Não há dinheiro

A corrupção, o sistema financeiro, as dívidas não produtivas herdadas dos governos de José Sócrates e as isenções fiscais para amigos sugam o que resta do Orçamento do Estado

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Alguém disse que, depois da farsa dos coveiros, Hamlet chamou-nos para a realidade do pó humano, que é o que acontece com António Costa e, principalmente, com Mário Centeno, que caíram na realidade do pó: não há dinheiro. Veremos agora o que acontece a seguir.

Desde logo, o maior investimento do século na ferrovia, anunciado com pompa e circunstância pelo então ministro Pedro Marques, um mentiroso compulsivo, ainda não viu a luz do dia, sendo adiado para as calendas gregas pelo mesmo Primeiro-Ministro que fez as promessas. O porto do Barreiro, felizmente, não sai do papel onde o meteram, ainda que continue a gastar o dinheiro que não há. A linha circular do Metro, uma monstruosidade estratégica e financeira, muito debatida em controvérsias várias, não avança e veremos o que acontece, sendo que as populações a Norte de Lisboa reclamam, com razão, que lhes estão a complicar a vida e que a ideia do Governo e da Autarquia não serve para retirar os carros do centro de Lisboa. O aeroporto do Montijo, um erro de proporções ciclópicas, espera pela decisão da ANA e pelo pronunciamento dos ambientalistas, além do debate sobre alternativas mais sustentáveis, não apenas ambientalmente, mas como o substituto do actual aeroporto no centro de Lisboa. Finalmente, o cais Vasco da Gama em Sines, que é a obra pública mais urgente e que anda há anos a passo de caracol, embrenhado nas muitas burocracias em que o Estado português se especializou.

Todos sabemos o que está a acontecer na Saúde: demissões de dirigentes e de médicos; fuga de novos médicos para o estrangeiro; listas de espera mortais para os doentes que esperam cirurgias; hospitais a fecharem serviços; farmácias com falta de medicamentos; medicamentos para doenças graves a serem disponibilizados a conta-gotas e um Sistema Nacional de Saúde onde todos ralham e, aparentemente, a julgar pelos resultados, ninguém tem razão. Menos razão têm as explicações atabalhoadas e indigentes da ministra da Saúde. 

É preciso mais dinheiro, diz-se, mas de facto o que verdadeiramente é preciso é mais e melhor organização e menos confusão. Infelizmente, organização é algo que o Governo não sabe fazer, que a ministra não sonha como se faz e que a corrupção que domina o Estado não deixa que se faça. O SNS é um caso perdido, ainda que a qualidade dos médicos e dos restantes profissionais tudo faça para manter o sistema a funcionar e, de facto, em muitos casos conseguem o milagre de realizar um excelente serviço aos utentes, os que, finalmente, são atendidos. Parece uma contradição mas não é, trata-se de substituir a organização e o dinheiro pela devoção dos profissionais, que todavia afirmam estar no limite das suas capacidades.

O sistema de ensino vive condições semelhantes às do SNS: um sistema com muitos professores de qualidade afundados em trabalhos meramente burocráticos e vivendo permanentes alterações aos programas; muitos outros professores em fim de carreira e sem as necessárias qualidades pedagógicas, já que foram professores contratados e mesmo no período revolucionário; ausência de autonomia das escolas e uma falta endémica de funcionários. Acresce uma desigualdade evidente na qualidade da direcção das escolas, com resultados muito diferenciados, que o igualitarismo ideológico e a ausência de critérios de mérito fazem por obscurecer. Pior do que tudo, a ignorância governamental de que a principal solução para a desigualdade nas escolas e na sociedade portuguesa reside nas creches e no pré-escolar, com qualidade, com educadores qualificados e com transporte. Acresce que um governo que soubesse o que deve fazer já estaria a trabalhar num novo modelo de contratação dos futuros professores, os que possuam motivações transcendentes, verificadas por testes e por entrevistas, motivações que são a base da verdadeira vocação para o ensino.

Não há dinheiro, é uma constatação verdadeira mas simplista, nomeadamente devido à incompetência do PS e dos seus governos no que toca à economia, agora como no passado. O PS que nos conduziu à bancarrota e incompetência que não pode ser superada através de acordos de base ideológica com o PCP e o Bloco de Esquerda, como aconteceu nos últimos quatro anos. Anos desperdiçados aquando do crescimento económico na Europa e no Mundo, através de políticas de curto prazo e na dependência do mercado interno, quando o nó górdio da economia portuguesa é a dualidade económica, devida à falta de formação dos trabalhadores do sector pobre da economia e, sobretudo, da insuficiência das exportações, as mais baixas da União Europeia, entre os países da nossa dimensão. Acresce que os serviços pouco qualificados, como o turismo, reduzem a produtividade e os serviços com maior valor, como as tecnologias de informação, deparam-se com a falta de engenheiros e de pessoal qualificado. É esta a realidade, que apenas a indústria pode ultrapassar, na medida em que no sector industrial há lugar, simultaneamente, para trabalhadores qualificados e outros rapidamente qualificáveis em serviços vários, como montagens, armazéns, embalagem e transporte. Ou seja, é esta a solução para retirar trabalhadores não qualificados da metade mais pobre da economia, permitir o crescimento dos salários e aumentar as exportações. Infelizmente, são soluções que o Governo desconhece.

Não há dinheiro, mas a corrupção, o sistema financeiro, as dívidas não produtivas herdadas dos governos de José Sócrates e as isenções fiscais para amigos sugam o que resta do Orçamento do Estado. Apenas o sistema financeiro já destruiu vinte mil milhões de euros e o BES irá comer, pelo menos, mais cinco mil milhões, a parte conhecida, porque do resto ninguém sabe. Trata-se de um negócio realizado à moda de António Costa, porventura semelhante ao negócio do SIRESP, de que ninguém fala.

Entretanto, a paz política com o PCP, o Bloco de Esquerda e a sindical com a CGTP, precisa de ser comprada com mais dinheiro e, enquanto António Costa quiser continuar a ser Primeiro-Ministro, não existe alternativa.  Quem chegar depois, os nossos filhos e netos, que paguem a dívida, ou peçam outra vez a ajuda externa se, como é provável, os juros acabarem por subir. 

Não há dinheiro. De facto, suponho que nunca haverá, enquanto Portugal for governando por amadores muito pouco honestos e razoavelmente incompetentes. Acresce que a situação também não melhorará quando o Ronaldo das Finanças for para o Banco de Portugal, se entretanto não arranjar coisa melhor num qualquer banco europeu. 

Os mais de dois milhões de pobres que dizem haver em Portugal (pessoalmente penso que são bastante mais) que se contentem com as visitas e as fotografias do Presidente da República, ou emigrem para países onde o trabalho é mais respeitado e melhor pago.■

Desde logo, o maior investimento do século na ferrovia, anunciado com pompa e circunstância pelo então ministro Pedro Marques, um mentiroso compulsivo, ainda não viu a luz do dia, sendo adiado para as calendas gregas pelo mesmo Primeiro-Ministro que fez as promessas. O porto do Barreiro, felizmente, não sai do papel onde o meteram, ainda que continue a gastar o dinheiro que não há. A linha circular do Metro, uma monstruosidade estratégica e financeira, muito debatida em controvérsias várias, não avança e veremos o que acontece, sendo que as populações a Norte de Lisboa reclamam, com razão, que lhes estão a complicar a vida e que a ideia do Governo e da Autarquia não serve para retirar os carros do centro de Lisboa. O aeroporto do Montijo, um erro de proporções ciclópicas, espera pela decisão da ANA e pelo pronunciamento dos ambientalistas, além do debate sobre alternativas mais sustentáveis, não apenas ambientalmente, mas como o substituto do actual aeroporto no centro de Lisboa. Finalmente, o cais Vasco da Gama em Sines, que é a obra pública mais urgente e que anda há anos a passo de caracol, embrenhado nas muitas burocracias em que o Estado português se especializou.

Todos sabemos o que está a acontecer na Saúde: demissões de dirigentes e de médicos; fuga de novos médicos para o estrangeiro; listas de espera mortais para os doentes que esperam cirurgias; hospitais a fecharem serviços; farmácias com falta de medicamentos; medicamentos para doenças graves a serem disponibilizados a conta-gotas e um Sistema Nacional de Saúde onde todos ralham e, aparentemente, a julgar pelos resultados, ninguém tem razão. Menos razão têm as explicações atabalhoadas e indigentes da ministra da Saúde.