Os palavrões de Valter Hugo Mãe

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“E a tua tia sabes de que tem cara, de p., sabes o que é, uma mulher tão porca que f. com todos os homens e mesmo que tenha r. para f. deixa que lhe ponha a p. no c.”

Este é o excerto da polémica do livro “O Nosso Reino” de Valter Hugo Mãe dado a ler aos jovens de 13 anos do liceu Pedro Nunes, em Lisboa.

O comentário do comissário do Plano Nacional de Leitura, o poeta Fernando Pinto do Amaral, dado à Lusa, foi o seguinte:

“Não está em causa a sua qualidade literária, o que houve foi um problema de inserção na lista. O livro entrou no 3.º ciclo por lapso, porque foi escolhido para o secundário”.

O problema é que é a própria qualidade literária que está em causa aqui: o Mãe escreve mal e é pouco credível no que escreve, o Mãe não devia estar no Plano Nacional de Leitura, aliás uma fábrica para promover amigos e lhes vender os livros como pães.

O próprio Valter Hugo Mãe, pseudónimo do senhor Valter Hugo Lemos, residente em Vila do Conde e nascido em 1971 em Henrique de Carvalho, em Angola, publicou numa rede social o seguinte:

“Ver o meu romance, ‘o nosso reino’, reduzido a duas frases, e por duas frases julgado, é sintomático do tempo de sentenças sumárias em que vivemos. Opinar passou a ser uma espécie de chelique imediato em que a maioria dos opinantes não sabe o que está em causa; não sabe, por isso, o que está a dizer.”

O próprio Mãe não defende as suas duas frases! Ele apenas pensa que o livro devia ser lido na totalidade, o que demonstra que não deve estar muito feliz com as duas frases em particular. Ora é aqui que o Mãe se engana: não é preciso ler muito para ver que o texto é fraco. Como dizia o Oscar Wilde, “não é preciso beber a pipa toda para perceber que o vinho é mau”, e nesse ponto estou melhor acompanhado do que o senhor Lemos, ou Mãe, porque realmente a qualidade literária vê-se por duas frases, tal como um bom vinho se descobre através do primeiro aroma que nos sobe ao nariz.

Ninguém fala ou escreve assim. As vírgulas estão mal colocadas, falta um ponto de interrogação. Quem usa um forte palavrão numa frase, usa também, com grande prazer, um prazer escabroso e delirante, as palavras mais grosseiras que existem para os órgãos sexuais, quer os escreva em nome próprio, quer os escreva em nome de um homem boçal e primitivo, como parece ser o caso no livro em questão; e o Mãe fica-se pelas meias tintas, sem sequer ter a coragem de um Bocage, que assumia por inteiro o palavrão forte num contexto mais jocoso.

A liberdade de escrever qualquer lixo é um direito inalienável. A liberdade de ler o que nos apetece é um direito ainda mais premente. Se me obrigarem a mim ou aos meus rebentos a ler o Valter Hugo Mãe, mais os seus palavrões, protesto. Não por causa dos palavrões propriamente ditos, que são escabrosos, mas porque é má escrita e má literatura.

Eu leio o que quero, e não nego que alguma literatura é forte. Genet é forte mas não é lixo. Já tinha lido todo o Eça aos 13 anos, isto apesar de o primo Basílio resfolegar como um touro durante o acto sexual. O Gil Vicente é licencioso, mas deliciosamente licencioso. Já tinha lido o Bocage, o sério e o satírico, aos 12. Ai de quem me obrigasse aos treze anos a ler um Mãe qualquer, que é como quem diz uma das Marias ou um Sttau Monteiro… Chorei profundamente quando morreu o Cardoso Pires, foi o único escritor a cujo funeral fui, isto apesar dos poemas pindéricos ditos na biblioteca do palácio Galveias pelos habituais abutres da morte alheia, isto apesar de o Cardoso Pires ter coisas bem mais escabrosas, nomeadamente nas suas crónicas, do que o Mãe alguma vez há-de escrever, mas o Pires escrevia-as bem, irrepreensivelmente bem.

Tentei por diversas vezes ler o Mãe, devido a uma publicidade literária insidiosa; não consegui por falta de qualidade da escrita. Infelizmente a polémica não é pela fraca qualidade literária do Mãe, é por causa dos palavrões débeis mas escabrosos que o Mãe emprega na sua escrita. Perdeu-se o foco do que importa realmente: anda-se a ler Mãe e a esquecer Camões, Cardoso Pires, Pessoa, Régio, Aquilino e os outros milhares de escritores portugueses dignos desse nome. Como diria o Almada, morra o Mãe, pim!