No genial livro de Doistoévski, “O Idiota”, encontramos um jovem príncipe de 27 anos, que era apelidado pelos seus contemporâneos como um verdadeiro idiota, isto porque era bom, generoso e extremamente fino e inteligente, embora não fosse uma característica muito aparente. Pelo contrário, Parfion Ragójin é um homem sinistro e primitivo, que é considerado como uma espécie de mestre, à volta do qual gravita uma corte de beberrões e canalhas.
Assim é Portugal, o verdadeiro idiota é aquele que vive rodeado de canalhas, que governa, que corrompe e é corrompido e aquele que decide, sendo, no entanto, invejado pelos outros. Apesar de o “povo” estar sempre pronto para enxovalhar os poderosos, quando estes saem à praça pública, é aquele que enriquece sem trabalhar e aspira aos mais altos cargos da nação, sem o menor currículo, que é invejado. É no novo-rico arrivista que a nação tem o seu modelo, que a nação inveja mesmo quando insulta.
Num país de elites extremamente enfraquecidas, em que a intelectualidade e o pensamento nunca foram particularmente estimulados, pior, foram sempre desencorajados, em que a nobreza era antes de 1833, e com raras excepções, alvar e depois de 1833 se tornou arrivista e ainda mais ignorante, em que a burguesia citadina sempre foi escassa e medíocre, pobre de espírito e pouco mais do que analfabeta, em que a classe dos tipógrafos era mais esclarecida do que a dos comerciantes, não existe elite do pensamento, da cultura e da ciência para tomar como modelo.
A ida para as cidades de gente desenraizada, êxodo muito recente, desde os anos sessenta, cujos pais analfabetos ainda tinham sentido da dignidade e da honra, apesar da sua atávica ignorância académica, exacerbou o ódio que as novas classes emergentes têm pela cultura popular, a única raiz profunda a par do catolicismo que também, na prática, abandonaram, ficando sem quaisquer referências morais e éticas. O desconhecimento atávico das suas raízes gerou indivíduos sem raízes, cuja cultura académica não supriu, porque nunca sentiram necessidade de cultura. Mesmo os licenciados da geração que governa o país, são profundamente ignorantes e culturalmente analfabetos. Porque não sentem necessidade de cultura, porque sempre a desconheceram e isso aprende-se com o leite materno e não nos bancos de uma qualquer escola onde andaram brevemente a roçar o traseiro, como o actual primeiro-ministro ou o futuro, ou onde fizeram trabalhos académicos específicos, fechados nas suas especialidades, sem qualquer mundivisão, como o actual presidente da república.
É neste contexto que surge o, abençoado pelas esquerdas, discurso radical de Cavaco Silva, o filho do Poço de Boliqueime, discurso pouco inteligente que, em vez de dividir, une, e que, em vez de excluir, inclui. Será muito mais fácil um acordo entre as esquerdas depois daquele discurso em que Cavaco indigita Passos Coelho como primeiro-ministro falhado de Portugal.
Esperamos com muita expectativa a rápida substituição do filho de Boliqueime pelo filho da elite do anterior regime, Marcelo Rebelo de Sousa, que conhece o significado da cultura, que é inteligente e que sabe da História, com H grande. Mas será muito difícil a sua eleição, o povo português identifica-se mais com o espírito de Boliqueime, e a esperteza saloia popular, do que com a inteligência dos académicos.
Entregar o poder a Costa será afastar o PS por muitos anos do poder, esmagado entre a direita, que se for inteligente nunca entrará em acordo com o PS, e as máquinas devoristas das esquerdas, que chantagearão até ao extremo o governo minoritário do PS. Este partido estará condenado a desaparecer entre dois martelos pneumáticos e a ficar muitos anos na oposição; bastará uma pequena crise, daqui a sete ou oito meses, para um reforçado Marcelo, recém-eleito e em estado de graça, mandar o PS às urtigas para a eternidade convocando eleições antecipadas em Junho de 2016. Quem será então o verdadeiro idiota?