Antônio Paim, por sua vez, logo no segundo número da revista, a propósito de uma obra de José Maurício de Carvalho, havia também já salientado o quanto o pensamento do seu assumido discípulo converge com o seu: «José Maurício de Carvalho vem de entregar ao público a segunda edição de O Homem e a Filosofia (1ª edição, 1998). Nessa obra procura dar continuidade à meditação iniciada por Tobias Barreto (1839/1889) e, contemporaneamente, desenvolvida basicamente por Miguel Reale (1910/2006). Para Tobias Barreto tratava-se de encontrar um caminho que pudesse libertar-nos da camisa de força que nos sugeria o positivismo, ao postular que a pessoa humana era determinada e determinável. Sabemos que essa autêntica enfermidade, infelizmente, contagiou muita gente no período republicano de nossa história, o que explica nos encontrarmos, ainda hoje, diante de verdadeira esterilização das consciências em várias esferas do saber./ A proposta superadora do positivismo, da lavra de Tobias Barreto, consistia em demonstrar que a ação humana se explicava por causas finais, sendo impossível compreendê-la se nos ativéssemos aos marcos da causalidade eficiente (ou seja, os antecedentes identificáveis e mensuráveis). Miguel Reale teria o mérito de indicar precisamente o problema filosófico a ser elucidado: em que consistia o ser do homem. Aceitando a proposição de Tobias Barreto de que a moral estruturava o horizonte último da ação, diria Miguel Reale que o ser do homem é o seu dever ser. Não se trata de um “dever ser” simplesmente dado mas algo que envolve uma construção social onde a correlação essencial seria entre experiência e cultura, título de sua obra filosófica fundamental e que corresponde a autêntico marco da contemporânea filosofia ocidental./ Qual é a proposta de José Maurício de Carvalho no sentido de levarmos mais longe essa investigação? Dizendo-o de forma muito geral: tratar-se-ia de aproximar existência e cultura (…)./ O problema, pois, reside nas escolhas. Trata-se da mesma questão com que esbarrou Kant. Resolveu-o numa perspectiva protestante, em que a pessoa não mais conta com quem lhe abra a porta do Céu, devendo lidar com isto direta e solitariamente. Assim, a pessoa em causa precisaria dispor de alguém com quem se comparar, a que chamou de “sábio estóico”. Para traçar o seu perfil, num contexto cristão de cultura, reordenou os Dez Mandamentos para dele retirar um ideal de pessoa humana. Definiu-o como sendo um fim em si mesmo, que não poderia ser usado como meio. O imperativo categórico completa o ciclo em que o problema da escolha é enfrentado, no plano filosófico. Na escolha da lei moral é que residiria a liberdade humana, porquanto se trataria de resistir às inclinações./ Veja-se a solução que nos propõe José Maurício de Carvalho: “A ênfase na Existência trouxe para primeiro plano a preocupação com a morte pois ela integra o processo que chamamos de vida” (p. 132). No seio da corrente existencialista não se chegou a um acordo quanto à aceitação do que denomina de razão religiosa capaz de justificar a morte. Nas suas considerações acerca desse último tema, encontro esta afirmativa que, parece-me, poderia ser tomada como a solução ensejada pelo autor: “Entendendo-se como um ser para a morte, o homem tem que ter com sua vida um cuidado muito maior. Em cada momento de seu existir ele deve se de indagar a respeito do que faria se aquela fosse sua última ação. Assumir a autenticidade da Existência consiste em reconhecer que cada ação é em certo sentido a derradeira. A cada instante a vida humana torna-se verdadeiramente mais curta” (p. 133)./ Seria pois uma nova modalidade da pessoa humana dar-se conta da responsabilidade pessoal, ou seja, do que Max Weber chamou de “ética de responsabilidade”, em contraposição à “ética de convicção”. Como se vê, as meditações de José Maurício de Carvalho sobre a Existência são efetivamente instigantes.» (nº 2, 2º semestre de 2008, p. 83). ■
Agenda MIL – 26 de Abril, 21h30: 1º Debate do GT PASC “Democracia, Cidadania e Inclusão Social” (para mais informações: www.pasc.pt).