Fernando Medina e o Tribunal de Contas

Em Portugal, em vez de haver instituições livres e independentes, são na sua maioria dependentes do Estado e não poucas vezes são parte da corrupção geral.

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A qualidade das instituições de qualquer democracia é o elemento que melhor garante a liberdade e a felicidade dos povos. Inversamente, não há verdadeira democracia sempre que o poder político não cuida da qualidade, da liberdade e da independência das instituições.   

Infelizmente, a história da nossa democracia não é brilhante neste domínio. A  maioria das instituições foi, ao longo dos anos, capturada pelo Estado com o objectivo da manutenção do poder a qualquer preço, seja através de leis limitadoras da sua independência, seja principalmente através da prática política dos governos, que frequentemente condicionam as instituições públicas através da ausência de recursos financeiros, ou, contrariamente, pela subsidiação no caso das instituições privadas, o que as amarra ao poder. Porque a existência de instituições livres e independentes é um perigo reconhecido pelo poder político quando fracamente democrático, porque as instituições independentes têm a liberdade e o poder de tornar transparentes as decisões do poder político, quando os governos, os deputados e os autarcas as preferem esconder dos cidadãos.

Por exemplo, a Procuradoria-Geral da República, a Polícia Judiciária e mesmo a PSP e a GNR são mantidas com a rédea curta, quer do ponto de vista financeiro, quer do ponto de vista da sua independência, controlada através das nomeações dos seus dirigentes. A substituição da Procuradora-Geral da República Joana Marques Vidal, que pela primeira vez na nossa democracia combateu a corrupção de forma decidida e corajosa, foi inicialmente criticada e depois não sobreviveu ao processo de Tancos, dado o perigo de ser conhecido o possível envolvimento do topo de poder político no encobrimento do processo da recolha das armas.

Não por acaso, graças aos meios de comunicação, temos hoje notícia quase diária de novos casos de corrupção em Portugal, sem que o poder político faça mais do que criar comissões para estudar o tema, sendo óbvio que muitas dessas comissões têm sentadas à sua mesa algumas pessoas com uma longa história de surdez relativamente ao fenómeno da corrupção. Um exemplo claríssimo é o da Comissão de Ética da Assembleia da República, que já leva anos a ver as notícias diárias publicadas sobre maus comportamentos e que muito convenientemente confunde ética com criminalidade. Em que a existência de paraísos fiscais torna a corrupção mais difícil de investigar, mas que é suportada pelo poder político, nacional e europeu, o que rouba aos Estados os recursos necessários para a melhoria das condições de vida dos povos. 

Em Portugal temos o fenómeno de, em vez de haver instituições livres e independentes, serem na sua maioria dependentes do Estado e não poucas vezes são parte da corrupção geral. Instituições de solidariedade social, câmaras municipais, juntas de freguesia, o sistema financeiro, empresas públicas e privadas e até associações empresariais, têm sido acusadas de corrupção, sem esquecer um primeiro-ministro o que, naturalmente, responsabiliza os governos e os governantes.

Trata-se de instituições da sociedade, públicas e privadas, que deveriam ser o garante da legalidade, mas que a comprometem sem que nada aconteça. Pior, o poder político permite-se atacar as instituições que ao longo dos anos deram provas de independência, seja porque estão total ou parcialmente defendidas pela lei, seja porque são dirigidas por pessoas que já deram provas da sua seriedade pessoal e profissional. Entre todas essas poucas instituições, está o Tribunal de Contas, porque sabendo-se das muitas críticas que lhe são feitas desde os tempos já longínquos de Cavaco Silva, nunca, que me recorde, alguma vez os seus juízes foram acusados de ausência de ética e, menos ainda, de qualquer crime. 

Pois foi exactamente o Tribunal de Contas que recentemente foi acusado de forma leviana, muito pouco séria e menos ainda democrática, pelo Presidente da autarquia de Lisboa Fernando Medina, devido a um relatório do Tribunal que não agradou ao putativo substituto de António Costa na direcção do PS. A linguagem utilizada não tem perdão pelo que revela de má consciência, mas também porque uma instituição com a importância do Tribunal de Contas foi atacada através da mentira e da meia verdade e sem qualquer esclarecimento credível. De facto, as declarações de Fernando Medina quanto à compra de uns prédios à Segurança Social por um valor abaixo do preço de mercado, destinaram-se a iludir a opinião pública. Nomeadamente, quando afirmou que tinham sido feitas quatro avaliações, mas sem dizer que duas foram feitas pela Segurança Social e as outras duas pela própria autarquia. Ou seja, tudo ficou entre os amigos do costume e de forma a roubar à Segurança Social alguns dos recursos destinados a garantir as reformas futuras dos trabalhadores. Ou seja, a Segurança Social é mais uma instituição ao serviço do poder político para negócios pouco claros, como o são, por exemplo, o Montepio e a Santa Casa da Misericórdia de Lisboa. 

Não é a primeira vez que isto acontece. Recordo o prédio adquirido à Segurança Social por um outro autarca eleito pelo Bloco de Esquerda em que a realidade demonstrou que foi adquirido por um preço muito abaixo do seu valor real. Aliás, a ausência de transparência dos negócios realizados por Fernando Medina e a fuga a prestar os esclarecimentos devidos é conhecida. Foi assim com a aquisição do andar onde mora, foi assim com um contrato de alguns milhões de euros feito por ajuste directo, justificado por uma urgência que nunca existiu, foi assim com um prédio na avenida Fontes Pereira de Melo e é assim presentemente com a recusa em fornecer aos jornalistas a lista dos prédios na posse da autarquia. Compreende-se, o segredo é a alma do negócio e dessa forma a liberdade negocial feita nas costas dos munícipes fica facilitada.

A história da autarquia de Lisboa, que nunca foi muito limpa, passa agora por um tempo particularmente nebuloso quando se trata de negócios incompreensíveis, por exemplo, em autorizações para construção destruidoras de qualquer urbanismo de bom senso e de bom gosto. Recordo o mamarracho previsto para o Largo do Rato, a monstruosidade urbanística prevista para a avenida Almirante Reis e o desastroso projecto do Metro circular, caso em que os estudos são escondidos dos técnicos que correram o risco de criticar a concentração no Cais do Sodré de mais uma linha do Metro, em vez de Alcântara – com ligação à linha de Cascais,  a Campo de Ourique, a Miraflores e a Oeiras. Em todos os casos as dúvidas existentes não são esclarecidas como se adensam através de várias tentativas de condicionar o funcionamento da Assembleia Municipal e da protecção dada ao arrivismo conceptual do arquitecto Manuel Salgado.

Fernando Medina, por força das responsabilidades políticas do cargo que ocupa, ou daquele que pretende vir a ocupar, bem como pela cultura democrática que se esperaria de alguém eleito pelo povo de Lisboa, deveria ser a última pessoa a fazer críticas ao Tribunal de Contas, nomeadamente nos termos em que o fez. Com isso mostrou de forma muito clara que convive mal com as instituições que cumprem a sua missão de garantir aos portugueses a fiabilidade das contas públicas; e bem fez o Tribunal em não responder, demonstrando por essa via o abismo democrático que existe entre a autarquia de Lisboa e a instituição Tribunal de Contas. ■

Infelizmente, a história da nossa democracia não é brilhante neste domínio. A  maioria das instituições foi, ao longo dos anos, capturada pelo Estado com o objectivo da manutenção do poder a qualquer preço, seja através de leis limitadoras da sua independência, seja principalmente através da prática política dos governos, que frequentemente condicionam as instituições públicas através da ausência de recursos financeiros, ou, contrariamente, pela subsidiação no caso das instituições privadas, o que as amarra ao poder. Porque a existência de instituições livres e independentes é um perigo reconhecido pelo poder político quando fracamente democrático, porque as instituições independentes têm a liberdade e o poder de tornar transparentes as decisões do poder político, quando os governos, os deputados e os autarcas as preferem esconder dos cidadãos.

Por exemplo, a Procuradoria-Geral da República, a Polícia Judiciária e mesmo a PSP e a GNR são mantidas com a rédea curta, quer do ponto de vista financeiro, quer do ponto de vista da sua independência, controlada através das nomeações dos seus dirigentes. A substituição da Procuradora-Geral da República Joana Marques Vidal, que pela primeira vez na nossa democracia combateu a corrupção de forma decidida e corajosa, foi inicialmente criticada e depois não sobreviveu ao processo de Tancos, dado o perigo de ser conhecido o possível envolvimento do topo de poder político no encobrimento do processo da recolha das armas.

Não por acaso, graças aos meios de comunicação, temos hoje notícia quase diária de novos casos de corrupção em Portugal, sem que o poder político faça mais do que criar comissões para estudar o tema, sendo óbvio que muitas dessas comissões têm sentadas à sua mesa algumas pessoas com uma longa história de surdez relativamente ao fenómeno da corrupção. Um exemplo claríssimo é o da Comissão de Ética da Assembleia da República, que já leva anos a ver as notícias diárias publicadas sobre maus comportamentos e que muito convenientemente confunde ética com criminalidade. Em que a existência de paraísos fiscais torna a corrupção mais difícil de investigar, mas que é suportada pelo poder político, nacional e europeu, o que rouba aos Estados os recursos necessários para a melhoria das condições de vida dos povos. 

Em Portugal temos o fenómeno de, em vez de haver instituições livres e independentes, serem na sua maioria dependentes do Estado e não poucas vezes são parte da corrupção geral. Instituições de solidariedade social, câmaras municipais, juntas de freguesia, o sistema financeiro, empresas públicas e privadas e até associações empresariais, têm sido acusadas de corrupção, sem esquecer um primeiro-ministro o que, naturalmente, responsabiliza os governos e os governantes.

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