais”. Mas sempre vai adiantando que “há cada vez mais gente” a apoiá-la.

E António Costa, enquanto insiste na “prioridade às legislativas”, continua a dar gás a Sampaio da Nóvoa, que entretanto inundou a imprensa com o apoio expresso que a sua candidatura já recebeu de três ex-Presidentes da República (Soares, Sampaio e Eanes), para além de um leque de figuras socialistas de segundo plano, como os ex-ministros Augusto Santos Silva, Correia de Campos e Elisa Ferreira.

O desconforto de António Costa perante a candidatura de Maria de Belém Roseira tem razões que não são de hoje: muito ligada aos meios católicos e moderados, Roseira nunca escondeu críticas a José Sócrates; e era presidente do PS quando Costa pretendeu, fora do calendário e dos bons modos, apear António José Seguro da liderança socialista. Sempre formal, Maria de Belém não apoiou qualquer dos candidatos, mas obrigou Costa a submeter-se a demoradas eleições “primárias” e a conquistar a pulso o almejado cargo de secretário-geral – em vez de consegui-lo num simples congresso extraordinário convocado de um dia para o outro.

Na última semana, a imprensa dava conta da reedição de um velho truque político: a oferta de um cargo “de consolação”. Caso o PS vencesse as eleições – adiantaram fontes não identificadas –, António Costa gostaria de entregar a Maria de Belém a Provedoria da Misericórdia de Lisboa. Na presunção, evidentemente, de ter desistido de Belém…

Mas dificilmente a antiga ministra desistiria. Acalentada por uma primeira sondagem encorajadora e catapultada pelas facções não-esquerdistas do PS, credora de atenções dos meios católicos e com um respeitável ar de mãe de família, Maria de Belém tem claras hipóteses de conquistar uma importante fatia do eleitorado de centro-esquerda, surgindo como meio-termo entre um esquerdista que “quer fazer coisas” e um candidato de centro-direita ainda não definido.

Quanto a este último aspecto, a escolha balança, até agora, entre um Rui Rio distante e sem grande dimensão nacional e um Marcello Rebelo de Sousa excessivamente embrenhado no “diz que disse” da pequena política. Contra tudo e contra todos, Santana Lopes vai gerindo os seus silêncios e espera ainda capitalizar a indefinição reinante no PSD. Sempre com a perspectiva de a sua candidatura ser vista com bons olhos por largos sectores do CDS…

E ainda faltam seis meses!

[td_text_with_title custom_title=”Quem é Maria de Belém”]

Tripeira de nascimento (fará 66 anos no próximo dia 28 de Julho), Maria de Belém Roseira Martins Coelho Henriques de Pina licenciou-se em Direito em Coimbra e começou a sua carreira como técnica superior do antigo Ministério das Corporações – o que, não fazendo dela uma perigosa fascista, pelo menos a ombreia com outros socialistas que serviram em altos cargos o regime deposto, como António Guterres, que foi assessor da Presidência do Conselho de Ministros no tempo de Marcello Caetano.

Depois do 25 de Abril, Maria de Belém Roseira foi chefe de gabinete do ministro da Saúde Maldonado Gonelha, administradora da Teledifusão de Macau e vice-provedora da Misericórdia de Lisboa (no mandato de Vítor Melícias, nomeado por Cavaco Silva), mas o seu nome só se tornou verdadeiramente conhecido quando, em 1995, foi designada ministra da Saúde, sob António Guterres.

Foi ainda ministra para a Igualdade, também com Guterres, tendo feito depois uma longa carreira no Parlamento. Ainda é deputada, eleita pelo círculo do Porto, mas soube-se há dias que pediu a António Costa para não ser incluída em lugar elegível nas listas para as próximas legislativas – o que parece confirmar o seu desejo de ficar “de mãos livres” para poder candidatar-se a Belém. Deixou também o cargo honorífico de presidente do PS, em que foi substituída pelo açoriano Carlos César. Manteve até há pouco um lugar como comentadora na TV do ‘Correio da Manhã’, estação que se tem distinguido na cobertura do “caso Sócrates”.

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